Escolhas cruciais, futuro incerto
A década passada, no Brasil, foram engendradas alternativas ao modelo econômico que vinha sendo introduzido desde 1990; essas alternativas resultaram na melhoria dos padrões de vida da população. O crescimento da economia teve consequências na impulsão do mercado de trabalho e do gasto social, potencializando os efeitos redistributivos da Seguridade Social instituída pela Constituição de 1988. Logrou-se melhor conjugação entre objetivos econômicos e sociais, o que foi determinante para a melhoria dos indicadores sociais (distribuição da renda do trabalho, mobilidade, consumo das famílias e redução da miséria extrema, por exemplo).
Não obstante, o Brasil continua sendo um país subdesenvolvido em termos econômicos, políticos, sociais e culturais, sem falar nos elevadíssimos custos ambientais que o subdesenvolvimento impõe. As múltiplas faces da desigualdade social do país são traços desse subdesenvolvimento. Os avanços recentes não apagaram as marcas profundas dessas desigualdades que têm raízes históricas herdadas do passado escravocrata, do caráter específico do capitalismo tardio e da curta experiência democrática do século XX.
Nos últimos anos, a desigualdade da renda do trabalho caiu de forma expressiva, mas ela ainda permanece entre as mais elevadas do mundo (15a). A secular concentração da riqueza agrária está intocada, e a questão da reforma agrária segue pendente. A apropriação desigual do uso do solo continua a enriquecer os ricos e expulsar os pobres. A especulação imobiliária, com ativos financeiros, inclusive da dívida pública, persiste e é recorrentemente reforçada pela elevação nominal e real das taxas de juros. O sistema tributário não incide sobre a renda e o patrimônio, e aprofunda o fosso entre milionários e deserdados. A heterogeneidade estrutural do mercado de trabalho persiste, mesmo após a notável recuperação do emprego formal dos últimos anos.
A despeito das conquistas da Constituição de 1988 e da inclusão social no período recente, o acesso aos bens e serviços sociais básicos continua desigual entre classes sociais e regiões. Estamos distantes de um ideal de igualdade de oportunidades educacionais. Mais de um terço dos trabalhadores estão na informalidade, não contribuem para a Previdência Social e não terão proteção na velhice. Formalmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) é público e universal, mas, passados 25 anos, diversos segmentos da população continuam sem acesso adequado aos serviços, notadamente àqueles de média complexidade. O Brasil nunca contou com políticas nacionais de habitação popular, saneamento e mobilidade urbana portadoras de recursos financeiros e institucionais compatíveis com os problemas gerados pelo acelerado processo de urbanização excludente ocorrido a partir de meados do século XX. A expressiva redução da miséria extrema não pode obscurecer a urgente tarefa de ampliar a cidadania social para esses segmentos.
O caminho para um país mais justo e civilizado requer que se enfrentem essas múltiplas faces da desigualdade social. Trata-se de tarefa extremamente complexa, com resultados de médio e longo prazo que devem ser pensados na perspectiva de um novo projeto de desenvolvimento, o que coloca novos desafios ao pensamento estruturalista. Além dos instrumentos econômicos tradicionais voltados para a distribuição da renda e superação das heterogeneidades estruturais da economia, o desenvolvimento requer ações voltadas para promover uma sociedade mais igualitária pela via da universalização da cidadania social.
Um futuro que caminhe na direção de enfrentar progressivamente o subdesenvolvimento depende de três opções estratégicas.
Primeiro, realizar uma reforma política que resgate o papel da democracia na representação dos interesses gerais da sociedade, modificando a assimetria atual em favor dos interesses dos detentores da riqueza. Como aponta André Singer,1 a sociedade tem de encontrar um modelo para “democratizar a democracia”. Do contrário, a democracia continuará a ser uma instância esvaziada e “descolada das aspirações da própria sociedade”. Além disso, a atual crise do sistema partidário impõe limites ao presidencialismo de coalizão, que se torna refém de interesses fisiológicos e de partidos com posições ideológicas antagônicas. A governabilidade para aplicar qualquer projeto político de transformação (para o bem ou para o mal) requer a formação de maiorias em torno de programas e partidos ideologicamente afinados.
Segundo, fortalecer o papel do Estado e da esfera pública. Afinal, a história econômica do capitalismo não registra nenhum caso de país que se tenha desenvolvido sem que o Estado nacional tenha tido papel estratégico como protagonista. Essa tarefa não é trivial, em virtude da correlação favorável às doutrinas que pregam o mercado desregulado, num cenário em que o Estado brasileiro foi reduzido a pó, após a sanha privatizadora dos anos 1990.
