Na primeira reunião ministerial do segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff defendeu as medidas de ajuste fiscal feitas pela equipe econômica comandada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e ressaltou que a política em curso é necessária para “manter o rumo, ampliar as oportunidades, preservando as prioridades sociais e econômicas do governo que iniciamos 12 anos atrás”.

Em um discurso cauteloso, em que procurou atender tanto o PT e os movimentos sociais quanto as demandas do mercado, a presidente disse que as restrições ao acesso a benefícios previdenciários e trabalhistas não tiveram cunho fiscal, mas sim “caráter corretivo” e estrutural. Teriam que ser tomadas em quaisquer circunstâncias para adequa-las às condições socioeconômicas do país hoje.

A presidente comprometeu-se, ainda, em ampliar as concessões para novas áreas, como hidrovias e dragagens, e restringiu o raio de ação da política industrial: “O foco da política industrial será o aumento da pauta e dos destinos de exportações”. Anunciou, para isso, um Plano Nacional de Exportação e um programa de simplificação e desburocratização, que o ministro Afif Domingos, na sequência da reunião, prometeu implementar ao longo deste semestre.

Enfatizou, também, a manutenção o regime de partilha para a exploração do pré-sal e considerou bem sucedida a política de conteúdo nacional.

No pronunciamento que abriu a reunião, na presença de todos os 39 ministros e transmitido pela EBC, rede oficial de televisão, Dilma abordou as denúncias de corrupção na Petrobras, e deixou uma mensagem importante: a punição deve atingir as pessoas e não as empresas, sejam públicas, sejam privadas.

“Temos que apurar com rigor tudo de errado que foi feito. Temos, principalmente, de criar mecanismos que evitem que fatos como estes possam voltar a ocorrer”, disse a presidente. “O saudável empenho de justiça deve também nos permitir reconhecer que a Petrobras é a empresa mais estratégica para o Brasil e a que mais contrata e investe no país”. Segundo Dilma Rousseff, é necessário saber “apurar e saber punir, sem enfraquecer a Petrobras, nem diminuir a sua importância para o presente e para o futuro”.

Encerrado o pronunciamento da presidente, a reunião prosseguiu a portas fechadas. Poucos falaram porque Dilma fixou um limite de horário, às 20h30.

Levy foi o primeiro a expor as bases da política econômica. Nelson Barbosa, do Planejamento, falou logo depois, seguido de Cid Gomes, da Educação, Arthur Chioro, da Saúde, Tereza Campello, do Desenvolvimento Social, e José Eduardo Cardozo, da Justiça.

Já no limite do tempo os ministros da área de infraestrutura expuseram a preocupação com o licenciamento ambiental. E, nesse aspecto, ficou claro que é imperativo definir legalmente o que é obra nacional para que não fiquem sujeitas às diversas instâncias de poder.

No discurso, a presidente destacou que a meta de superávit primário de 1,2% do PIB “representa um grande esforço fiscal, mas um esforço que a economia pode suportar sem comprometer a recuperação do crescimento e do emprego”.

“Estamos diante da necessidade de promover um reequilíbrio fiscal para recuperar o crescimento da economia”

O governo reduziu o resultado primário nos últimos anos “para combater os efeitos adversos e proteger população” dos choques externos e internos, representados pelo baixo crescimento mundial e por problemas climáticos no país, segundo argumentou. Os preços das commodities despencaram e “temos uma apreciação significativa do dólar”, ressaltou.

No plano interno, continuou, “enfrentamos, em anos sucessivos, um choque no preço dos alimentos, devido ao pior regime de chuvas de que se tem registro histórico no Brasil. Essa seca também teve, mais recentemente, impactos no preço da energia em todo o Brasil e na oferta de água em algumas regiões e de forma muito específica na Região Sudeste”.

Diante destes eventos, justificou, o governo teve que agir. “Nós absorvemos a maior parte das mudanças no cenário econômico e climático em nossas contas fiscais para preservar o emprego e a renda”. E completou: “Agora, atingimos um limite para isso. Estamos diante da necessidade de promover um reequilíbrio fiscal para recuperar o crescimento da economia o mais rápido possível, criando condições para a queda da inflação e da taxa de juros no médio prazo e garantindo, assim, a continuidade da geração de emprego e da renda”.

Além das medidas corretivas – “Vamos adequar o seguro-desemprego, o abono-salarial, a pensão por morte e o auxílio-doença às novas condições socioeconômicas do país” – ela citou o conjunto de medidas de natureza eminentemente fiscal, indispensáveis para a saúde financeira do Estado, como o corte antecipado das verbas dos ministérios até que o Congresso aprove o Orçamento. E um terceiro foco, que é o aumento das receitas. “Adotamos correções nas alíquotas da Cide sobre combustível e do IOF sobre o crédito pessoal. Também propusemos uma correção do PIS/Cofins sobre bens importados e do IPI sobre cosméticos”.

