15 Outubro 2014

Senhora Presidente,
Senhores membros do Governo,
Senhores Deputados,

Uma maioria parlamentar em estado de negação e que se limita a fazer no parlamento a pré-campanha eleitoral que não consegue fazer fora dele, prepara-se para aprovar um Orçamento de Estado injusto, proposto por um Governo em estado adiantado de desagregação.

O Governo termina o debate deste Orçamento com uma composição diferente da que o iniciou. Ninguém estranha, evidentemente, que um Ministro tenha pedido a demissão na sequência de um escândalo que envolve titulares de altos cargos públicos e personalidades que lhe são próximas. O que toda a gente estranha é que os outros ministros, a começar pelo Primeiro-ministro, se mantenham nos seus cargos.

O Senhor Primeiro-Ministro que, convencido da infalibilidade das suas escolhas, manteve sempre intocada a confiança nos seus ministros, já viu cair todo o núcleo duro do seu Governo. Caiu o todo-poderoso Miguel Relvas, caiu o intocável Vítor Gaspar, caiu o heterodoxo Álvaro Santos Pereira, caiu o insubstituível Miguel Macedo, e só a revogação da demissão irrevogável do parceiro de coligação e a complacência ativa de Belém, permitem que este Governo se mantenha ligado à máquina, apesar da sucessão de escândalos que marcam a sua governação.

É o escândalo na Justiça, com o desastroso início de vigência do mapa judiciário, com processos ao deus-dará, com dois meses de paralisia dos tribunais judiciais, cujas consequências ainda nem são conhecidas em toda a sua extensão.

É o escândalo na Educação, com os alunos sem aulas dois meses passados sobre o início do ano letivo, com professores gravemente lesados nos seus direitos e afrontados na sua dignidade.
É o escândalo na Segurança Social, com a decisão do Governo de mandar para o desemprego setecentos trabalhadores qualificados do Instituto da Segurança Social.

É o escândalo da ocultação do desemprego, com mais de 160 mil trabalhadores empurrados para programas de formação e com milhares de trabalhadores que, ao abrigo dos chamados contratos de emprego/inserção, ocupam postos de trabalho permanentes com salários de miséria e sem direitos.

É o escândalo na Defesa Nacional, com a extinção das Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento e das Oficinas Gerais de Material de Engenharia.

É o escândalo nas Finanças em torno do BES, pela incapacidade do Governo para avaliar os efeitos do colapso do Grupo Espírito Santo no sistema financeiro, para salvaguardar o interesse nacional posto em causa, e pela desastrosa gestão do processo de resolução do BES e de criação do banco de transição.

É o escândalo na economia, com essa tragédia para o património e os interesses nacionais que é a liquidação da PT e com a catastrófica decisão de privatizar a TAP.

É o escândalo dos Serviços de Informações, a fazerem serviços de deteção eletrónica de escutas telefónicas a pedido do Presidente do Instituto dos Registos e Notariado, ele próprio arguido no processo criminal movido em torno dos chamados vistos gold.

É o escândalo dos próprios vistos gold, a manchar a reputação do nosso país, a motivar processos-crime envolvendo titulares de altos cargos públicos, a criar condições propícias para a ocorrência de casos de corrupção, de branqueamento de capitais ou de procuradoria ilícita, mas a manter-se, apesar de tudo isso, como um motivo de orgulho do Governo na sua política de captação de investimentos.

Enquanto os imigrantes que tentam fugir à fome e à miséria, dispostos a trabalhar nas mais precárias condições, naufragam no mediterrâneo e são repelidos pelos guardiões da fortaleza erguida nos Acordos de Schengen, quem tiver interesse em depositar um milhão de euros ou em comprar imóveis de valor superior a 500 mil euros em Portugal, só precisa de permanecer por cá uma semana para ter direito a autorização de residência ao abrigo de um visto dourado.

Quando confrontamos este regime legal com o Orçamento que acabamos de discutir, vemos a imagem de marca deste Governo: vistos de ouro para estrangeiros ricos, Orçamento de chumbo para portugueses pobres.

Senhora Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Deputados,

Passaram mais de seis meses sobre a mágica data de 17 de maio, em que o Governo e a maioria celebraram ruidosamente a partida da troika. Teria acabado o protetorado. O país teria recuperado a sua soberania. A crise pertenceria ao passado. Mas este Orçamento do Estado é o desmentido cabal dessa propaganda. Tudo o que de pior nos chegou em nome da troika, e que não foi impedido pela luta dos portugueses ou por decisões do Tribunal Constitucional, por cá permanece.

A esse respeito, o Orçamento não podia ser mais claro, quando estabelece no artigo 239.º, que se mantém em vigor “todas as medidas e efeitos de natureza temporária, previstos em lei ou regulamentação, que se encontrem dependentes da vigência do PAEF e ou do Programa de Estabilidade e Crescimento para 2010-2013, nas suas diversas fases.”

