O Paço das Artes encerra neste domingo (7 de dezembro), a exposição “Operação Condor”, do fotógrafo português João Pina. As fotos resgatam o ambiente de terror e repressão política que tomou conta da América Latina após os golpes militares de direita. A entrada é gratuita.
Priscila Arantes, diretora técnica e curadora do Paço das Artes, chama a atenção para a relevância histórica e política da obra de João Pina num momento em que a Comissão da Verdade investiga as violações de direitos humanos no Brasil durante o regime militar, que completa 50 anos em 2014. “Como instituição preocupada com a memória e registro de suas ações, o Paço das Artes considera de extrema importância a realização desta exposição num período de abertura dos arquivos da Ditadura Militar brasileira”, diz.
A mostra, que reúne 113 imagens em preto e branco e em formatos variados, é composta pelas séries “Brasileiros”, “Retratos”, “Paisagens”, “Laboratório”, “Prisões”, “Julgamentos”, “Salas de Tortura” e “Arquivos”. Por meio destas fotografias, Pina investiga e documenta as histórias de brasileiros e outros sul-americanos, que foram diretamente afetados pelas ditaduras militares em geral, e, em particular, pela Operação Condor.
“A série ‘Operação Condor’, que o fotógrafo João Pina realizou nos últimos nove anos vai muito além de imagens documentais. Elas falam de ausência, da perda do que é irrecuperável, da procura de identidades desaparecidas e ainda sem explicação, da dor dos que deixaram de conviver com familiares e amigos, do corte seco que levou para sempre os que tiveram a liberdade tolhida nos anos da ditadura. É mais que uma exposição: é um documento sobre cicatrizes”, afirma Diógenes Moura, curador da mostra.
“Todas as imagens que ali estão funcionam como um grito parado no ar: desde os retratos impregnados de silêncios e lembranças de mães que nunca mais viram seus filhos voltarem para casa; de ex-presos políticos que têm no olhar as cicatrizes dos campos de concentração; do sobrevivente mutilado pelas granadas que eram deixadas como armadilha na guerrilha do Araguaia; de centros de torturas hoje empoeirados pelo tempo, até a sinistra imagem do avião usado pelos militares argentinos que atiravam vivos militantes de esquerda no rio La Plata e no Oceano Atlântico e que hoje é utilizado como ‘objeto publicitário’ para uma empresa de construção nos arredores de Buenos Aires. Portanto, estamos diante da nossa própria história. Resta-nos saber que tipo de justiça queremos”, diz Diógenes.
A Operação Condor, segundo definição utilizada por João Pina, foi um plano secreto que uniu, em 1975, no auge da Guerra Fria, seis países latino-americanos –Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Uruguai e Paraguai–, que viviam sob regimes militares de extrema-direita. “Através da partilha de informações, recursos, técnicas de tortura e prisioneiros políticos, estes países pretendiam aniquilar a oposição política, a quem chamavam a “ameaça comunista” ou os “subversivos”, afirma.
Entre 2005 e 2014, com a máquina fotográfica numa mão e o gravador em outra, João Pina entrou provisoriamente na vida de algumas pessoas, a quem pediu que partilhassem tanto as suas memórias como os lugares onde viveram experiências terríveis. “Sabendo eu, por via familiar, dos efeitos que um longo regime ditatorial pode provocar na sociedade e nas vítimas diretas dos abusos cometidos pelos repressores, a minha curiosidade persistiu o suficiente para eu concluir que estas experiências podiam e deviam ter uma existência visual. Assim, decidi usar a fotografia, que é a minha linguagem, para observar as vítimas do Condor”, relata Pina.
No Brasil, Pina retratou e entrevistou sobreviventes da luta armada, parentes de vítimas das ditaduras e militares que participaram da repressão, acompanhou prisões e julgamentos, além de fotografar antigos centros de detenção como a antiga sede do DOI-Codi em São Paulo, que hoje abriga a 36ª DP, na Vila Mariana.
O fotógrafo viajou também a Pernambuco, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Pará, Tocantins, onde entrevistou, inclusive, personagens da guerrilha do Araguaia, como Josias Gonçalves, ex-guerrilheiro que na década de 1970 lutou contra o exército brasileiro na região do Araguaia; e Sebastião Rodrigues de Moura “Curió”, coronel do exército brasileiro responsável pela repressão e exterminação da guerrilha do Araguaia, no início dos anos de 1970. “Curió”, que foi fotografado em Brasília (DF), afirmou ter participado da Operação Condor, no âmbito das missões dos serviços secretos militares brasileiros na Argentina, no Chile, no Uruguai e no Paraguai. Apesar de ter sido denunciado pelo Ministério Público Federal em 2012, “Curió” não pode ser acusado judicialmente devido à lei de anistia que ainda existe no Brasil.
João Pina testemunhou, ainda, como alguns dos sobreviventes e familiares lidam com traumas gerados por este período, que vão desde depressões agudas a estados de paranoia e outros problemas psíquicos menos visíveis, mas que de alguma maneira transformaram a vida de várias gerações. “Ainda hoje, da selva amazônica no Brasil até as terras geladas da Patagônia, milhares de vítimas continuam enterradas em fossas não identificadas. As fotografias que serão mostradas fazem parte de um projeto que tenta prestar homenagem a todas as vítimas das ditaduras que governaram com mão de ferro esta região”, completa.
Arquivos
A preocupação com a memória é recorrente no Paço das Artes, que realizou a exposição “Arquivo Vivo” em 2013. Com curadoria de Priscila Arantes, a mostra reuniu obras de 22 artistas, como a instalação La no-Historia, da chilena Voluspa Jarpa, com arquivos censurados pelo Serviço de Inteligência Secreta dos Estados Unidos sobre a Operação Condor.
SERVIÇO
“Operação Condor” | João Pina
Curadoria: Diógenes Moura
Visitação: até 7 de dezembro
Terças a sextas > 10h às 19h | Sábados, domingos e feriados > 11h às 18h
Paço das Artes
Avenida da Universidade, 1, Cidade Universitária, São Paulo/SP; tel.: (11) 3814-4832

