O Estado Novo (1937-45) dividiu a vida político-partidária brasileira. Sobreviveram a ele o Partido Comunista e a Ação Integralista, apenas. Com o golpe que tirou Getúlio e a democratização derivada da constituinte de 1946 surgiram novos partidos.

Os mais importantes: Partido Social Democrático (PSD), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e a União Democrática Nacional (UDN). PSD e PTB sustentavam-se sob atuação vacilante ora desenvolvimentista, ora com pinceladas autoritárias e/ou entreguistas; com poucos rompantes populares.

Já a UDN nasceu de um discurso “democrático” vazio e anticomunista que unia vários setores da sociedade. Dos declarados reacionários, cartolas, tubarões, oligarcas aos desinformados vislumbrados com o oco discurso liberal e “democrático”. Praticava um macarthismo exemplar sendo a principal agremiação da articulação do fechamento do PCB e perseguição política aos comunistas no pós 1948.

Tinha um viés entreguista tão acentuado que quando o general e futuro presidente estadunidense Dwight Eisenhower visitou o Brasil, o então presidente da UDN, deputado baiano Otávio Mangabeira, fez durante sessão solene um discurso em homenagem ao visitante e terminou dizendo: “Em nome do país (…) inclino-me respeitoso diante do General Comandante-Chefe dos Exércitos que esmagaram a tirania, beijando, em silêncio, a mão que conduziu à vitória, as Forças da Liberdade”. Ajoelhou-se e beijou a mão do general estrangeiro.

O gesto estarreceu os presentes em geral e foi pauta durante todo o dia seguinte na Câmara dos Deputados [Foto de Ibrahim Sued])

 

O espírito vira-lata da UDN conduziu uma linha antipopular e antinacional contra a aprovação do reajuste de 100% do salário mínimo em fevereiro de 1954, a criação da Petrobrás e a autonomia energética brasileira. Fez campanha aberta para que o Brasil enviasse tropas para a Guerra na Coréia. Foram os principais opositores ao segundo governo Getúlio Vargas (PTB) – 1950-54 – desde os primeiros momentos até o suicídio de agosto. Getúlio cita-os na carta testamento com o epíteto “forças contra o povo”.

Carlos Lacerda foi o principal expoente udenista. Brilhante orador e eficiente articulador foi o sujeito que confluiu as principais características para que as “forças contra o povo” disputassem o Poder. Contra JK ele lançou a famosa frase “Juscelino não pode ser candidato, se candidato não pode ser eleito, se eleito não poderá tomar posse, se empossado terá de ser deposto”. Investiu ponto por ponto da referida frase. Foi um dos articuladores do golpe de 1964 e, a partir do AI-5, uma vítima da ditadura.

Durante a ditadura militar o espírito udenista manteve pompas nos alicerces do Estado. No período de maior arbítrio o udenismo permaneceu mais dócil e “acordou” já no fim da ditadura para disputar o projeto que conduziria o país no pós redemocratização.

Com realização da Constituinte livre e soberana o udenismo ganhou novos impulsos. Uma imensa bancada conservadora foi eleita e colocou a vitória dos trabalhadores e do povo em risco. Aliaram-se ao que há de mais atrasado e foram implacáveis com relação à reforma agrária e a estruturação do Estado. Diziam que as empresas nacionais (Petrobrás, Eletrobrás, Bancos…) poderiam ter larga porcentagem de capital estrangeiro, ou seja, não seriam nacionais. Aécio nessas alturas já está em cena, foi constituinte.

Se Jânio Quadros era considerado “a UDN embriagada”, com Collor o udenismo passou a usar drogas mais pesadas. Quebrou indústrias inteiras. Tornou o discurso privatista um remédio para os grandes males do país. Perdeu por completo a noção da separação entre o público e o privado. Inseriu o país no pior da globalização.

O udenismo toma o Estado

A era FHC (1995-2002) foi a maior realização do udenismo. Desnacionalizar, desestatizar, desempregar e desestabilizar foram os “Ds”  que deram o tom daquele governo. Incrustaram um ódio aos movimentos sociais e particularmente ao Partido dos Trabalhadores – uma espécie de novo macarthismo tão perpetrado nas últimas eleições, muito particularmente nesta de 2014.

A partir de um pragmatismo generalizado criaram aversão ao espírito crítico. Nos anos 1990, para uma parcela dos brasileiros, ficou meio ridículo criticar o governo ou se contrapor às medidas ultra liberalizantes. Nisso o udenismo teve vitórias estratégicas.

