O mar de bandeiras vermelhas muito agitadas na Festa do Avante!, ocorrida entre os dias 5 e 7 de setembro, abraçava as últimas palavras de Jerônimo de Sousa, secretário-geral do Partido Comunista Português, no grande comício realizado no Palco 25 de Abril:

“(…) por uma política patriótica e de esquerda, pela democracia avançada com os valores de Abril no futuro de Portugal, tendo no horizonte uma sociedade nova”. Onde o PCP, enfatizou ainda o dirigente, “Assume a sua base teórica o marxismo-leninismo, o seu carácter de partido patriótico e internacionalista e o seu objetivo de construção de uma sociedade nova – o socialismo e o comunismo”.

Dezenas de milhares de pessoas assistiram atentamente ao discurso de encerramento da Festa, compartilhada nos três dias pela intensa presença de portugueses e delegações de organizações internacionais dos quatro continentes, além de turistas de várias partes da Europa, principalmente.
 Foto: Comício de encerramento da Festa do Avante!
Na verdade, a Festa e o Seminário Internacional “A Revolução portuguesa e a situação na Europa e no Mundo 40 anos depois”, convocado pelo PCP pouco antes de sua abertura, investiu-se, como sempre, de uma grande atividade política de massas com solidariedade anti-imperialista. Mas foi enfática nestes tempos perigosos, de guerras coloniais e barbárie, e profundamente instáveis; questões a que me referi na intervenção do Seminário, honrosamente representando a Direção Nacional do PCdoB:
“Assim, pensamos que as principais características políticas da situação europeia dos nossos dias estão marcadas pela ascensão de forças conservadoras e de correntes e partidos neofascistas – são ameaças reais. O que aparenta ser este um movimento fundamentalmente antagônico à época das lutas dos trabalhadores e do povo português contra quase meio século (48 anos!) para esmagar e liquidar, pela Revolução, o domínio fascista de Salazar e Caetano; assim como as profundas lutas antifascistas e vitoriosas dos povos da Espanha e da Grécia contra os regimes ali implantados”.
Essa também foi questão central levantada na exposição feita por Pedro Guerreiro, o camarada secretário de Relações Internacionais do PCP. Segundo Guerreiro, são a instabilidade e a insegurança que “caracterizam a situação internacional”, onde os EUA e a OTAN “avançam na corrida aos armamentos e no militarismo, instrumentalizam forças fascistas e terroristas” impulsionando a desestabilização e a guerra.
Também Lydia Samarbakhshm, camarada Secretária de Relações internacionais do PC Francês, em seu discurso no Seminário acusou a expedição imperialista atual para liquidar os direitos econômicos, políticos e sociais na Europa, cuja integração é “cada vez mais neoliberal no plano econômico, e também submetida cada vez mais aos interesses neoimperiais dos Estados Unidos”.
Chamaram a atenção ainda as intervenções de Edelys Cruz, do P.C. de Cuba, Badouin Deckers, do PT da Bélgica, de Lucia Mango, do Partido dos Comunistas Italianos, especialmente.
Na conversa com Jorge Cordeiro, do Secretariado do PCP, este descreveu que, refletindo a débâcle da União Europeia e em especial da Zona do Euro, de fato, Portugal acumulava 1,4 milhão de desempregados desde a crise 2007-8, 11 trimestres consecutivos de queda do PIB, isso significando três milhões de portugueses no limiar da pobreza – somados às politicas de “ajuste” da Troika (Comissão Europeia, Banco central Europeu e FMI). Instado, comentei ainda sobre a situação brasileira e do significado das eleições de outubro. Àquela altura estava claro para os camaradas portugueses não só o impacto desse pleito eleitoral, assim como a ilusão criada com candidatura da ex-senadora Marina Silva.
Alegria e agitação cultural na Festa de Abril
Fotos: Tenda do PCdoB na Festa

“A maior Festa do Avante! que assisti foi a de 1980. Veio de lá de vocês o Chico Buarque… ah, foi um sucesso!” Foram as palavras simpáticas de António Felipe, deputado do PCP e atual vice-presidente da Assembleia da República. Comentei então que estávamos ainda na ditadura, no que ele de imediato recordou, assim, a música “Tanto mar”, do Chico, censurada em 1975 e depois revisada para a versão final de 1978.

Foto: Cumprimentando António Felipe, jurista e deputado do PCP
Mas, a Festa dos 40 anos da Revolução de Abril estava repleta de atividades politicas, artísticas e culturais. Lançamentos de livros e debates simultâneos se espalhavam pelas tendas a perder de vista e sempre com presença variada. Estive presente na apresentação do livro recente de José Barata-Moura “Três ensaios sobre estética e política de Álvaro Cunhal”, com quem conversamos rapidamente, juntamente ao camarada Francisco Mello, diretor Editorial da Avante!

Foto: Com José Barata Mora e Francisco Mello
Assim, ponto alto do comício e para honra da Festa e seus convidados, Lisboa recebeu o revolucionário cubano René González, recém-saído dos cárceres dos Estados Unidos. Entusiasticamente aplaudido, a presença de René simbolizou o heroísmo dos combates travados mundo afora pelo comunismo, e emocionou profundamente a todos.


