Qual polarização?
Dilma Rousseff 42,0%, Aécio Neves 33,6%, Marina Silva 21,3%. O primeiro turno da eleição para presidente neste domingo aproxima-se bastante daquele de quatro anos atrás – Dilma 46,9%, José Serra 32,6%, Marina 19,3%. Apesar do esforço de Marina, a polarização PT-PSDB está de volta, pela sexta disputa presidencial consecutiva, como constatam dez em cada dez observadores. A pergunta é: que polarização é essa? de onde vem sua força? por quer Marina morreu na praia?
Deixemos de lado por um momento as explicações imediatistas. Desconsideremos, para efeito de análise, os erros e acertos, propostas de campanha, ataques e defesas dos candidatos nos últimos três meses.
Esses movimentos táticos têm sua importância. Em circunstâncias muito especiais podem até ser decisivos. Mas em geral são subordinados aos movimentos estratégicos, de maior fôlego e alcance. Quem adquire uma vantagem tática pode vencer uma batalha, mas é a vantagem estratégica que permite vencer a guerra.
Busquemos então um horizonte mais brangente. Tentemos descortinar a polarização PT-PSDB sob a ótica dos seus elementos estratégicos.
Já falamos de sua longevidade: seis eleições, duas décadas. Mais da metade dos eleitores brasileiros nunca votou para presidente em outro quadro.
Outro elemento, talvez ainda mais importante, é a abrangência da polarização. Se passamos os olhos por nossa América Latina, vemos que ela é um fenômeno não apenas brasileiro mas continental. Repete-se, com esta ou aquela variante, em praticamente todos os países do Rio Grande à Patagônia.
Há que atentar também para o conteúdo programático da polarização – e falamos aqui de programas estratégicos, não de meras plataformas eleitorais. De um lado estão os neoliberais, de outro os progressistas. Alguém pode alegar que “neoliberais” e “progressistas” não passam de rótulos. Mas quem acompanha a trajetória brasileira – e latino-americana – desde o fim do ciclo ditatorial sabe que, com todas as suas nuances, contradições e imprecisões, eles rotulam conteúdos muito distintos e fortemente conflitantes.
Vale ainda prestar muita atenção na clivagem social da polarização. Se o leitor se der ao trabalho de conferir as votações deste domingo, no bairro mais grãfino e na periferia trabalhadora da sua cidade, com certeza confirmará aquilo que todas as pesquisas anunciavam: Dilma é a candidata da base da pirâmide social; Aécio, o da cúpula dourada. Nesta campanha, isto se expressou até no movimento da Bolsa de Valores, que subiu ou descer na razão inversa das chances de reeleição da presidenta.
Por fim, mas não por último, duas palavras sobre a correlação das forças em luta nessa polarização. Em todas as três eleições presidenciais brasileiras deste século (e igualmente nas latino-americanas) o “Polo Aécio” saiu derrotado e o “Polo Dilma” vencedor. Isto permite um vaticínio sobre o resultado do próximo dia 26, porém exprime um nítido favoritismo de Dilma, mais até que os 8,4 milhões de votos de vantagem que ela teve no domingo. Como diz o provérbio chinês, se o cavalo ganhou uma vez, foi sorte; se ganhou duas, foi coincidência; se ganhou três… aposte nesse cavalo.
Marina insurgiu-se contra a polarização crendo que se tratava de simples questão de vontade política. Não se deteve no exame desses elementos estratégicos. Por isso, sua cruzada estava eivada de incoerências e destinada em última instância ao fracasso. Mesmo que um capricho do destino a tivesse levado ao segundo turno ou até à vitória, certamente a polarização, em seu conteúdo, retornaria mais adiante, devido às fundas raízes que possui.
Isso quer dizer que viveremos ad infinitum a polarização PT-PSDB? Não. Mais dia, menos dia, ela irá para o museu como tantas que a antecederam. Não antes, porém, de se superar historicamente e politicamente os elementos estratégicos que a configuram.
Bernardo Joffily, jornalista, pesquisador da Fundação Maurício Grabois