Aos ministros, ela sintetizou o por quê dessas providências: “A razão de ser da gestão responsável e consistente da política econômica é estimular o crescimento e dar meios para a execução de políticas que melhorem o bem-estar da população. Esta é a razão de ser das políticas”.

Dilma conferiu, assim, apoiou a política econômica de Levy e defendeu as medidas de ajuste já tomadas, inclusive as mais combatidas pelas centrais sindicais, como as exigências para o acesso ao seguro desemprego. Não citou nomes. Afirmou e reafirmou que são medidas essenciais para a manutenção das conquistas sociais. Os cortes precisam ser feitos para “dar sequência ao projeto político iniciado em 2003”, ou, reiterou, as medidas fiscais “vão consolidar e ampliar o projeto vitorioso na urna”.

O discurso manteve coerência com o que a presidente vem dizendo desde a posse, e foi acrescido de uma novidade: os ministros foram conclamados a sair em defesa do governo, inclusive do ajuste.

“Devemos enfrentar o desconhecimento e a desinformação sempre e permanentemente”, disse. “Reajam aos boatos”, apelou. “Levem a posição do governo à opinião pública”, pediu. “Não podemos permitir que a falsa versão se alastre”.

E exemplificou: “Quando dizem que vamos acabar com as conquistas históricas dos trabalhadores, respondam em alto e bom som: ‘Não é verdade! Os direitos trabalhistas são intocáveis e não será o nosso governo, um governo dos trabalhadores, que irá revogá-los'”.

Dilma citou, ainda, um outro tema que deve ser confrontado pelos ministros: “Quando for mencionada a crise da água, lembrem-se que desde o início desta que é a maior estiagem das últimas décadas, o governo federal apoiou, está apoiando e continuará apoiando, de todas as formas, inclusive com vultosos investimentos, com investimentos elevados, as demandas dos governos estaduais, responsáveis constitucionalmente pelo abastecimento de água.”

“As mudanças que o país precisa para os próximos quatro anos dependem da estabilidade e da credibilidade da economia”

Segundo disse, há investimentos de R$ 34 bilhões que, além da Integração do São Francisco, inclui a perenização de 1 mil km de rios, novos sistemas de adutoras, açudes e obras que vão assegurar a segurança hídrica na região. “Em São Paulo, estamos autorizando, e já tínhamos autorizado, a partir das solicitações do governador, as grandes obras para ampliar a oferta de água e vamos fortalecer ainda mais nosso apoio a São Paulo”. Ao mesmo tempo, disse a presidente, “nós estamos tomando todas as ações cabíveis para garantir o suprimento de energia elétrica”.

Uma das principais queixas dos ministros, no primeiro mandato de Dilma, eram cobranças feitas por declarações à imprensa que não haviam sido combinadas previamente com ela. Esse sempre foi um motivo de grande mal estar no governo. No atual mandato, Nelson Barbosa (Planejamento) e Levy já tiveram que experimentar do constrangimento e voltar atrás em declarações que não agradaram ao Palácio do Planalto.

Por dirigir-se a vários públicos, às vezes a fala de Dilma parece ambígua e defensiva.

“Em relação à inflação eu quero lembrar que em nenhum momento no meu primeiro mandato nós descuidamos de seu controle e, por isso, ela foi mantida sempre no limite do regime de metas”. O Banco Central, prosseguiu a presidente, vem adotando as medidas necessárias para reduzir ainda mais a inflação. O BC já anunciou que levará a inflação para 4,5% em 2016. Dilma não citou esse objetivo como uma meta do seu novo governo.

“Estamos construindo medidas para aumentar o investimento e aumentar competitividade da economia”, afirmou, relacionando algumas iniciativas em andamento, como o aperfeiçoamento do Supersimples e a reforma do PIS-Cofins “para simplificar o aproveitamento de crédito tributário”.

Citando o discurso que fez na cerimônia de posse, a presidente afirmou ainda que “as mudanças que o país espera, que o país precisa para os próximos quatro anos dependem muito da estabilidade e da credibilidade da economia. Nós precisamos garantir a solidez dos nossos indicadores econômicos”.

No campo da política, a presidente voltou a insistir na necessidade da reforma para instituir novas formas de financiamento de campanha e definir novas regras para a escolha dos representantes. O governo, no entanto, não deve tomar a iniciativa de propor uma nova legislação. Segundo Dilma, essa é uma tarefa que cabe ao Congresso, na qual acha que todos devem se empenhar. A presidente também sugeriu mais diálogo de seus ministros com os congressistas.

Ao final da reunião o vice-presidente Michel Temer pediu a palavra para lembrar que o país, neste momento, vive seu mais longo período de democracia estável, sem interrupções, após 30 anos. Segundo Temer não há crise política, não há crise econômica. “O quem tem é embate político”, afirmou.

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Fonte: Valor Econômico