Sérgio Barroso: Lênin para a contemporaneidade
SÉRGIO BARROSO: LÊNIN PARA A CONTEMPORANEIDADEPUBLICADO EM 04.02.2015
A Fundação Maurício Grabois está implementando uma ideia que surgiu nos debates da Escola Nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) sobre a crise do capitalismo: a criação da Sociedade dos Amigos de Lênin (SAL). O lançamento foi na sexta-feira (6 de junho de 2014), às 14h, na sede do Comitê Central, em São Paulo.
Vinculada à diretoria de Estudos e Pesquisa da Fundação Maurício Grabois, a SAL surge para estimular a reflexão, a divulgação e o estudo do pensamento Vladmir Lênin, em especial nos campos da economia política, da filosofia, da cultura, do Estado, da ciência política, da experiência de transição à construção do socialismo e seus desenvolvimentos na contemporaneidade.
A SAL busca ser um instrumento para se enfrentar os dilemas da luta de classes do nosso tempo tendo como base o pensamento de Lênin, enriquecido pela prática e contribuições de outros pensadores marxistas. Em entrevista ao Portal da Fundação, Sérgio Barroso (foto abaixo), diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação Maurício Grabois comenta a ideia da Sociedade e os passos que levarão à sua constituição.
Como surgiu a ideia de fundar a Sociedade dos Amigos de Lênin?
A ideia tem mais ou menos um ano. Surgiu nos debates da Fundação Maurício Grabois e em cursos da Escola Nacional do PCdoB sobre o capitalismo imperialista da nossa época, tendo por base a definição de Lênin no livro O Imperialismo, fase superior do capitalismo, o que ele já então assinalara como a predominância do capital financeiro; assim como o imperialismo como reação em toda linha e promotor da tendência à guerra. Tanto a predominância se acirrou muito, como, mesmo depois de duas guerras mundiais, se expandiram as tentativas de recolonização. Especialmente a invasão do Afeganistão em 2001 pelos Estados Unidos, a ocupação do Iraque em 2003, bem como essas últimas tentativas de guerra pelo imperialismo, em particular o americano, mostrando mais do nunca a sua faceta agressiva, belicista.
Por outro lado, existe a crise atual do capitalismo, que tem o componente da finança como fundamento decisivo, que começou em 2007. Foi a partir dessas discussões que apareceu a ideia da necessidade de criar a Sociedade dos Amigos de Lênin. Concretamente, um programa de estudos e atualização abrange a economia política e o imperialismo, a filosofia — o desenvolvimento do materialismo dialético, para o qual o próprio Lênin deu uma grande contribuição na sua época —, a parte de ciência política e Estado, o debate sobre categorias da transição ao socialismo na experiência de construção do socialismo, o capitalismo de Estado por um determinado período etc. Ou seja: os elementos que compuseram a época de Lênin, o desenvolvimento dessa teoria, formariam, digamos assim, um ponto de partida para pesquisas em torno da atualidade e permanência desses temas.
Como a Sociedade dos Amigos de Lênin funcionaria concretamente?
A obra de Lênin, sua teoria e o olhar sobre o desenvolvimento dela, temos consciência disso, são muito vastos. Temos muita consciência disso. As traduções das obras completas de Lênin, em várias línguas, passam de 50 volumes. Por exemplo: a tradução da editora espanhola Akal, muito renomada, tem 57 volumes. Muito preciosa e detalhada. Estou comentando isso para dizer que muita coisa da obra de Lênin não se conhece ou pouco se tem conhecimento.
Muitos aspectos do seu pensamento são pouco conhecidos, notadamente pelas novas gerações de lutadores sociais. Somente pesquisadores honestos, intelectuais vinculados ao movimento comunista, tiveram a oportunidade de se debruçar sobre ela com muito detalhe e por um longo período. Por exemplo: o professor Moniz bandeira, pesquisador e historiador brasileiro de primeira linha, seguramente é dos pioneiros a difundir a biografia de Lênin no Brasil. Ele diz, logo na abertura do seu livro Lênin. Vida e obra (Paz e Terra, 1978): “[Lênin] Escreveu, em trinta anos, cerca de dez milhões de palavras, cada uma intimamente vinculada ao processo da maior revolução social da história.” Também Florestan Fernandes introduziu uma coletânea de artigos de Lênin (1979). Os comunistas Joao Amazonas e Maurício Grabois de lhe renderam homenagem, em A atualidade do pensamento de Lenin (1971).
Já o filósofo francês Lucien Sève, que deve ter próximo de 90 anos, um grande estudioso de Lênin, disse que passou 50 anos da vida estudando sua obra. Em outro ângulo, pouco se conhece um artigo de Lênin, publicado no jornal Pravda em 1921, denominado “Para o 4º aniversário da Revolução de Outubro”, em que ele fala do imperialismo após a publicação do seu clássico sobre o tema. Lênin diz no artigo da inevitabilidade de o imperialismo provocar guerras.
Ele escreveu isso em 1921, logo após a Primeira Guerra Mundial, e mais à frente, em 1939, iniciava-se a Segunda Guerra Mundial. Lênin estava convicto do aguçamento das contradições inter-imperialistas, de que elas prosseguiriam. É um texto pouquíssimo conhecido, debatido sobre esse ângulo, esse aspecto. Por isso, a SAL terá como objetivo também a divulgação de aspectos do pensamento de Lênin, de textos da sua obra, no sentido de difundir o pensamento dele.
Há um ponto inicial para tratar de temas tão vastos?
O nosso objetivo é claramente modesto, porém luminoso. Porque não se trata apenas de homenagear o nome desse grande pensador revolucionário e primeiro estadista do socialismo do planeta. Trata-se, essa é uma preocupação nossa, de constituirmos um núcleo de pesquisas e, a partir disso, promover de debates, conferências, elaborações de textos, novas contribuições em torno da obra do Lênin, nacionais e internacionais.
E fundamentalmente fazer reflexões sobre a incidência em aspectos contemporâneos dessa teoria. Por exemplo: o problema da dominação imperialista na América Latina hoje, vis à vis a nova experiência de construção de governos progressistas. Sabemos, a exemplo, que a tentativa de desestabilização da Venezuela é um traço muito marcante na história recente do continente latino-americano. E essa desestabilização, via golpe de Estado, tem um endereço certo: o imperialismo norte-americano. Esses problemas estratégicos, particularmente no nosso continente, tem muita relevância para o direcionamento e consciência das lutas de hoje.
A Fundação Maurício Grabois promoveu recentemente uma atividade com esse conteúdo, não foi?
Exatamente. Consideramos um marco a vinda aqui no Brasil do professor português José Barata Moura, um filósofo e grande marxista contemporâneo, a convite da Fundação Maurício Grabois, em 2010. Ele esteve conosco e fez uma exposição sobre Lênin e a filosofia, seus ensinamentos para hoje. Isso resultou em um livro, editado pela Editora Avante, em 2010 (Sobre Lenine e a filosofia. A reivindicação de uma ontologia materialista com projecto), muito valioso porque analisa as contribuições de Lênin sobre a filosofia, indicando os desdobramentos na luta de ideias do nosso tempo, reflexões, enfim um balanço sobre o desenvolvimento do seu pensamento filosófico.
Isso foi mais um componente que nos ajudou a refletir sobre a necessidade de que a Fundação Maurício Grabois disponha desse novo instrumental, elaborando iniciativas sobre o pensamento de Lênin. Queremos intensificar a reflexão, a contribuição no sentido de procurar identificar as principais questões correspondentes ao desenvolvimento do pensamento marxista a partir de uma visão leninista contemporânea, com o objetivo de apontar as linhas das posições revolucionárias transformadoras no século XXI; que elas sejam avivadas, sejam colocadas em discussão, noticiadas, difundidas para reflexão e atividade política-ideológica.
Quais serão os próximos passos para a criação da Sociedade dos Amigos de Lênin?
Vamos divulgar um Manifesto tratando dos objetivos e do esboço programático, e constituiremos uma coordenação de professores e estudiosos do marxismo, de ativistas políticos que deem o pontapé inicial desse processo de atividades da Sociedade dos Amigos de Lênin. É uma nova área da Fundação, de pesquisa, reflexão em torno das contribuições sobre o desenvolvimento do pensamento de Lênin. Não tem orientação pré-fixada, nada disso. Será um espaço fundamentalmente de reflexão e de pesquisa sobre a obra do Lênin. Além da coordenação e do Manifesto, vamos ter um espaço de divulgação no Portal Grabois. A ideia é criar uma página específica para a Sociedade.
Qual o alcance pretendido para a Sociedade dos Amigos de Lênin?
Estamos pensando como as pessoas poderão se associar, se vincular, quais serão os mecanismos de algum compromisso dos interessados. Vamos ter muita flexibilidade em relação a isso. Todas as pessoas que têm interesse em conhecer, elaborar ou difundir questões acerca da obra de Lênin certamente vão procurar a Sociedade, vão procurar se inteirar sobre como podem contribuir etc. Não precisa, evidentemente, ser especialista na obra de Lênin. Basta ter interesse em conhecê-la e difundi-la.
Queria agregar que entre os temas propostos teremos também a cultura. Lênin foi um grande interessado, um grande estudioso dos problemas da cultura da nova sociedade. Existem entre nós companheiros que estão pesquisando, debatendo isso. É um tema também disperso nas obras de Lênin. Sabe-se pouco que esse tema teve um grande apelo para Lênin. A nova cultura socialista, a cultura soviética, as suas bases, desenvolvimento etc.