EUA se infiltraram entre jovens músicos cubanos para incentivar oposição ao governo
Por mais de dois anos, a Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) se infiltrou secretamente no cenário hip-hop underground de Cuba, recrutando rappers para desencadear um movimento de jovens contra o governo, de acordo com documentos obtidos pela AP (Associated Press) e divulgados nesta quinta-feira (11/12).
De acordo com os arquivos, a ideia era usar músicos cubanos “para romper o bloqueio de informação” e construir uma rede de jovens que procurassem uma “mudança social” em relação à liderança dos irmãos Castro, no poder desde 1959.
No entanto, a operação foi classificada como amadora e foi mal sucedida. O programa secreto dos EUA também envolveu a empresa Creative Associates International, com base em Washington, DC, que pagou milhões de dólares para minar o governo comunista de Cuba.
Em pelo menos seis ocasiões, as autoridades cubanas detiveram ou interrogaram pessoas envolvidas no programa, confiscando também equipamentos de informática. Segundo investigação da agência de notícias norte-americana, em muitas ocasiões os músicos cubanos não tinham ideia de que eles haviam sido apanhados para uma operação clandestina dos EUA.
Os documentos acessados pela AP contêm milhares de páginas que incluem contratos, e-mails, chats preservados, orçamentos, relatórios de despesas, pontos de energia, fotografias e passaportes. Além disso, os arquivos também trazem à tona o projeto do Twitter cubano, outra operação revelada em abril deste ano pela Associated Press.
“As alegações de que o nosso trabalho é secreto ou dissimulado são simplesmente falsas”, declarou a Usaid em um comunicado na quarta-feira (10/12). Segundo a agência governamental, seus programas foram destinados a “reforçar a sociedade civil”, em lugares onde “muitas vezes o engajamento cívico é suprimido e onde as pessoas são perseguidas, presas, submetidas a danos físicos ou a consequências piores”. Já a Creative Associates preferiu não comentar o caso.
Histórico da operação
A princípio, a operação hip-hop foi executada em Cuba pelo sérvio Rajko Bozic. O projeto foi inspirado nos concertos de protesto do movimento estudantil que ajudou a minar o ex-presidente sérvio Slobodan Milosevic em 2000.
Na ilha caribenha, a proposta era recrutar dezenas de músicos cubanos para projetos disfarçados de iniciativas culturais, mas realmente destinados a fomentar um movimento de fãs que desafiassem o governo de Raúl Castro. Rajko Bozic, então, focou em Los Aldeanos, um grupo de hip-hop frustrado com a pressão oficial e amplamente respeitado pela juventude cubana por suas letras contundentes.
Por sua vez, a Creative Associates usou uma empresa de fachada no Panamá e um banco no Lichtenstein para ocultar o rastro do dinheiro de Cuba, onde milhares de dólares foram usados para financiar um programa de TV estrelado por Los Aldeanos.
Em setembro de 2009, o cantor pop colombiano Juanes anunciou show em Havana. Na ocasião, empresários da Creative tentaram persuadir o artista para deixar Los Aldeanos tocarem juntos. A empreitada não deu certo, mas Juanes chegou a agradecer publicamente os rappers após o concerto e foi fotografado com o grupo. O episódio gerou maior popularidade de Los Aldeanos na ilha.
Em um comunicado encaminhado ontem à AP, um porta-voz Juanes, John Reilly, disse que o concerto não teve agenda política e que “Juanes e os outros artistas da organização não têm qualquer conhecimento” da operação norte-americana.
Em agosto de 2010, Los Aldeanos subiu ao palco no Rotilla, um dos maiores festivais de música independente das autoridades cubanas. Diante de uma multidão de cerca de 15 mil pessoas, eles dilaceraram funcionários do governo pelo nome e provocaram a polícia. Após esse episódio, Rotilla passou a ser organizado pelo governo cubano e os integrantes de Los Aldeanos acabaram se mudando para o sul da Flórida, reclamando que era impossível continuar a trabalhar na ilha.