Na verdade, assim é:

Continua a perseguição aos funcionários públicos, aos reformados e aos beneficiários de prestações sociais; continuam os cortes de salários e de pensões; continuam os cortes desumanos nos apoios sociais; continua o corte infame dos complementos de pensões dos trabalhadores das empresas de transportes; continuam os aumentos de impostos sobre os rendimentos do trabalho e as escandalosas benesses fiscais aos lucros do capital; continua a famigerada sobretaxa do IRS (a tal que o CDS dizia que iria acabar por exigência sua); continua a absurda taxa do IVA a 23% sobre a restauração, o gás, a eletricidade e outros bens de primeira necessidade; inventam-se novos impostos pintados de verde para esmifrar ainda mais os contribuintes; acaba a cláusula de salvaguarda do IMI; mantém-se os aumentos dos descontos para a ADSE, a ADM e o SAD e são reduzidos os benefícios que lhes são inerentes,

E entretanto,

Este Orçamento degrada ainda mais as funções sociais do Estado. Os trabalhadores portugueses pagam cada vez mais impostos e têm cada vez menos direitos sociais. Os direitos de acesso à saúde, à educação e ao ensino, à Justiça, à proteção social no desemprego e na doença, degradam-se cada vez mais. Os portugueses que trabalham ou que trabalharam uma vida inteira pagam cada vez mais para ter cada vez menos.

Mas é claro que nem todos estão pior. Neste Orçamento, o Governo inscreve uma verba de 24 600 milhões de euros para dar garantias pessoais do Estado aos bancos e procede ao alargamento dos prazos para os bancos usufruírem de créditos garantidos pelo Estado e do prazo de reembolso de 20 para 50 anos.

Ou seja: enquanto para a generalidade dos portugueses a austeridade não dá tréguas, para os bancos, não só se disponibilizam milhares de milhões em garantias pessoais do Estado, como ainda se alargam os prazos de utilização do crédito e de reembolso. Esta alteração, proposta e aprovada pelo PSD e pelo CDS, parece mesmo um fato feito à medida do Novo Banco que tem garantias do Estado a vencer a partir de Dezembro de 2014.

Não há nada neste Orçamento que comprove ou sequer indicie o fim da crise. Ninguém tem dúvidas de que, com este Governo o país está pior. Aumentou o número de milionários, mas a grande maioria empobrece a trabalhar. Os ricos estão mais ricos, mas os pobres são cada vez mais e são cada vez mais pobres.

A menos de um ano de cessar funções, este Governo e esta maioria não têm mais nada para apresentar aos portugueses que não seja um discurso fantasioso sobre o suposto fim da crise, que é desmentido pela própria maioria, quando repete obcessivamente a ladainha de que tudo está como está, não por culpa do atual Governo, mas por culpa exclusiva de quem antes dele assinou um memorando com a troika, como se os partidos da atual maioria não o tivessem exigido, apoiado, assinado e executado, e como se este Orçamento para 2015 não fosse tão troikista como a própria troika.

O PCP não iliba as responsabilidades do atual Governo, como nunca ilibou as responsabilidades do Governo anterior. Foram os três partidos do autoproclamado “arco da governação” que, com as suas opções, essencialmente convergentes, lançaram o país na situação dramática em que se encontra e revelaram a sua incapacidade para governar de acordo com os interesses do povo e do país.

Os portugueses estão cansados de quase quatro décadas de alternância sem alternativa que conduziram o país ao estado a que chegámos. A dependência, o empobrecimento, a injustiça social, a corrupção, a humilhação nacional, o descrédito das instituições e a perigosa degradação da democracia em que vivemos, que são consequências das políticas de direita, exigem o fim deste ciclo político e a afirmação de uma alternativa democrática.

No debate deste Orçamento do Estado, o PCP demonstrou que existe alternativa. Portugal não está condenado à recessão e ao empobrecimento. Os portugueses não estão condenados a pagar com os seus impostos e com a destruição dos seus direitos os juros exorbitantes de uma dívida contraída em benefício de banqueiros e especuladores.

Renegociar a dívida, aumentar a produção nacional, recuperar para o Estado o controlo de empresas estratégicas, valorizar os salários e as pensões, aliviar os impostos sobre os rendimentos do trabalho e aumentar a tributação sobre os rendimentos do grande capital, defender e recuperar os serviços públicos e as funções sociais do Estado, afirmar a soberania e o primado dos interesses nacionais, são objectivos incontornáveis da política alternativa que o PCP propõe ao povo português.

Neste tempo em que vivemos, de grandes dificuldades, perigos e incertezas, o PCP está com os portugueses que sofrem, que trabalham e que lutam por uma vida digna num país mais justo e mais decente e anima-nos a firme convicção de que o povo português, mais cedo que tarde, saberá derrotar este Governo e esta política, e construir a alternativa patriótica e de esquerda de que o país precisa.

E esta convicção é irrevogável.

Disse.