Avião usado pelo exército argentino para jogar militantes de esquerda vivos no rio La Plata e no Oceano Atlântico; hoje é usado como objeto de publicidade em uma loja de materiais de construção na periferia de Buenos Aires (setembro de 2011)

Cientistas da EAAF, equipe argentina de antropólogos forenses, tentam identificar restos mortais de dois desaparecidos politicos (janeiro de 2012)

Ex-militares escondem o rosto para o fotógrafo durante sessão de julgamento em que eles são acusados pelo Estado Argentino de crimes contra a Humanidade (fevereiro de 2012).

Marco Aurélio Guimarães, patologista forense, carrega os restos mortais de guerrilheira brasileira, enquanto cruza o rio Araguaia com sua equipe, de volta a Xambioá, em outubro de 2012.

Peça íntima encontrada em vala comum; o objeto é estudado no laboratório da EAAF, equipe argentina de antropólogos forenses em Buenos Aires (junho de 2013).

Mirta Clara, prisioneira política durante a Ditadura Militar argentina. Foi detida com seu marido, em novembro de 1975, por fazer parte do grupo Montoneros (extinta organização político-militar argentina de guerrilha urbana).Sob custodia, foi torturada enquanto grávida. Seu segundo filho nasceu em cativeiro. Seu marido foi executado, pelo que se sabe, durante o episódio que ficou conhecido como massacre de Margarita Belen. Mirta permaneceu presa durante oito anos, sendo libertada próximo às primeiras eleições democráticas, em 1983. Atualmente trabalha como advogada de direitos humanos e psicóloga em Buenos Aires (Foto: João Pina | Buenos Aires, fevereiro de 2012).