Se não fossem mobilizações massivas pressionando o Congresso a Petrobrás seria completamente privatizada. Banco do Brasil, BNDES e Caixa Econômica Federal não seriam mais bancos púbicos. Por outro lado a pressão popular não foi sempre suficiente e, entre outras, a Vale do Rio Doce e Telebrás foram privatizadas à preços ridículos de baratos.

Com a vitória de Lula e das forças democráticas e progressistas em 2002, o udenismo mostrou os dentes novamente. Preconceitos foram destilados como veneno dia a dia nas páginas dos grandes jornais. Um jornalista do New York Times chamou Lula de bêbado recebendo aplausos de uma oposição tão pouco democrática e quanto defensora da soberania.

A partir de 2004 um pilar udenista foi ressuscitado: a gritaria pela “ética” e contra a corrupção. Essa foi a fachada das investidas de Lacerda contra Getúlio, JK e Jango. A oposição a Lula – marcadamente PSDB, DEM, PPS e a grande imprensa – transformaram indícios em crimes e suspeitos em culpados. Criaram um clima de golpe durante meses – que em alguns momentos parecia inevitável.

Em 2006 personificado em Serra e em 2010 personificado em Alckmin o udenismo continuou a mostrar sua face mais reacionária. Não conseguiram criar um arco de aliança e uma plataforma de propostas suficiente para ganhar simpatia dos brasileiros. Lula foi reeleito e Dilma eleita.

O udenismo de cara “nova”

As propostas de Aécio não inovam em nada, muito pelo contrário são retrógradas. Em entrevista no programa Roda Viva da TV Cultura ainda no 1º turno, perguntado sobre o uso de cocaína ele saiu pela tangente e dizendo que “sou um homem do meu tempo!”. O pior ignorante é aquele que não sabe que é ignorante. Aécio é um homem de tempos passados. Mais precisamente um homem dos anos 1990. Um típico Jordan Belfort (personagem de Leonardo Di Caprio em O Lobo de Wall Street). Ele e seus asseclas ainda não perceberam que o mundo mudou e suas referências de condução política estão obsoletas. O povo tem maior participação e opiniões mais fortes. O receituário neoliberal já foi autocriticado pelo próprio papa deles, Alan Greenspan – ex-presidente do FED.

Leonardo Di Caprio é Jordan Belfort em O Lobo de Wall Street, do diretor Martin Scorcese


Nas relações internacionais, já deixou claro que, se eleito, não seguirá um caminho independente. É deselegante e invasivo nas análises de outros países e tem colocações pouco afeitas ao diálogo respeitoso com outros povos. Tem como proposta concreta a volta do fantasma da ALCA.

Tem em torno de si as forças políticas mais atrasadas do país. Nenhum de seus aliados representa o que pode ser chamada de “nova política” (termo vago, dúbio e contraditório usado por tucanos e marineiros). Clube Militar, Bolsonaro, Levy Fidelix, Pastor Everaldo, Marina Silva, Roberto Freire, Roger, Danilo Gentili, Lobão são alguns de seus cabos eleitorais.

Entregou-se ao discurso moralista da redução da maioridade penal, do discurso anti-aborto, do obscurantismo e do elitismo enquanto sucesso. Seus aliados tornam Coronel Telhada um expoente da cultura. O respeito por autoridades e pelas mulheres não é seu forte. Faz um discurso de terror recheado de impropérios. Não sabe lidar com a adversidade eleitoral e política. Aécio está aliado a setores que semeiam o ódio num momento em que o Brasil está cindido e lembram a todo momento, nas linhas ou entrelinhas, a frase de Lacerda sobre JK.

O fio condutor que une Aécio à UDN está dado na campanha eleitoral do candidato mineiro. Vê-se preconceito, ultra liberalismo, sentimentos anti-povo e anti-Brasil, machismo, racismo, elitismo, privatismo, golpismo, autocracia, autonomia do mercado em relação ao Estado, ultra direitismo e tantos outros adjetivos de tons atrasados.

O udenismo não estará liquidado com a vitória de Dilma, até por que o Congresso será importante bastião do atraso na próxima legislatura. A derrota do udenismo está diretamente ligada à capacidade das forças populares e progressistas ganharem a subjetividade do povo para o desenvolvimento nacional soberano, pacífico e includente . Estamos diante de uma guerra que tem setenta anos e o próximo domingo será um momento importante da batalha atual.

Fernando Garcia – Fundação Maurício Grabois – Seção São Paulo