Os desafios políticos e econômicos do segundo mandato de Dilma Rousseff
Limites e possibilidades
Um cenário adverso à continuação do ciclo de desenvolvimento saiu das urnas. O governo Dilma, nesse início de mandato, se depara com os primeiros reflexos da eleição de uma composição congressual de caráter mais conservador e de visão atrasada de país.
O conservador Eduardo Cunha foi alçado à presidência da câmara federal. Trata-se da materialização da ameaça sem escaramuças as pautas sociais, bem como o trampolim de ataque a posições do governo ou, ainda, à produção de crises institucionais visando paralisar o Brasil. É uma engrenagem posta em funcionamento e que nos cabe reverter com setores progressistas da sociedade brasileira in toto.
A eleição do novo presidente da câmara põe em relevo o que há de mais atrasado na vida política brasileira, o que produzirá grandes dificuldades na urgência de aprovação de projetos necessários ao desenvolvimento do país. Medida como garantia de passagens a esposas de deputados e aprovação de orçamento impositivo em um momento de contenção de gastos públicos pode produzir atritos de concepção entre o executivo e a nova mesa diretora da câmara, presidida por Cunha.
A conjuntura internacional também é adversa. As exportações caem à medida que o cenário externo também se complica. Se mantém um câmbio flutuante que não favorece nossa economia, é um mantra da loucura. No campo das finanças públicas, o equilíbrio entre receita e despesas busca ser alcançado. O alavancamento da taxa Selic para 12,25% ao ano cria dificuldade para atividade produtiva e ao mesmo tempo é o referencial de rendimento para o capital rentista proprietário de títulos do governo. A conta disso tudo não deve recair sobre os trabalhadores. Essa história já é conhecida.
Em um recente pronunciamento da presidenta, a mesma justifica que seu governo utilizou a exaustão de recurso estatais para garantir o nível de emprego e os programas de distribuição de renda. Isso demonstra que a presidenta está ciente da problemática. O cenário macroeconômico impõe grandes desafios entre fazer ajustes e manter programas sociais e a manutenção do investimento em infraestrutura, em sentido lato.
A luta se trava na economia e na política
A taxa de investimento em relação ao PIB é muito baixa, gira em 17%. Este indicado precisaria ser multiplicado por dois, Para se ter uma ideia de sua importância, a taxa de investimento chinesa é em média 40% do PIB, o que demonstra que estamos patinando ainda nesse quesito. Há outras vozes que apontam no mesmo sentido. Em recente entrevista ao Jornal Valor Econômico (30/01/2015), o sociólogo Glauco Arbix, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI), aponta que é necessário dobrar os investimentos do setor público e privado na área de C, T & I (Ciência, Tecnologia e Inovação) como também na P & D (Pesquisa e Desenvolvimento) para provocar positivamente alterações no PIB. Portanto, fica evidente o ajuste fiscal que tem cortado recurso pastas importantes no executivo se manter distante do MCTI. Trata-se de um ministério estratégico, e caso seja atingido, o prejuízo seria grande para projetos estratégicos em curso e naqueles que poderiam sair do papel. Isto traria imenso impacto na perspectiva de desenvolvimento do país.
As políticas educacionais em curso e as novas propostas de melhoria da qualidade da educação devem ser levadas a cabo. É necessário ter fluxo contínuo de recurso e prioridade política. O lema “pátria educadora” é muito oportuno, uma vez que a proposição que subsidia mobilidade social. O Ministério da Educação (MEC) dispõe de uma nova fonte de financiamento oriundo do petróleo e deve, com esses recursos alavancar o investimento nesse setor na ordem de 10% do PIB em educação como definido no Plano Nacional de Educação (PNE). A proposição de mudança no sistema de partilha pela oposição e a tentativa de colocar sob suspeição na opinião pública a capacidade da Petrobras de investir na exploração do pré-sal e entregar ao monopólio de emersas estrangeiras é uma ação antinacional e uma agressão ao povo brasileiro. Isto afeta recursos já vinculado para a educação.
É nesse bojo que tem que vigorar o pensamento estratégico e a correta leitura conjuntural político-econômico. Deve-se a afastar qualquer medida que vise produzir um ajuste fiscal desmedido que coloque em xeque conquistas sociais e de renda. O apoio do povo é o último bastião de sustentação política. Ao implementar medidas que venha desacelerar depressivamente o crescimento econômico é uma aposta arriscada. Tem que haver uma carta na manga para fazer essa aposta. O custo social é altíssimo. É preciso virar o jogo.
A crise hídrica é outra componente desse processo que tenciona o governo. A falta de planejamento de governos tucanos em São Paulo e Minas coloca na insegurança de abastecimento d’água milhões de brasileiros. A empresa-empresa constrói um cenário em que a culpa de todas as intempéries da natureza e da histórica falta de planejamento de longo prazo recaem sobre os governos Lula e Dilma. É como se o país tivesse 12 anos ao invés de mais de 500. Não há crítica aos governos estaduais dirigidos pela oposição, estes são poupados.
A baixa nos reservatórios já afeta a geração de energia hidroelétrica. A construção das usinas de Belo Monte e Jirau foram muito combatidas pelos pseudoambientalistas e pelo consórcio midiático com direito a atores globais em campanhas contra a segurança energética do país. Atualmente, devido à baixa disponibilidade hídrica, as termoelétricas e as termonucleares funcionam a todo vapor, o que repercute no valor da energia. Isso pressiona os preços controlados e tem impacto na inflação.
Fica claro que temos que diversificar nossa matriz energética ao máximo, o que requer investimento e não poupança. Garantir recursos ao rentismo em detrimento do investimento em infraestrutura é um beco sem saída. A prioridade é o capital para investimento produtivo, este, sim, deve ser remunerado na proporção que contribui para o crescimento econômico e social.
As políticas de austeridade ao modo europeu devem ser rechaçadas a todo custo, não funcionou lá e nem vai funcionar aqui. Além do mais, esta produz desemprego e empobrecimento da população em favor das prioridades rentistas da banca internacional.
Há pressões internas e externas de caráter político. Trata-se de britzkrieg conservadora capitaneada pelo PIG e com que há de mais atrasado na política brasileira. Somado a isso, há interesses geopolíticos inconfessáveis que vem operando, vide o caso da espionagem da presidenta Dilma pela National Security Agency (NSA).
O ajuste na economia mundial é a franja mais aguçada da crise cíclica do capitalismo que vem se arrastando desde 2008, o que rebate na economia nacional. O próprio ministro das finanças da China admite que o arrefecimento da sua economia é parte do rearranjo da economia mundial. Não é demais lembrar que todos esses processos devem ser compreendidos pela ótica marxista de análise da realidade concreta.
A Operação Lava Jato, a partir de seu uso político pela oposição, pode produzir sérios danos a engenharia pesada do Brasil. Trata-se de empresas especializadas na construção de infraestrutura de grande magnitude. É como se inviabilizasse o funcionamento da Boing nos EUA, para citar um exemplo hipotético. No caso brasileiro, há uma tentativa clara de setores conservadores vassalos do imperialismo de inviabilizar a Petrobrás e todo conjunto de importantes empresas nacionais ligadas a ela direta e indiretamente. Esse é o grau da sordidez da disputa política. Isto não quer dizer abonar responsabilidades de executivos envolvidos em corrupção, mas as empresas por eles dirigidas compõe o patrimônio nacional. O vale tudo conservador é lesa-pátria.
Algumas indicações para a luta
O aprendizado que deve ser tirado rapidamente é que se deve melhorar a articulação política do governo no congresso nacional; dialogar com a sua base de sustentação social de maneira constante; garantir direitos dos trabalhadores, manter a distribuição de renda e evitar que a sanha do ajuste fiscal atinja setores sociais. É fundamental internalizar os ensinamentos da compreensão da realidade concreta e traduzi-la em política.
Diante do recrudescimento da ofensiva da direita golpista, é necessário uma reaglutinação de forças consequentes para fazer avançar as pautas sociais. Bandeiras como a regulação econômica da mídia e o financiamento público de campanha podem sucumbir à agenda conservadora se caso não haja pressão popular. O novo presidente da câmara dos deputados tem compromissos com o setor econômicos midiáticos que querem que nada mude, a não ser aquilo que lhes favoreça. A contraofensiva ao conservadorismo tem que ser com a ajuda do povo, com mobilização social.
Os tucanos et caterva mantém o discurso golpista de impedimento da presidenta, vide Ives Gandra. Os arautos do discurso privatista de venda do patrimônio nacional recolocam suas cabeças de fora, vide o comentário do ex-ministro da fazenda Mailson da Nóbrega que sugere a venda da Petrobrás. Ou ainda a declaração de Aloysio Nunes, que sugere modifica o modelo de partilha do petróleo. É necessário combater o discurso dessa gente e construir meios na sociedade para isso.
É de suma importância a rua, a sociedade mobilizada. Só assim é possível pressionar um congresso nacional à aprovação de pautas progressistas, sob pena de amargarmos retrocessos alcançados no novo ciclo de desenvolvimento iniciado pelo país a partir de 2003. O resultado da eleição da câmara dos deputados, em particular, condensa uma grande preocupação relativa a nível da luta que estar por vir.
Robson S. Camara Silva é Doutor em sociologia e mestre em educação pela Universidade de Brasília – UnB, professor da Escola Nacional João Amazonas e militante do PCdoB-DF