Terceiro, a gestão macroeconômica deve estar a serviço do crescimento e do projeto de desenvolvimento, o que requer coordenação dos instrumentos monetários, fiscais e cambiais, integrados a um modelo social, voltados para esses objetivos de longo prazo.
Dados esses parâmetros mais gerais, as eleições de 2014 colocam o Brasil numa encruzilhada, na medida em que os dois projetos que até o momento lideram as pesquisas eleitorais apresentam propostas que sinalizam direções opostas.
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O projeto encabeçado por Dilma Rousseff procura impulsionar a perspectiva “social-desenvolvimentista”, fortalecida a partir de 2006, na qual a inclusão social e a distribuição de renda são eixos estruturantes.
No campo social, procura seguir aprofundando as políticas sociais introduzidas pela Carta de 1988 e outras iniciadas a partir de 2003. O desafio para a próxima quadra é avançar além do “modelo de transformação lenta e dentro da ordem” que tem pautado a atuação do partido desde 2003. De fato, tem razão André Singer quando afirma que os governos petistas procuraram avançar “sem rupturas” e com “mudanças graduais”.2
A opção pelo “gradualismo extremo” – que teve sua razão de ser, dada a correlação de forças políticas e a esquizofrenia do sistema partidário – explica, em alguma medida, que não se enfrentem alguns condicionantes estruturais que limitam a universalização da cidadania social.
São emblemáticos os seguintes exemplos, a maior parte dos quais introduzidos pelo governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso: a tolerância com os processos de mercantilização das políticas sociais em diversas frentes; a manutenção dos mecanismos de captura do financiamento dos direitos sociais como a desvinculação das receitas da União (DRU), exceto no caso da educação, e os desvios de recursos da Seguridade Social, por exemplo; a reduzida importância atribuída à busca da justiça fiscal, como explícita no projeto de reforma tributária que tramita no Congresso Nacional desde 2003; a pouca relevância atribuída à revisão do pacto federativo – que se tornou assimétrico desde os anos 1990, dificultando a cooperação federativa na gestão das políticas sociais; e a baixa prioridade atribuída à reforma da gestão pública com o objetivo de torná-la mais eficiente, tendo-se, muitas vezes, optado pelo caminho mais fácil, de selar parcerias com organizações privadas.
No campo da reforma política, há claro compromisso com a retomada da proposta de plebiscito para a instalação de um processo constituinte específico para tratar do tema. Um dos fatos positivos do debate eleitoral é que essa questão crucial passou a ocupar o centro do debate nacional. O PT e a presidente da República selaram com a sociedade o compromisso de realizar essa reforma prioritária.
O reforço do papel do Estado – destruído pela vaga neoliberal dos anos 1990 – tem sido um objetivo perseguido. A elaboração do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no qual o Estado procura coordenar os investimentos públicos e privados nos investimentos em infraestrutura econômica e social, é um esforço meritório. O reforço do papel dos bancos públicos (Caixa, Banco do Brasil e BNDES) no financiamento de longo prazo e a retomada de uma política industrial e tecnológica também são exemplos dessa postura. Não obstante, ainda estamos longe de fortalecer o Estado nacional – o que não é tarefa fácil.
O principal calcanhar de aquiles desse projeto é a gestão macroeconômica que, até o momento, manteve, apesar de breves impulsos de afastamento, o ortodoxo “tripé” macroeconômico (meta de inflação, superávit fiscal e câmbio flutuante) introduzido em 1999 por FHC, cuja lógica não converge com o projeto social-desenvolvimentista. Além da política macroeconômica, há incertezas quanto à estruturação de políticas públicas para relançar o crescimento industrial e organizar um consistente padrão de financiamento dos investimentos, tanto público quanto privado. O debate eleitoral atuou positivamente no sentido de demarcar diferenças claras entre monetaristas e desenvolvimentistas acerca do tema.
Durante longos anos, os governos do PT tiveram índices elevados de popularidade, e houve certa acomodação em relação ao tema. Mas o quadro mudou após junho de 2013, permanece tenso no debate eleitoral e será ainda mais acirrado em caso de vitória. O partido será pressionado a não mais se contentar com medidas pontuais que tornem a gestão macroeconômica menos ortodoxa. Será obrigado a reciclar suas bandeiras para assumir um papel de maior protagonismo na luta dos trabalhadores e deserdados. Será preciso pensar e propor alternativas a esse modelo imposto pelo mercado. Suas lideranças não podem mais desconsiderar que, após a crise financeira de 2008, o “tripé” passou a ser questionado inclusive por instituições como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, que representam o establishment, da ordem ideológica, econômica e política global. Qual é o estado da arte desse debate? Quais alternativas vêm sendo seguidas por outros países? Essas são algumas das respostas que precisam ser procuradas.
É óbvio que não se trata de tarefa trivial, pois caminha no contrafluxo da ideologia dominante e da correlação de forças favorável ao poder econômico-financeiro. Prova disso é que em 2011 a presidente da República tentou uma via mais à esquerda, baixando juros e desvalorizando o real com controle do capital externo, mas a reação do mercado forçou o recuo. Não obstante, sem alterar esse quadro, serão mais remotas as possibilidades de aprofundar, com intensidade, o ensaio social-desenvolvimentista.
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Os projetos encabeçados por Marina Silva e Aécio Neves são neoliberais e antidesenvolvimentistas. No caso do Partido Socialista Brasileiro (PSB), um desconhecido assessor econômico chegou ao ponto de tentar desqualificar o pensamento desenvolvimentista de Celso Furtado, o economista brasileiro de maior reconhecimento internacional.3 O presidente do PSB, Roberto Amaral, mandou o rapaz “se calar” e, contrariado, afirmou que “as formulações originais sobre o desenvolvimento do país foram substituídas por Chicagoboyse yuppiesfabricados nas bolsas de valores”. Redimindo Celso Furtado, sentenciou: “O PSB tem profunda admiração pela obra e pelo pensamento de Celso Furtado. Morto, não há substituto à altura”.4
Essas declarações evidenciam as profundas clivagens de visões sobre o suposto projeto nacional que se pretende introduzir. O programa de governo do PSB é uma colcha de retalhos. Uma montagem de fragmentos dispersos colados e, por vezes, deletados. Mistura propostas sociais de Dilma com a política trabalhista de FHC e a estratégia macroeconômica de Aécio (que também revisita FHC). Ademais, contempla pressões conservadoras de toda ordem, como a explicitada no temido Twitter do pastor Malafaia. A conta não fecha.
Mas, afinal, qual é o projeto de Marina Silva e Aécio Neves para o país?
Esse ponto fica cristalino com a identidade de ambos nos projetos de gestão macroeconômica. Segundo matéria do Valor Econômico,5 Armínio Fraga (coordenador do programa econômico do PSDB) e Eduardo Giannetti (PSB) mostram “muita convergência” entre pontos de vista e foram especialmente enfáticos na “defesa da volta do tripé como fio condutor da política econômica”.
Ambos partilham da avaliação de que “a atual meta de inflação é muito alta”. Giannetti classifica o regime brasileiro de metas de inflação como um dos mais “condescendentes”. “A nossa meta é a mais alta”, e a banda, uma das mais amplas, “e ainda assim ela volta e meia é ultrapassada”, ponderou. Como se sabe, o PSB tem por objetivo reduzir a meta de inflação para 4% em 2016 e 3,5% em 2018.6 Por sua vez, Fraga defende que em um primeiro momento é preciso perseguir a convergência para a meta de 4,5%, para depois buscar uma meta menor.
Os dois assessores defendem forte ajuste fiscal no início do novo governo, redução do intervencionismo do governo, revisão dos programas de benefícios fiscais e recuperação do câmbio flutuante para recompor o tripé.
No caso do PSB, a defesa da ortodoxa gestão do “tripé” macroeconômico vem combinada com autonomia jurídica do Banco Central e criação de um Conselho Nacional de Responsabilidade Fiscal também “independente e sem qualquer vínculo com o governo”. Pelo andar da carruagem, acredita-se que o anunciado “comitê de buscas” de cidadãos probos identificará alguns iluminados representantes dos donos das riquezas para estarem à frente do Banco Central Independente (quarto poder?) e do também independente Conselho Nacional de Responsabilidade (quinto poder?). Eles decidirão sobre o destino do país, subtraindo o poder da sociedade nas decisões sobre o núcleo da política econômica. Com isso, o neoliberalismo estaria imune a qualquer influência da democracia brasileira.
