A crise do neodesenvolvimentismo
Desde 2003 diversas iniciativas contribuíram para o “relançamento do Mercosul” e o início de uma fase de cooperação política regional para o desenvolvimento, dando fim a um período de incertezas que o bloco viveu entre 1999 e 2002 em função das crises econômicas no Brasil e na Argentina e à baixa institucionalidade que a iniciativa de integração regional do Cone Sul ainda apresentava.
O Mercosul inscrito no início dos anos 1990 no conceito de regionalismo aberto da Comissão Econômica para América Latina (Cepal), pensado, portanto, para servir de instrumento para a abertura comercial neoliberal, acabou, na verdade, se transformando em um importante ator geopolítico que deu impulso à criação dos novos mecanismos de integração regional sem a presença dos Estados Unidos. As incorporações de questões políticas e sociais deram um novo caráter para a aproximação entre os Estados sul-americanos. O processo de construção da Unasul, que primeiro contou com a formação da Comunidade dos Estados Sul-americanos (Casa), reforçou a luta contra o projeto imperialista da criação da Área de Livre-Comércio das Américas (Alca).
Até 2008 houve uma importante onda eleitoral na região que convergiu na esfera da integração regional e cujos governos, de maneiras distintas, adotaram políticas de indução do crescimento econômico e de distribuição de renda que denominamos neodesenvolvimentistas. O aumento da demanda asiática por insumos e matérias-primas e as políticas estatais de fortalecimento das suas burguesias internas trouxeram de volta o superávit primário ao Brasil e à Argentina. Aqui, o boom das commodities veio acompanhado do aumento das exportações de produtos manufaturados e da internacionalização das empresas brasileiras na região em detrimento da abertura comercial unilateral. O conjunto das políticas estatais contribuiu para que houvesse uma ampla geração de empregos no País e ajudou a diminuir o impacto imediato da crise financeira.
No entanto, assim como se verifica o baixo crescimento econômico nos últimos anos, o Mercosul está numa fase de indefinição. Há três importantes fatores para isso: 1) a avalanche das importações chinesas que ameaça as indústrias brasileiras dentro e fora do País; 2) a crise econômica argentina em função da cobrança dos fundos abutres; 3) o aumento das restrições às importações dos produtos brasileiros naquele país.
Dar uma resposta a esse quadro é o desafio da atual política externa brasileira. A conjuntura política pede, logo no início do segundo mandato da presidenta Dilma, ousadia e inovação. Os projetos de integração não poderão contar apenas com uma boa retórica pró-integração, como foi o encontro entre Dilma e o presidente do Uruguai, Pepe Mujica, em novembro do ano passado. O acordo entre o Mercosul e a Aliança para o Pacífico é um passo importante no sentido de garantir a expansão do Mercosul e a disputa com os projetos de liberalização comercial entre os Estados sul-americanos e os Estados Unidos e a China. Mas é preciso ir além. Apenas o livre-comércio e obras de infraestrutura não resolverão os problemas históricos do subcontinente. Tirar o Banco do Sul do papel poderia mudar a qualidade no compromisso entre os Estados sul-americanos. Outra possibilidade seria estender a política brasileira de exigência de conteúdo local para as empresas que foram beneficiadas por redução de impostos para o Mercosul, sobretudo para a Argentina. Nem a primeira possibilidade, que já é amplamente conhecida, apareceu nos discursos da presidente e do novo ministro das Relações Exteriores. Eles tampouco apresentaram alguma proposta concreta para dar um novo fôlego ao Mercosul.
A Cepal, seguindo novamente os interesses dos Estados imperialistas, tem sugerido a integração do Mercosul às cadeias produtivas globais, qual seja: a instalação de plantas das grandes corporações multinacionais que virão em busca de matérias-primas e mão de obra mais barata. Delegarão para a região a tarefa de simples montagem de peças e produtos, sem transferência de tecnologia. Nada de novo!
Parte da oposição – em especial as frações da burguesia brasileira mais aliadas ao imperialismo, como o capital financeiro e o agronegócio e a alta classe média – passou a criticar a ênfase conferida à integração regional. Em contrapartida, defendem a conclusão do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia e o retorno da proposta da Alca. Insistem em atacar o caráter ideológico da política externa e a possível perda de oportunidades. Reascendem as denúncias Lacerdistas em torno do Pacto do ABC e da denúncia de aproximação entre Perón e Vargas, através da aversão ao bolivarianismo-chavista. Nesse quadro, reafirma-se mais uma vez o caráter “entreguista” e pró-imperialista da classe média alta brasileira e das frações burguesas subordinadas ao imperialismo.
O contexto político é bastante complexo. À presidenta cabe a firmeza e a coerência política com aqueles que foram às ruas e às urnas na esperança de mais mudanças. Os reforços das políticas de integração regional e industrial poderão ajudar o governo a definir um caminho melhor para esse segundo mandato do que a busca por manter bons relacionamentos com o capital financeiro e com os Estados Unidos.
*Tatiana Berringer é Doutora em Ciência Política pela Unicamp e integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais