Paralisia econômica e perda de capacidade de consumo
O economista da Unicamp, Waldir Quadros, resumiu sua apresentação à apresentação de umas poucas planilhas de dados extraídos da PNAD/IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), que causam impacto pela contundência que apontam. (CLIQUE AQUI PARA CONHECER AS PLANILHAS) As planilhas surpreendem por mostrar nuances ignoradas pelo marketing eleitoral, centrado no aumento em larga escala, num período mais amplo, dos setores que saíram da pobreza para a classe média baixa. Em sua palestre no sábado (31), logo cedo, Quadros enfatiza que não está falando em classes sociais, mas em padrões de consumo.
Após explicar os critérios e características da elaboração de suas planilhas, ele observa que, de 2012 para cá, a estagnação econômica do Brasil tem causado a redução dos setores médios da sociedade, e aumentado a miséria (aumento de cerca de um milhão e meio de pessoas), apesar dos programas feitos para proteger essa população. Ou seja, um pente fino feito num período menor e mais recente revela uma perda de poder aquisitivo em setores que têm forte influência sobre a opinião pública, com impacto particular no Estado de São Paulo.
“Imagina o senso de humor eleitoral de quem acabou de ascender no seu poder de consumo e é obrigado a cancelar a escola particular do filho e o plano de saúde da família, por exemplo?” diz o economista, referindo-se a famílias com renda em torno de dez salários mínimos, tais como auxiliares de escritório, balconistas, comerciários e professores de ensino primário. “São pessoas que escaparam da pobreza, mas têm uma vida difícil, em que tudo pesa no orçamento”, explica.
Para Quadros, o clima de golpismo que permeou a eleição já foi tentado em outros momentos, mas não se disseminava na opinião pública. “Por que agora pegou e antes não pegava?” questiona ele, referindo-se aos dados captados por sua pesquisa. Para ele, fazer um ajuste recessivo em torno dessa realidade de descenso vai gerar uma piora na qualidade de vida, desemprego e dívidas sem pagar.
“Quem chegou na baixa classe média quer continuar subindo. Só de ficar na baixa classe média, ele já fica nervoso. Como o grosso da população vai ficar na baixa classe média, é preciso melhorar os serviços públicos como a escola e a saúde”, sugere ele. Mas ele menciona cortes como aquele que atinge o Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior), que deverá gerar redução de vagas, demissão de professores e fechamento de faculdades, por exemplo. “Junto com esse cenário, vem a falta de água, que também atinge a econômica de forma drástica”, apontou ele, preocupado.


Para ganhar o debate com setores médios
O fundador do DataPopular, Renato Meirelles, se destaca pela capacidade de mostrar como é vista e como se vê a chamada nova classe média brasileira, ao inovar em pesquisas que adentraram o universo dessa população. Sua análise chama a atenção para o fato de que, embora tenha avançado durante o período de políticas públicas que estimularam esse crescimento, essa população não reconhece em governos a razão de sua ascenção. Ou seja, não houve um trabalho de conscientização política desse brasileiro que ascendeu a partir do Governo Lula, mas acredita que os méritos de sua qualidade de vida são absolutamente individuais. “Diante disso, o governo tem dificuldade de dialogar e valorizar esse mérito, preferindo minimizar esse esforço pessoal do trabalhador que rala o dia inteiro num call center e faz uma faculdade particular à noite, usando serviços públicos precários para isso.”
Meirelles mostra que esse trabalhador é contra programas como o Bolsa Família, por não entender que ele garante a escolaridade de milhões de crianças, elemento altamente valorizado por essa “nova classe média”. Ele mostra que esses brasileiros chamam para si sua ascensão, ao dizer que quem favoreceu sua condição de vida foi o trabalho, seguido de Deus, e outros fatores, deixando o governo “lá embaixo”.