Com René Gonzalez e sua companheira
“Paris está triste?”

À pergunta, disse-me o gentil camarada Henri Blotnik, grande amigo do PCdoB: “Sim, exato. É a crise, não?”.
Já na passagem na tradicional Festa do L’Humanité, ocorrida em 12, 13 e 14 de setembro, esta também tradicional do principal jornal do Partido Comunista Francês (PCF), impressionou-me a expectativa criada em torno das nossas eleições presidenciais. Então, a ascensão de Marina Silva foi-me comentada como fato comemorado pelas classes dominantes francesas e sua mídia. “Já se percebe por aqui a manipulação pela Marina e a alegria da direita francesa; estou preocupado”, disse-me logo um camarada do setor de relações internacionais do PCF. 

Foto: Sede do PCF com sua arquitetura brasileira (Oscar Niemeyer)
Fotos: Com Obey Oament e Pierre Laurent
Dia seguinte, no debate sobre a “América Latina, hoje”, em que representei a Direção Nacional do PCdoB, espaço Village du Monde, causou impressão ao plenário lotado, três questões centrais que foram por nós argumentadas acerca da importância do pleito de outubro.
Na primeira, afirmei que a construção do Porto de Mariel, em Cuba, de iniciativa somente materializada e iniciada no primeiro governo de Lula, teve prosseguimento com a presidenta Dilma, que inaugurou a primeira fase do terminal portuário em janeiro passado. O financiamento de quase 1 bilhão de dólares à construtora Odebrecht foi feito pelo BNDES, sendo isso “impossível num governo neoliberal, sendo ademais clara demonstração da posição brasileira de solidariedade e de apostar na integração latino-americana”, enfatizei.
Lembrei, em segundo lugar, o significado do discurso de denúncia de Dilma Rousseff, na Assembleia da ONU, condenando a espionagem dos serviços de segurança do governo americano às comunicações e correspondências eletrônicas da nossa Presidenta. Acrescentei que Dilma recusou inclusive regalias diplomáticas oferecidas por Obama, caso se dispusesse a manter a agenda de visita à Casa Branca. Concluí então: “Duplamente, o fato é inédito na diplomacia entre os dois países!”.
Em terceiro, falei da importância histórica do recente encontro dos BRICS, no Brasil, em agosto último, onde foi fundado o Banco de Desenvolvimento desses países, com um capital que atinge 100 bilhões de dólares. Destaquei ainda que o banco não se restringirá aos países acionistas, mas servirá também de apoio aos países chamados em desenvolvimento – outra forma que os BRICS encontraram para driblar o controle asfixiante de aríetes do imperialismo como FMI, Banco Mundial etc.
Foto: Debate sobre a situação da América Latina com dirigentes da Venezuela, Cuba, Brasil, Nicarágua, e Bolívia, coordenado pela Seção América Latina do L´Humanité.

O entusiasmo do público majoritariamente francês, quando encerrei a intervenção bradando que, “camaradas: ganharemos, sim, as eleições no Brasil!” recebeu comentário positivo de Henri Blotnik, camarada do PCF e grande amigo do PCdoB.
De fato, creio que da exposição (e debates acerca do Brasil e a integração latino-americana) ficaram claros, por um lado a simbologia estratégica da reeleição de Dilma; por outro, as posições do PCdoB, que como disse, também um destacado protagonista dessa importante experiência de governos progressistas e de esquerda na América Latina.
A curiosidade e atenção com as eleições de outubro igualmente sofreram questionamentos de dois pensadores franceses contemporâneos. O renomado cientista Michel Paty – a quem, com enorme satisfação entrevistei para a próxima edição da Revista Princípios -, torcendo por Dilma, perguntou-me se haveria dificuldades para a vitória. Também a autografar livros seus nos estandes do vasto espaço para as editoras, o filósofo francês Lucien Sève mostrou-se preocupado com as notícias da candidata direitista: “O que você acha? As eleições do Brasil são muito importantes, não?”, indagou-me o (extremamente) ativo intelectual já aos 88 anos de idade.
Foto: Com Paty
O velho mundo e Outubro
No entardecer do verão europeu, Lisboa e Paris viram mais uma vez ser espraiadas as vozes revolucionárias e vermelhas dos comunistas: ideias que também se associam aos funerais do capitalismo, em crise sistêmica. As festas do Avante! e do L’Humanité permanecem signos vivos das lutas dos camaradas e das camaradas pela libertação nacional e universal da decadente sociedade burguesa.
Nossa presença, do PCdoB, testemunhou o esforço titânico em se manter acesa uma chama que não pode ser apagada – e não será, malgrado as vicissitudes impostas pela conjuntura fortemente conservadora -, esforço esse levado adiante pelos comunistas.
De resto, emocionou-me o clima de solidariedade dos camaradas anfitriões com o nosso Partido, claramente associada à preocupação com a vitória do povo brasileiro nas eleições presidenciais.