DOI de São Paulo ensinou técnicas de tortura a chilenos, uruguaios e argentinos em 1974, revela livro
Como parte da Operação Condor, aliança político-militar entre os governos ditatoriais da América do Sul nos anos 1970 e 1980, o regime militar brasileiro ofereceu treinamento de técnicas de tortura em presos políticos a agentes argentinos, chilenos e uruguaios. A informação é parte da pesquisa de dez anos do jornalista Marcelo Godoy, que lança nesta semana o livro A Casa da Vovó – Uma Biografia do DOI-Codi (1969-1991), o centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar (Alameda, 612 págs, R$ 69).
No caso chileno, as práticas viriam a ser usadas pela Dina (Departamento Nacional de Inteligência), segundo entrevista feita pelo autor da obra com o “Agente Chico”, sargento do DOI entre 1970 e 1991, que não aceitou divulgar o seu nome verdadeiro.
“Eles vieram fazer o que aqui?”, perguntou o jornalista na entrevista com o agente. “Aprender como é que se interrogava”, responde o agente em trecho reproduzido na página 492 do livro. “Só isso?”, insiste Godoy. “Não participaram de operação. Eles chegaram num dia, com aquelas fardas marrom. E no outro dia vieram paisano e foram levados pro interrogatório. E olha como pendura, [choque], e a técnica de bater pra falar. Eram três chilenos. Vieram aprender a ‘fazer’ a Dina.”
A confirmação da vinda de uruguaios e argentinos foi feita pelo sargento Marival Chaves, o “Doutor Raul”, sargento do DOI de 1973 a 1977. Além de consultar diversos arquivos públicos e de jornais da época, Godoy entrevistou 25 agentes do DOI-Codi, que impuseram diferentes condições para falar: há entrevistados que permitiram a divulgação do nome, outros que autorizaram a publicação após a própria morte, uma parte liberou a publicação dos codinomes e, finalmente, alguns que falaram com a condição de usarem nomes falsos.
Entre as técnicas exibidas aos chilenos, que passaram dois dias no DOI (Destacamento de Operações de Informações) em 1974, estão o pau-de-arara, as máquinas de choques e a pica de boi, uma espécie de chicote. Antes da vinda de chilenos a São Paulo, um dos chefes do DOI, o capitão do Exército Ênio Pimentel da Silveira, conhecido no departamento como Doutor Ney, já havia viajado a Santiago para orientar colegas locais e “caçar brasileiros” no país, de acordo com o livro.
A obra de Godoy será lançada na próxima sexta-feira (13/12), às 14 horas, em sessão especial da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva.
A colaboração da ditadura brasileira com militares chilenos era anterior ao golpe de Estado realizado em Santiago, em 1973, conforme revelou reportagem de Opera Mundi de fevereiro deste ano. Sete anos antes da chegada de Augusto Pinochet ao poder, em 1966, o chanceler Juracy Magalhães foi ao Chile e, em reunião com seu homólogo Gabriel Valdés, disse que o hemisfério deveria “agir em benefício do Chile” se Salvador Allende fosse eleito. Como resposta, Valdés disse que as Forças Armadas chilenas já organizavam um plano para tirar os esquerdistas da Presidência.
Para contar a história do Destacamento de Operações de Informações (DOI), foram entrevistados 97 pessoas, 25 das quais agentes que trabalharam no lugar. São homens e mulheres – militares e policiais – que revelaram detalhes de prisões e mortes. Também foram ouvidos coronéis, delegados e políticos que cuidaram da Segurança Pública do Estado. Vinte trechos de entrevistas concedias entre 2004 e 2014 – todas inéditas – foram selecionados para mostrar como o destacamento atuou durante o regime e o que pensavam seus homens. Algumas das vozes foram distorcidas para preservar o anonimato de agentes.
Os trechos das gravações das entrevistas foram publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo no domingo (7/12). Ouça-os aqui.