Eleitoralmente, Meirelles observa que, pela primeira vez, a classe C dividiu-se. Os mais velhos defendem Dilma, e os mais jovens querem uma perspectiva diferente. Outro fator que altera o perfil desta eleição é que a elite não se reconhece como tal. “Pessoas com renda de classe A e B e terceira geração na universidade está nesse perfil, mas 39% deles juram que são pobres”, diz
Ele percebe que o avanço da reivindicação de cesta básica para o Plano Nacional de Banda Larga, do eleitor que em vez de ganhar dentadura, ganha Prouni, aponta para a necessidade do Governo continuar qualificando os serviços públicos e programas de apoio a essa classe média.
Para Meirelles, é preciso dialogar com o conceito de meritocracia, que é muito forte para essas pessoas. “Em vez de atacar a meritocracia, é preciso dizer que ela só faz sentido com igualdade de oportunidades”, disse. Esse cidadão, segundo ele, acredita que a criminalidade é motivada pela maldade das pessoas. “Esse individualismo é reforçado pela percepção de que sua vida privada está melhor, graças a seu esforço, mas a vida fora dos seus portões piorou, mostrando que os governos não funcionam”.
Meirelles dialoga com Quadros ao dizer que, a desaceleração da economia, a partir de 2010, causou uma sensação de ter parado de crescer, “como uma carro andando em alta velocidade, que é obrigado a reduzir a 70 km por hora”. “Mesmo assim, Aécio [Neves] perdeu uma eleição em que dois terços dos eleitores queriam mudar o Brasil. Nunca antes, a chapa de situação tinha mudança no nome”, lembrou ele.
Meirelles pergunta o quanto somos competentes para ganhar as pessoas para as ideias que defendemos. “Enquanto tratamos o povo como massa, no nosso castelo de sabedoria, não vamos entender a vida real. A realidade é autoritária.” Embora haja uma resistência na plateia a essa visão economicista do resultado eleitoral, Meirelles insiste que a economia tem um peso grande também. “Como o partido operário avança, quando o setor de serviços é o que mais cresce no país? 72% dos trabalhadores querem ser donos do seu próprio negócio”, diz ele, mostrando que é preciso estar em consonância com as perspectivas dessas pessoas para não perder o debate.


O encrispamento da cena eleitoral
O jornalista Bernardo Joffily destacou a importância da “brecha presidencialista” no avanço das esquerdas na América Latina. Vindo de uma geração que assumiu a luta armada para enfrentar a ditadura, ele destacou que o modo como a esquerda aproveitou o ciclo democrático para eleger presidentes e enfrentar a institucionalidade burguesa nos países mais diversos do continente, criando um cenário inédito no mundo. Ele avaliou que, com tantos recursos, a direita tem acumulado derrotas seguidas e “resultados minguados”.
Joffilly polemiza ao afirmar que há uma tendência conciliatória, “fruta genuinamente brasileira”, que se tornou uma encruzilhada com o encrispamento da cena eleitoral de 2014; clima que, em sua opinião, permanece. “Não é fácil para um candidato chamar duas candidatas mulheres de levianas (Dilma e Luciana Genro), sem saber o peso disso para uma mulher brasileira”, citou ele.
“A conciliação tem sido explorada pelas classes dominantes e não é necessariamente um mal em si mesma. É uma forma de luta, alternativa ao confronto de vida e morte”, diz ele. Citando Rosa Luxemburgo, ele disse que não há mal em fazer reformas, mas em abandonar a perspectiva revolucionária. “Lula é um mestre da luta conciliatória, algo que faz parte do berço sindicalista. O resultado final da greve é sempre um acordo, para o bem ou para o mal.”
Esse cenário de “encrispamento”, na opinião de Joffilly, mostra que “não vamos chegar ao paraíso terrestre da esquerda no poder indefinidamente.” “O lado de lá também aprende, tem estudos avançados, quebra a cabeça, tem gente capaz e trabalhadora e faz o dever de casa”. Apesar dos resultados minguados, em seu “brainstorm” (técnica de geração e ideias), a direita percebe que uma imprensa afinada foi se constituindo como o partido da oposição, organizador e propositor da plataforma conservadora, tornando-se um elemento que colocam como alta prioridade na disputa pela opinião pública. “No Brasil, não conseguimos um cachorro de porte para latir contra essa alcateia de lobos. Basta um cachorro para não haver unanimidade”, diz ele, citando os avanços de regulação midiática em outros países.
O jornalista lembrou o cenário partidário que se esfarelou na maioria desses país, gerando uma recomposição partidária conservadora. Na Venezuela não sobrou nenhum partido de direita, daqueles que haviam antes de Hugo Chávez. “No Brasil, vamos assistir mudanças importantes na composição dos partidos”, diz ele.
Para ele, são as reformas estruturais que têm capacidade de dar um “upgrade” (um acúmulo positivo) na democracia, tais como a reforma política e a regulação dos meios de comunicação. “Mesmo que mexamos nisso, vai ser simplório achar que garantimos esse ciclo de elege/reelege. Falta desenvolvimento econômico”, sentencia.
“Não me impressiono tanto com esse negócio de Joaquim Levy. Quero ver o conjunto da obra. Se este for o preço do crescimento econômico, estou com a Dilma e não abro”, afirmou, citando o novo ministro da Fazenda, que apresentou um pacote de ajuste fiscal, que sinaliza para medidas recessivas, e gera críticas à esquerda.
Joffily defendeu os estatísticos que o antecederam no debate, diante das críticas de que a análise eleitoral estaria muito calcada no economicismo, e numa incompreensão do conceito de classes sociais. “O conceito marxista de classe não se traduz em estatística no território nacional. Os próprios soviéticos tiveram dificuldade em expressar estatisticamente e fizeram isso de forma precária, por muito tempo.”
Ele também criticou as defesas de que não seria o momento mais adequado para uma reforma política num Congresso tão conservador, que pode estrangular partidos como o PcdoB, caso avancem propostas direitistas.  “Este é um raciocínio conservador e pouco corajoso. O Partido Comunista tem que ser o primeiro a embandeirar esta reforma estrutural. Vamos comprar a luta pelo conteúdo da reforma política que queremos”, defendeu.

Ebulição na mídia
O jornalista Altamiro Borges partiu do pressuposto que vivemos uma fase de muita ebulição no governo para a efetivação de uma regulação da mídia visando à democratização das comunicações. O modo como Dilma reagiu ao papel da mídia na eleição de 2014 gerou uma determinação maior do Governo em enfrentar o problema. A indicação de Ricardo Berzoini, um conhecido defensor do tema, para o Ministério das Comunicações seria um indicativo disso.
O Brasil tem uma concentração muito forte da mídia nas mãos de poucas famílias, e avança bem menos que seus vizinhos latino-americanos. Citando o comunicólogo Dênis de Moraes, ele avalia que o Brasil está na vanguarda do atraso em relação à regulação da mídia. Embora tenha artigos constitucionais antigos favoráveis a uma comunicação mais democrática, nunca foram regulamentados.
“O primeiro Governo Lula optou por um pacto como o monopólio da mídia”, lembra ele, citando a biografia do ex-ministro Antonio Palocci, que revela que João Roberto Marinho (proprietário da Rede Globo) revisou a Carta ao Povo Brasileiro, durante a eleição de Lula em 2002. O documento é considerado o elemento que acalmou os mercados num momento de terrorismo eleitoral na campanha.
Borges mencionou os recuos ocorridos nessa área, durante o primeiro mandato, como o enfraquecimento da Ancinave, a rejeição aos Conselhos Regionais de Jornalismo e o perfil monopolista da TV Digital. O segundo mandato por sua vez, é avaliado como tendo dado passos tímidos, mas importantes, ao criar a Empresa Brasil de Comunicação, aprovar o Plano Nacional de Banda Larga, a descentralização de verbas da Secom (reduzindo a verba publicitária para Rede Globo a 49%), a chamada da Conferência Nacional de Comunicação. Dilma, por sua vez, não quis fazer o enfrentamento, sequer apresentando o projeto de regulação sugerido pela Conferência. Ela avaliou que já seria difícil enfrentar os militares com a Comissão Nacional da Verdade.
Apesar da mídia ter sofrido uma “derrota épica” na tentativa de influenciar o resultado eleitoral, Borges acredita que o carimbo da corrupção está marcado na sociedade gerando um clima de ódio fascista. “O eleitor foi ganho na subjetividade contra o PT”. Ele cita episódios que marcam o comportamento da mídia na disputa pela opinião da população, como o enquadramento da Globo sobre seu comentarista Arnaldo Jabor, obrigando-o, do dia para a noite, a elogiar as manifestações de junho de 2013, sinalizando para uma viragem da mídia na tentativa de conduzir o rumo político dos protestos. Durante o processo da Copa do Mundo, também, a mídia “quase conseguiu destruir a autoestima do brasileiro no amor pelo futebol.” “Houve uma pesquisa que revelava que os brasileiros tinham medo de expressar apoio à seleção”, recordou.

Para ele, a capa golpista da revista Veja, às vésperas do pleito, foi a admissão de que a mídia é o partido de oposição. “Em vez de panfleto eleitoral feito em comitê de partidos, se distribui a capa da Veja na boca de urna”, afirmou.
Essa virulência da mídia e da campanha mostrou para Dilma que, ou ela enfrenta o debate, ou não chega sequer a 2018. Ele conta que foi decisão pessoal da presidenta ameaçar a Veja no horário eleitoral. “Não dá pra fazer disputa política na sociedade só no horário eleitoral”, defende.
Existe uma perspectiva da regulação da mídia se restringir a uma regulação econômica. “Já será um bom começo”, defendeu Borges, citando o caso da Argentina ao enfrentar o debate sobre monopólio. Lá, o locaute de agricultores contra o Governo, apoiado pela imprensa e gerando uma grave crise de abastecimento no país, foi o estopim para a regulação da mídia. Cristina Kirshner usou o monopólio do Clarín sobre as transmissões de futebol para ganhar a opinião pública.
Mas ele avalia que a predisposição do governo enfrenta um cenário de denuncismo, economia em crise e a pior correlação de forças na Câmara desde a redemocratização. “A Veja está a três semanas sem anúncio do Governo Federal em suas páginas, por isso está babando”, observa ele. Segundo ele, o Governo Federal gasta cerca de R$ 2 bilhões com anúncios, o que somado aos governos municipais e estaduais, deve chegar a R$ 7 bi. Daí o impacto da “privatização da Veja”.
Na América Latina, a mídia teve papel decisivo nos golpes, assim como para a fase neoliberal que assolou o continente nos anos 1990. “Nosso continente foi um laboratório para o desmonte do estado. Por isso, a vanguarda do continente na regulação da mídia”. Na Europa, leis de regulação foram fruto do apoio da imprensa ao nazifascismo, durante a 2ª Guerra. Borges citou Gramsci, que em sua análise de quando a representação da classe dominante entra em crise, a imprensa assume seu papel.
“Esta é uma discussão difícil quando a mídia tem um papel de entretenimento muito forte para a população. Se o estado não tiver papel indutor, é muito difícil ganhar a opinião pública”, analisou, contando que, na Argentina, a academia teve papel decisivo no debate e elaborou o projeto.
Chavez teve apoio da mídia, devido ao apodrecimento da representação parlamentar de direita. Quando a mídia “blocou” como oposição contra Chávez, posteriormente, ele só “acorda”, após o golpe que sofreu, combatendo o monopólio e incentivando a pluralidade de informação.
