O grande acordo das elites
O Brasil precisa dramaticamente de um acordo nacional que recoloque os preços básicos (macroeconômicos) no lugar certo e faça o Brasil retomar o desenvolvimento.
É necessário que a taxa de juros básica volte a ser civilizada; que a taxa de câmbio volte a ser competitiva; que a taxa de lucro esperada se torne satisfatória para os empresários e que eles voltem a investir; que os salários cresçam de acordo com a produtividade; e que a taxa de inflação se mantenha em nível aceitável.
O país precisa de um acordo nacional que tire a economia da armadilha de juros altos, do câmbio apreciado (baixo) e da taxa de lucro esperada insatisfatória que inviabiliza o crescimento.
Esse acordo não vai unir a todos. Ou será um acordo desenvolvimentista, que reunirá empresários, trabalhadores e a burocracia pública em torno das ideias de nação e desenvolvimento, ou será um acordo liberal, reunindo rentistas, financistas e interesses estrangeiros e atenderá apenas aos interesses dos ricos. Ou continuaremos a nos defrontar com um vazio político, como temos visto nesta campanha, na qual os candidatos não têm uma proposta.
Não existe um acordo nacional, mas existe um “grande acordo” que pode ser enunciado de maneira bem simples: aos rentistas, juros altos; às grandes empresas, taxa de juros subsidiada do BNDES; aos pobres, despesas sociais elevadas; e para todos, câmbio apreciado.
Desse acordo perverso só uma proposição coincide com o bem público: as despesas sociais elevadas. Elas constituem um salário indireto eficiente e mais justo porque proporcionam a elevação do padrão de vida de forma mais igual e a um custo menor do que o que haveria se ele se expressasse em salários diretos.
Um nível de taxa de juros real elevado é a demanda dos capitalistas rentistas, que vivem de juros, aluguéis e dividendos, e dos financistas, que administram a riqueza dos primeiros. É a demanda da coalizão de classes neoliberal, que perdeu grande parte do seu poder nos países ricos desde que suas políticas causaram a crise de 2008, mas que ainda continua poderosa no Brasil.
Eu falo em “nível” da taxa de juros porque o Banco Central precisa conservar seu poder de conduzir a política monetária. Em vez de fazer que ela varie em torno de 5% reais, ela deve variar em torno de, no máximo, 2% reais.
Os juros subsidiados do BNDES (a TJLP, Taxa de Juros de Longo Prazo) é a demanda das grandes empresas que condicionam seus investimentos a uma taxa de juros moderada. Como o poder rentista impede a diminuição do nível da taxa de juros, a solução necessária é a TJLP. Mas como ficam, então, as pequenas e médias empresas? Poucas têm acesso ao BNDES. E como ficam todos os que pagam impostos?
Finalmente, uma taxa de câmbio sobreapreciada no longo prazo aumenta artificialmente os rendimentos de todos, sejam eles trabalhadores, empresários ou rentistas. E permite que todos consumam mais do que a economia permite, ao mesmo tempo em que inviabiliza os investimentos na indústria e condena o país ao baixo crescimento.
O que tinham os candidatos a dizer a respeito? Muito pouco. Ou porque não se davam conta do problema e pensavam que basta fazer ajustamento fiscal para que o equilíbrio macroeconômico seja recuperado (Aécio e Marina), ou porque sabiam que o problema existe, mas, como foi o caso de Dilma que, como não teve poder para resolvê-lo, calou-se.
A presidente bem que tentou baixar os juros e depreciar o câmbio, mas parou na metade do caminho e teve que recuar, pois não fez ao mesmo tempo o ajuste fiscal necessário e porque não teve o apoio das elites brasileiras, que estão acomodadas com seu “grande acordo”.
E porque nem as elites, nem o povo está disposto a incorrer nos custos de um acordo nacional: preferem o consumo imediato que o câmbio apreciado proporciona.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 80, é professor emérito de economia, teoria política e teoria social da Fundação Getulio Vargas. Foi ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (governo FHC)
Publicado em TENDÊNCIAS/DEBATES da Folha de São Paulo