Essa opção econômica do PSB/PSDB aprofundará as desigualdades sociais e agravará as tensões sociais. O objetivo de reduzir a meta de inflação e cumprir com mão de ferro esse desiderato (única missão do BC independente) significa subir os juros básicos (único instrumento do BC independente para controlar a inflação) para níveis estratosféricos. Observe-se que, nos governos do PSDB nos anos 1990, a taxa Selic chegou a mais de 40% ao ano. Num gesto de franqueza, Eduardo Giannetti foi taxativo: “reduzir o juro tem que ser o objetivo de longo prazo”.7
A primeira consequência é a recessão e seus reflexos negativos no mercado de trabalho: aumento do desemprego e do trabalho precário, estancamento da mobilidade social ascendente, congelamento dos salários, interrupção do processo de revalorização real do salário mínimo, redução da renda dos indivíduos e aumento das desigualdades sociais. Esses processos realimentarão o ciclo perverso da recessão. Nesse cenário não se sustenta a dissoluta afirmação de Giannetti de que “não está nos planos de ninguém fazer ajuste recessivo” (sic).8
A segunda consequência é a explosão da dívida pública (como ocorreu nos anos 1990, quando passou de 30% para 60% do PIB em apenas oito anos). Os gastos para pagar parte dos juros ascenderão a níveis obscenos (chegou a 9% do PIB nos anos 1990). Isso exigirá a ampliação da meta de superávit primário para pagar uma parcela desses crescentes gastos financeiros: “Os compromissos assumidos [no programa de governo] serão cumpridos, mas condicionados à evolução fiscal”, alertou o referido assessor.9
Esse condicionamento pétreo restringirá o gasto público em infraestrutura e em políticas sociais, gerando mais recessão, desemprego, concentração da renda e iniquidades na garantia dos direitos sociais constitucionais. Surgirão novas pressões pela privatização do pouco que restou do patrimônio nacional (Petrobras, Banco do Brasil, Caixa etc.). O aumento dos encargos financeiros inviabilizará a manutenção da política de valorização do salário mínimo e exigirá novas rodadas de reformas para suprimir direitos sociais universais (previdência, saúde, educação etc.).
A terceira consequência é a valorização do câmbio, que afetará negativamente a competitividade da indústria nacional, agravando a persistente heterogeneidade estrutural da produção e do emprego. Outro núcleo da estratégia macroeconômica objetiva minar o papel dos bancos públicos no financiamento de médio e longo prazo. Isso limitará o financiamento da infraestrutura social e econômica. Dado o longo prazo de maturação e o vulto dos investimentos, esses projetos têm longos prazos de carência e juros subsidiados. O objetivo é que os bancos privados capturem parte desse mercado – fato que seria inédito na história do capitalismo brasileiro –, mantendo-se, é evidente, a mesma lucratividade abusiva observada no crédito ao consumidor, o que obviamente inviabilizaria o financiamento da infraestrutura. O presidente do Itaú deixa claro que os bancos privados financiam poucos investimentos “porque é impossível competir com as taxas subsidiadas que o BNDES oferece, o investidor prefere ter a taxa mais baixa oferecida pelo BNDES, o que nos coloca fora desse mercado”.10
Esses são apenas alguns dos retrocessos e contradições facilmente previsíveis no campo econômico e social. Não será diferente do que está ocorrendo na Europa, ou do que ocorreu no Brasil nos anos de 1990. Sempre é bom relembrar, especialmente aos mais jovens, que Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central no segundo mandato de FHC, deixou o Brasil (2002) com inflação oito pontos acima do centro da meta (12,5%), juros Selic de 24,9% ao ano, elevada vulnerabilidade externa (reservas cambiais de apenas US$ 37 bilhões, hoje são mais de US$ 370 bilhões), dívida líquida em relação ao PIB de 60% (o dobro da verificada em 1995), Risco Brasil nas alturas (EMBI de 2.642 pontos, hoje de 212), baixo crescimento econômico e taxa de desemprego duas vezes maior que a atual.
Não existe mágica para conciliar objetivos ideologicamente tão irreconciliáveis. O que está em jogo é um conflito redistributivo entre o capital e o trabalho. O primeiro quer se sentar nas cadeiras cativas do Ministério da Fazenda, do Banco Central e do Conselho Nacional de Responsabilidade Fiscal para interferir no processo decisório que realimente a captura de fundos públicos para ampliar seus lucros operacionais e financeiros. O segundo não quer mais ser tratado como cidadão de segunda classe. Muitos dos que foram às ruas e os eleitores que exigem mudanças reivindicam ampliação dos investimentos e dos gastos sociais. Ou pagamos juros “inexplicáveis” se comparados internacionalmente ou distribuímos renda, num país cuja concentração continua uma das piores do mundo.