Borges conta que o PCdoB já teve nove diários simultâneos e disputava audiência com grandes grupos. Enquanto isso, “o PT não se propôs construir isso, não tem visão de disputa de hegemonia”. Ele cita os exemplos de periódicos importantes em países como México, Argentina, Venezuela, Equador e Bolívia, que disputam ideias contra a mídia corporativa. Outro exemplo relevante foi o Última Hora, jornal financiado por Getúlio Vargas para enfrentar o lacerdismo.
Outro fator interessante, em sua opinião, é que estamos vivendo um momento de questionamento dos jornalistas sobre o papel do seu trabalho, devido à precarização e o caráter partidário do trabalho que sufoca a prática jornalista nos grandes grupos. Isso fortalece um campo de jornalismo crítico.
Para ele, os blogueiros são um campo que cresce e incomoda a direita. “Senão Serra não xingava, Aécio não processaria, Dilma e ministros não ofereceriam entrevistas coletivas e exclusivas”, menciona ele.

“Não dá pra deixar de enfrentar polêmica. Fugir desgasta, como mostrou Marina Silva”, alerta ele, citando o esfarelamento da candidatura da ambientalista, que mudava de opinião ao sabor das pressões. Para ele, a demanda por mudança do eleitor não está sendo equacionada pelo governo. “A questão central é disputar o simbólico: por que não começa cobrando imposto de jatinho?” sugere.

A influência das redes sociais na consciência social

Por meio de estatísticas internas da internet, o sociólogo Sergio Amadeu, analisou como se deu a movimentação nas redes sociais durante as manifestações de junho de 2013, para mostrar como o conteúdo opinativo dos protestos se comportou.

Embora o contexto brasileiro tenha sido incluído na rede de manifestações mundiais conhecidas como primaveras, por serem eventos que não foram chamados por forças tradicionais, nem tinham carro de som, o vínculo com o Movimento Passe Livre aponta para diferenciais. “O MPL é um movimento parecido com organizações de esquerda, surgido no Fórum Social Mundial. Os black bloc, por sua vez, são uma tática de caráter anarquista.”
“A capacidade de mobilização e mudança é alterada pela tecnologia, mas a causa das manifestações não está nesses meios técnicos. Agora, temos que admitir que não dá pra fazer uma manifestação por dia sem internet”, pondera Amadeu. Sem liderança, ele diz que há uma dificuldade de coordenação, mas também a vantagem da polícia não poder dispersar a multidão prendendo seu líder.
Pontuando a movimentação em cada dia, desde a primeira delas, Amadeu mostra que, no dia 17 de junho, ocorreu um fenômeno curioso em eventos do Facebook. Embora as confirmações de presença virtuais costumem ser maiores do que a presença efetiva das pessoas nas manifestações, naquela, ocorrida no Largo da Batata, em São Paulo, a presença real foi maior que as confirmações no Facebook. A esquerda, que se mantinha afastada das primeiras manifestações, se solidarizou com o movimento após a brutal repressão policial.
O MPL começa sendo a “autoridade” maior das manifestações no início, conforme revelam os compartilhamentos de suas postagens, mas logo perde para páginas de direita como Anonnymous e Movimento Contra a Corrupção. No dia 20 de junho, na passeata da Av. Paulista que culminou com violência contra manifestações de esquerda, não havia nenhuma alternativa de compartilhamento na rede fora das páginas de direita. Foi possível observar inclusive o fenômeno de perfis esquerdistas e progressistas compartilhando páginas como TV Revolta, sem saber que era reacionária. “A TV Revolta teve muito investimento para acumular 3,5 milhões de curtidas”, disse Amadeu, mostrando como se dá o crescimento espontâneo de algumas páginas, como a de Marina Silva, e o crescimento anormal de páginas desconhecidas como a TV Revolta. Para alcançar esse patamar, teria que haver investimento pesado em publicidade do Facebook. “O Facebook retomou a verticalização ou a hierarquia da mídia na internet, ao favorecer quem investe pesado em divulgação”.
