A esquerda e a China: Gianni Cadoppi responde à avaliação de Luciano Canfora
Eu não iria jogar a culpa em Luciano Canfora pelo que ele escreveu sobre a China. Embora esteja disposto a pensar no todo, não só pela direita, como também pela esquerda. Obviamente não me sinto no direito de condenar Cânfora ou lamentar por Colloti Pischel ter chamado de “fascista” o governo chinês que reprimiu a primeira revolução colorida no Tiananmen em 1989. Todo mundo pensava assim. Seguiu-se então que Colotti Pischel foi amplamente resgatado ao ponto que Cânfora escreveu o esplêndido ensaio “Democracia. História de uma ideologia”. É preciso ir muito mais longe para compreender a percepção de que a esquerda tem tido da China. Já na década de 50, para alguns, (por exemplo, Edoarda Masi) Mao era considerado anti-Stalin apesar de saber muito bem que ele defendeu ainda assim o trabalho contra Kruschev, aplicando até 1959 uma variante da economia planificada equivalente a soviética na qual estava sendo implementada em democracias populares. Mao havia se tornado um apóstolo do pauperismo, não obstante o enaltecimento do grande salto queria alcançar a prosperidade da Grã-Bretanha em 10 anos, promovendo a Revolução Cultural também para promover a produção. Assim tornou-se o teórico do anarco-populismo jovem, apesar de ter chamado o exército para acabar com a guerra civil que eclodiu entre as camadas extremas dos Guardas Vermelhos. Com a morte de Mao e o início da reforma, Deng torna-se a personificação do mal, porque ele teria concedido (em usufruto por um tempo limitado) um quintal a agricultores transformando-os em capitalistas gananciosos. Assim, logo em seguida, acusam os líderes chineses de serem ferozes predadores porque eles retomaram a propriedade comum da terra (para usá-la no e pelo desenvolvimento e, portanto, para o bem comum), dando em troca de uma taxa algumas dezenas de anos de renda do trabalho. Com o novo século, temos assistido a era do sansonettismo em que os países socialistas se tornaram o inimigo declarado da esquerda. Qualquer mudança de regime foi bem-vinda, desde que se posicionassem contra os países anti-imperialistas. Nas informações transmitidas pela esquerda as coisas não foram melhores com a remoção dos horrores de Sansonetti. O Manifesto tem muitas vezes hospedado artigos contra a Líbia e a Síria de Gaddafi. Não fala sobre a China. O Prêmio Nobel concedido a um apologista do colonialismo tornou-se uma “obscenidade aprovada” além de continuar a descrever o grande país asiático como um vulcão social. As fontes? O Departamento de Estado dos EUA e a CIA que O Manifesto considera mais confiáveis que o governo chinês. Feuerbach revendo um ensaio Moleschott escreveu “O homem é o que ele come.” Bem, o homem é mais e mais o que ele ouve e lê. E o que é a lei, parafraseando Marx, é “a mesma merda”. Depois de Tiananmen, a esquerda e, particularmente, a ala radical lutou para corrigir a posição de liderança na mudança de regime. Ou seja, a esquerda acusou a direita de não prosseguir até o fim, por causa de seus laços econômicos com Pequim, a subversão colorida contra o Partido Comunista Chinês. A antiglobalização tornou-se, como já havia suspeitado Giovanni Arrighi, uma espécie de corporativismo em que a esquerda se opõe ao desenvolvimento dos países pobres, sob o pretexto de que a sua classe trabalhadora seria explorada e marginalizada. O problema é que agora existe uma clara diferença entre uma esquerda que, além da terminologia esotérica revela uma tendência que desarma em simplificações o que é considerado o herdeiro de uma complexa tradição como é o comunismo internacional, cuja experiência histórica é o material necessário para o marxismo vivo. Se tomarmos um guru da esquerda radical do novo milênio como Naomi Klein isso tem muito mais a ver com a contracultura americana do que com o marxismo. A esquerda ocidental pensou poder ensinar sua infantilidade de fazer uma “revolução sem tomar o poder” para aqueles que, na prática, têm levantado 640 milhões de pessoas da pobreza. Sim, porque o sentido do marxismo são pelo menos duas coisas. A primeira é que é considerada uma ciência e, portanto, um resultado de nível pragmático que deve ser levado em conta dado que as “filosofias têm apenas interpretado o mundo de forma diferente quando ao mesmo tempo é preciso transformá-lo”. Na prática, a proposta epistemológica simplificada pode ser reduzida a “fatos e não em recuos”. Na verdade, os comunistas chineses têm produzido vários. A teoria também se torna uma força material quando penetra nas massas. Sim, porque Marx escreveu para a maioria, enquanto os grupos da esquerda radical ocidental se ativeram apenas a causas minoritárias. Mas a pergunta que todos devemos fazer a esquerda é: se o Partido Comunista chinês goza de uma popularidade acima de 90% e a esquerda radical ocidental goza mais ou menos de tamanha impopularidade, é este último que quer ensinar a primeira classe? Eis o diagnóstico de delírio de uma onipotência!
Em vez disso a análise oportuna que faz Losurdo em “A esquerda ausente” é a continuação direta da “luta de classes”: o principal aspecto da luta de classes no mundo é constituído pelo surgimento de nações que procuram libertar-se da pobreza e insignificância a qual pretendia o imperialismo. Nesta luta, a China desempenha um papel de vanguarda. A tarefa dos comunistas é situar dentro dessa luta a formação de um bloco histórico de todas as classes que se opõem aos interesses imperiais pela dignidade nacional e pela democracia econômica.
Tradução de João Victor Moré Ramos
(Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina)