SP: Na Luz, o negro é representado em peça sobre a Frente Negra Brasileira
Rua do Triunfo, 301, São Paulo, Centro (ou a antiga região da Boca do Lixo, chamada assim nas décadas de 20 e 30 e que se estendia pela Luz e seus arredores) – É nessa rua que, à época, estavam as produtoras de cinema Fox, Paramount, entre outras. Um verdadeiro reduto do cinema independente brasileiro e que, nos dias de hoje, se localiza a Sede Luz do Faroeste, da Cia. Pessoal do Faroeste.
“Dialogando com a história da rua, trazemos o público para um local que, por ser conhecido como Cracolândia, o faz sentir intimidado. Temos uma relação de pertencimento com esse local, condiz muito com a peça”, disse o diretor Paulo Faria.
Graças a Lei de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo – programa que tem por objetivo revitalizar áreas degradadas, inaugurando novos espaços teatrais e levar o teatro às ruas, seja no centro ou na periferia – a Sede Luz do Faroeste funciona a todo vapor. Em sua trilogia mais recente, o diretor Paulo Faria nos apresenta a peça Luz Negra. Sendo continuação das peças “Homem não Entra” e “Cine Camaleão”, “Luz Negra” caminha pelos passos dos negros e negras que representavam a Frente Negra Brasileira na era Vargas desde 1931, em sua criação, à 1937, quando foi instalado o Estado Novo, e partidos políticos foram cassados (a Frente Negra se tornou partido em 1936).
Com um elenco majoritariamente negro (6 atores), com excessão de 3 atores brancos, Mel Lisboa, David Guimarães e Leona Jhovs, a peça discorre sobre os programas da Rádio Luz Negra na década de 30 e a atuação dos apresentadores na Frente Negra, entre outras histórias paralelas.
O movimento conhecido por agir em prol das reivindicações da população negra no Brasil, contou com a ajuda de ícones como Abdias do Nascimento, principal denunciante do racismo no país e construtor de organizações negras que pretendiam pensar uma produção intelectual e artística legitimamente negra, a partir dos anos 40. Abordado na peça, se mostrou presente para a platéia que, se não o conhecia, passou a conhecer e admirar.
Também presentes na peça estavam Luis Gama, um dos principais abolicionistas da história do país, poeta, advogado e jornalista e Geraldo Filme, com seu samba paulista, autor de “Silêncio no Bexiga” e “Tradição”. Figuras importantíssimas na evolução do movimento no Brasil.
“Brincamos muito com a realidade e a ficção, abordando Luis Gama e Abdias, mas também a história de uma advogada negra na década de 30 que nunca existiu. Tentamos resgatar na mente do paulistano a herança negra que este estado tem e a forte presença que o movimento teve na época”, afirmou Faria.
Segundo Paulo, a ideia do projeto é disseminar para todo o tipo de platéia a herança afrobrasileira. Infelizmente, os veículos de imprensa que retrataram a peça – como o Globo e a Folha de São Paulo – não seguiram a mesma ideologia. Esqueceram de falar do negro e focaram na atuação de uma das únicas atrizes brancas da peça e a mais famosa, Mel Lisboa. “Me decepcionei muito com a cobertura da imprensa, é uma questão discutida entre os atores da peça. Mesmo assim, temos a opção de entender os objetivos de certos jornalistas e não concordar,” disse Mel.
O ator Raphael Garcia, que interpreta José Correa e personifica Luis Gama, pertence ao grupo de teatro Coletivo Negro e diz se sentir “preenchido de sentido por levar a questão negra, um tema pouco abordado no Brasil, a um espaço diverso para um público diverso.” Os familiares dos atores assistem à peça eventualmente e, segundo Raphael, “se sentem realizados por seu passado estar sendo retratado”.
Segundo Cloddoaldo Dias, ator que interpretou Orland Claude, “é uma raridade hoje em dia ter tantos artistas negros em cena. Relembramos o movimento da década de 30 que eu mesmo não conhecia antes de fazer a peça. Trazer isso ao conhecimento do público é extremamente gratificante. Aprendi muito com a peça, me aprofundei na cultura negra e espero que o público também tenha se inserido no ambiente”.
Claviane, que estava na platéia, trabalha como agente de saúde e na Cia. De Teatro de Heliópolis, “amei a peça, primeira vez que vejo e posso dizer que me sinto representada, por saber das histórias de Luis Gama e de muitos negros que não são lembrados. Como educadora, é um aprendizado que passarei adiante”.
Num país racista como o Brasil, e numa capital conservadora como São Paulo, a existência de peças como “Luz Negra” nos faz criar esperança na disseminação da igualdade racial. Projetos como este do diretor Paulo Faria são exemplo de afirmação da história negra nas mentes dos paulistas e brasileiros. A peça está em cartaz às terças e quartas-feiras às 21h, até março de 2015. A entrada custa uma contribuição simbólica.
Publicado em Carta Maior