“Em junho, disputamos com a direita e ela se articulou melhor”, avalia ele. Para ele, naquele momento, assim como na eleição, a disputa pela opinião se deu por meio de uma guerra simbólica de memes, essas imagens que sintetizam ideias e são mimetizadas por toda a rede.  “Se Marina ascendeu nas redes com facilidade, foram as mesmas redes que derrubaram ela. Foi o efeito Malafaia”, ironizou ele, citando o caso da pressão exercida por um pastor evangélico no Twitter, que levou Marina a mudar seu programa de governo para a população LGBT.
Amadeu observa que a esquerda não tem feito disputa simbólica, pois só trabalha com senso comum, que é conservador. “O marqueteiro diz o que o povo pensa e a campanha trabalha com essa informação que mata a esquerda”.
Amadeu lembra que os CPC (Centros Populares de Cultura) da UNE eram o que havia de melhor na disputa simbólica, nos anos 1960. “A Globo contratou comunistas para sua produção de televisão, porque eram os melhores profissionais”, diz ele. A disputa do senso comum, segundo ele, se faz pela cultura.

A subjetividade da concorrência, da irracionalidade e da mudança
A professora Madalena Guasco Peixoto encerrou o debate da tarde com uma imersão na teoria, ao resgatar em autores marxistas a discussão sobre a contradição entre subjetividade e objetividade. Ao propor este tema pouco comum entre autores conhecidos por sua abordagem econômica dos fenômenos, a doutora em Educação da PUC-SP atualiza a reflexão sobre a formação da consciência política na sociedade capitalista, em tempos de dominação tecnológica de novas mídias.
A primeira marca da subjetivação do capitalismo é a naturalização da competição entre os indivíduos, conforme observam vários autores. A crise do capitalismo que atingiu o mundo desenvolvido, no entanto, também constrói uma subjetividade que interfere no modo como o proletariado vai reagir a mais esta crise civilizacional.
Embora seja um tema presente nos autores marxistas, desde o início, os reducionismos sobre objetividade e subjetividade prejudicaram um desenvolvimento avançado do tema. A Escola de Frankfurt criticou a tendência teórica de não considerar a importância do indivíduo e sua subjetividade na história.
A classe dominante universaliza suas ideias, mas Madalena enfatiza a necessidade de compreender como se faz isso por meio da mídia, das redes sociais, etc. “Uma ideia se transforma em comportamento, que universaliza as ideias.”
A educadora afirma que, desde os primórdios do liberalismo, a meritocracia impregna essa ideologia, a partir do pressuposto de que o indivíduo só vive em sociedade para exercer seu egoísmo. “Para o liberalismo, uma sociedade sem concorrência é absolutamente antinatural”, diz ela, complementando que os indivíduos devem ser premiados de forma diferente, conforme sua conduta.
Dentro dessa lógica, o liberalismo é contra os serviços públicos universais como a escola, pois oferece as mesmas oportunidades para todos. Um exemplo que evidencia a injustiça da meritocracia, se revela no modo como o Governo de São Paulo premia o professor que mora e trabalha em “bairro bom” da cidade, por ter um aproveitamento melhor de seus alunos (Ideb), enquanto o professor que se desloca a um bairro extremo e pobre da periferia, com toda a precariedade de suas condições fica abandonado pela Secretaria de Educação, por não obter resultados similares ao premiado.
Madalena conclui que o individuo é a forma de subjetivação no capitalismo, pois vende sua força de trabalho “individualmente” para se tornar consumidor. Ou seja, o homem se objetiva através do trabalho, no entanto, no capitalismo, como já demonstrou Karl Marx, o homem se aliena da força de seu trabalho, por não se reconhecer naquilo que ele próprio produz como riqueza. “O capitalismo tem como essencial sustentar a alienação como princípio de subjetivação do indivíduo”, salienta.
“A consciência nos constitui como indivíduo e como ser social e está na gênese de toda subjetividade individual”, diz ela, descrevendo o movimento dialético da consciência como algo que está inscrito no corpo do indivíduo, da mesma forma que só é consciência no contato com a sociedade.
A disputa pela hegemonia de consciência se dá a cada minuto, garante Madalena, referindo-se às contradições capitalistas que favorecem o debate humanista com a opinião pública. “Senão a gente volta pra casa. As classes dominantes capturam as consciências, mas nós também”.
Madalena afirma que tivemos uma crise do socialismo, “mas não a crise da subjetividade do socialismo.” É a subjetividade socialista que coloca todos os dias o capitalismo em cheque e produz um enorme movimento de contestação capitalista.
Após 1917, de acordo com ela, passa a existir essa consciência subjetiva da mudança social como um legado da revolução socialista. Foi assim, que o capitalismo reagiu com a instauração das políticas de “estado de bem estar social” com forte intervenção do estado na economia.
A satisfação dos indivíduos continua importante, mas eles devem ser dirigidos em relação aos desejos que terão. “O capitalismo decide o que o indivíduo tem que consumir”, afirma Madalena, referindo-se ao modo como a sociedade precisa consumir mais do que necessita para viver, para garantir o excedente do capital.
Por outro lado, o capitalismo criou subjetividades que possibilitam a resistência ao neoliberalismo, na medida em que o trabalho e seus benefícios são direitos fundamentais consolidados após as guerras. O neoliberalismo, por sua vez, estabelece uma subjetividade calcada na irracionalidade. Madalena mostra a evolução do racionalismo nas diversas teorias modernas, culminando na ruptura pós-moderna, em que “não se conhecem mais as coisas, pois só existem jogos de linguagem”, e não noções de verdade e de objetividade. “É como se todo o conhecimento produzido não tivesse existido”, diz ela, mencionando que o pós-modernismo transforma as grandes teorias, como o marxismo, em “narrativas falidas”.
Até mesmo o multiculturalismo, – estudos progressistas e avançados que lutam contra a desigualdade racial (e de gênero) -, foram apropriados pelo liberalismo norte-americano. É difícil perceber como a ideologia liberal impregna o pensamento multicultural, contaminando-o. “Ele se apropria de bandeiras avançadas, mas as devolve como aquilo que eles chamam de gestão democrática das escolas, identidade afro e hispano-americana, que mantém a discriminação sobre o ‘outro’, ou busca afirmar um inserção dos discriminados pelo mercado de consumo”.
“Segundo esse pós-modernismo, o mundo não está mais em transformação, pois vivemos um capitalismo perpétuo, que deixa o indivíduo a sua própria sorte, sem sequer garantia de trabalho, já que as novas tecnologias do capital dispensam a mão de obra do trabalhador”, descreve ela. Até mesmo os direitos conquistados são transferidos para o campo do consumo. Saúde, educação, férias, aposentadoria, tudo pode ser comprado. O que não é dito é o tamanho da massa populacional que não tem a menor condição de “consumir” esses direitos.
“No neoliberalismo, parecemos liberais porque temos que defender a cidadania”, ironiza ela, sobre o retrocesso que coloca os setores progressistas e revolucionários numa defensiva desesperada de tentar salvar conquistas mínimas e ultrapassadas. Neste quadro, o agravamento das desigualdade faz avançar ideias fascistas conservadoras e discriminadoras. Por outro lado, uma sociedade desigual causa contradições que provocam a luta social que o capitalismo sempre buscou esconder por meio da alienação.
As novas tecnologias também trazem novas subjetividades, ao sugerir valores individuais como liberdade de expressão e protagonismo coletivo. “A burguesia faz uma imagem de si mesma e do mundo, e faz isso cotidianamente para garantir uma aculturação da classe trabalhadora. Faz aculturação e precisa saber se deu certo, mas como tem a contradição, não vai saber, por isso faz aculturação o tempo todo”, diz ela, mostrando que nesse movimento, há a disputa pelas consciências.