Tem razão Pedro Paulo Zahluth Bastos quando afirma que “vivemos no Brasil, hoje, uma disputa entre aqueles que querem continuar expandindo salários reais, direitos sociais e bens públicos, e aqueles que consideram que a sobrecarga democrática gera irracionalidades econômicas que acabam prejudicando os próprios cidadãos. Os primeiros estavam nas ruas em junho de 2013, os segundos estão em gabinetes propondo isolar a política econômica da pressão das ruas”.11 Prometer conciliar esses interesses opostos é gesto desavergonhado para iludir incautos.
No campo político, Aécio cita em particular o fim da reeleição com mandato de cinco anos, a adoção de voto distrital misto e a redução do número de partidos. Mas não esboçou nenhum compromisso com a proposta de plebiscito para a instalação de um processo constituinte específico para tratar da reforma política.
No caso do PSB, é preocupante a postura de negação da política que vem sendo adotada. A governabilidade da “nova política” parece ser possibilidade remota. Não é crível que Marina Silva cumpra sua tarefa com pouco mais de quarenta deputados probos. Chega a ser constrangedora a ingenuidade de outro interlocutor da candidata. Em entrevista concedida à imprensa,12 o assessor crê na possibilidade de a “nova política” “recuperar a interlocução com o Congresso” – que, como se sabe, é formado majoritariamente por homens ímpios… Para ele, a secular prática do “toma lá dá cá” seria extinta por um passe de mágica: basta o governo não pedir o “dá cá”. Ainda segundo o assessor, todos os deputados imbuídos de realizar a “agenda positiva” proposta por Marina se “alinhariam naturalmente” ao governo. Os novos congressistas, sentindo a pressão das ruas, iriam aderir em massa à cultura da “nova política”, sendo “praticamente zero” a possibilidade de isso não vir a acontecer. Para concluir com chave de ouro esse conto de fadas, segue-se a afirmação de que no governo de Marina “o PMDB terá enorme importância no Congresso”.
A “nova política” ouve as vozes dos mercados, e não as vozes das ruas. Quando isso ficar claro, a insatisfação popular será ampliada colocando novos desafios para a política e para nossa democracia em construção. Enfrentar esses desafios não será tarefa fácil num governo de “homens bons” que renega a política e os partidos.
Concluo com a sábia afirmação de Luis Fernando Verissimo de que “no Brasil, decididamente, você nunca pode dizer que já viu tudo. Temos certa volúpia pelo excêntrico”.13
O futuro do Brasil está em aberto e a hora da decisão se aproxima.
Eduardo Fagnani
é professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho).
Ilustração: Daniel Kondo
1 “Coalizão com PSDB pode ser único caminho para governo de Marina”. Entrevista, Brasil de Fato, 9 set. 2014.
2 Ibidem.
3 Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/dilma-trata-empresarios-como-prostitutas-diz-coordenador-economico-do-programa-do-psb-13925349#ixzz3DIdPHIIh.
4 Disponível em: http://oglobo.globo.com/blogs/ilimar/posts/2014/09/16/temer-quer-pmdb-unido-549668.asp.
5 Disponível em: www.valor.com.br/eleicoes2014/3662186/conselheiros-de-aecio-e-marina-convergem-em-politica-economica.
6 Disponível em: www1.folha.uol.com.br/poder/poderepolitica/2014/05/1447935-eduardo-campos-fala-em-meta-de-inflacao-de-3.shtml.
7 Disponível em: www.valor.com.br/brasil/3686278/programa-de-marina-sera-cumprido-quando-conta-fiscal-permitir.
8 Ibidem.
9 Ibidem.
10 Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/e-impossivel-competir-com-essas-taxas-subsidiadas-do-bndes-diz-presidente-do-itau-11074235#ixzz3E8azlPDv.
11 Disponível em: http://brasildebate.com.br/o-banco-central-independente-e-os-20-centavos/#wprperrors.
12 Disponível em:www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/186902-vamos-acabar-com-a-hipervalorizacao-dos-lideres-dos-partidos.shtm.
13 Disponível em: http://oglobo.globo.com/opiniao/marina-13925362#ixzz3Dye8A77K
Publicado em Le Monde Diplomatique