No Roda Viva, Piketty discute redução da pobreza e desigualdade de renda no Brasil
Uma pena a postura ostensiva de oposição ao governo brasileiro demonstrada pelos jornalistas do Roda Viva, pelo que desvia e desfoca do debate com o economista francês Thomas Piketty. Percebe-se que o economista fica toureando as afirmações peremptórias dos jornalistas contra Dilma para não perder a sutileza de raciocínio. Por outro lado, afirmações que se confrontam com os dados oficiais, como a redução da pobreza e da desigualdade, ou a total omissão das políticas públicas de governo, como valorização do salário mínimo ou programas de proteção social, induzem o autor de “O Capital no Século XXI” a reflexões desinformadas sobre o Brasil.
Logo de cara, a pergunta tenta forçar uma resposta agressiva contra o Governo Federal ao questionar a confiança do pesquisador nos dados estatísticos brasileiros. Ele abre a sabatina do Roda Viva contando sobre o motivo de não haver inclusão de dados sobre a economia brasileira na obra. Ele explicou que informações fiscais oficiais dos brasileiros são mais seguras para esse tipo de estudo, do que dados domiciliares informados pelas próprias famílias. Piketty acredita que tem conseguido a liberação dessas informações da Secretaria da Fazenda. Segundo ele, seu estudo tem estimulado os países a disponibilizarem esse tipo de informação a pesquisadores.
Apesar do ataque de Augusto Nunes à suposta falta de transparência da Fazenda brasileira, o próprio Vinicius Torres Freire, mais tarde, fala de estudos de economistas brasileiros que estão tendo acesso às informações da Receita Federal, devido à publicação da pesquisa de Piketty. Estes estudos preliminares apontariam para um aumento da desigualdade de renda no Brasil, e não o contrário, como vinham afirmando dados oficiais, como o índice Gini. Piketty diz que colabora com estes estudos da Universidade de Brasilia, que já receberam da Receita dados do imposto de renda dos brasileiros, desde 1963, o que, futuramente, deve incluir o Brasil nos comparativos mundiais do francês.
Com pata de elefante, Ricardo Ferraz tenta elaborar a imagem de um soco no estômago do Governo brasileiro, ao aproveitar dos dados que surgem de que o 1% mais rico é quem tem acumulado o maior crescimento na renda, o que apontaria para um aumento da desigualdade. O próprio Lara Resende, no entanto, questiona se não seria mais importante olhar para o índice Gini, que verifica a redução da desigualdade na base da pirâmide, que é onde impacta mais na sociedade e no mercado, do que focar no enriquecimento maior de uma pequena elite. Com isso, ele interrompe bruscamente o raciocínio politizado do jornalista da TV paulista. Piketty, no entanto, acredita que o movimento desigual da renda entre estas pontas da pirâmide tem impactos macroeconômicos importantes.
Taxação dos ricos
Para Piketty, é essencial estudar e entender a história, visando melhorar a forma como são cobrados impostos e taxações. “Analisando três séculos, a proporção da desigualdade atual é muito grande. Não precisamos dessa desigualdade dos séculos 19 e 20 para crescermos agora. No século 21, devemos nos preocupar com isso”, analisa ele, salientando que algum nível de desigualdade é útil ao avanço capitalista. Segundo ele, devido aos violentos choques ocorridos na primeira metade do século 20, as elites ocidentais aceitaram políticas que reduziram a desigualdade ao ponto do bem estar social, possibilitando uma exuberância capitalista inédita. Ele menciona o caso do Brasil, em que as elites deveriam aceitar um nível menor de desigualdade, pois isso possibilitaria à economia do país crescer.
Piketty também destaca o caráter abstrato do crescimento econômico. Segundo ele, é difícil sustentar um crescimento acima de 5%, a não ser que sejam países com economia num nível muito baixo ou em reconstrução. Para ele, a longo prazo, um crescimento de 1,5%, por exemplo, é mais sustentável e não significa que haverá aumento da desigualdade.
André Lara Resende questiona a força do argumento da taxação dos mais ricos na obra de Piketty. Para ele, governos mais eficientes seriam mais efetivos na redução da desigualdade do que o aumento de impostos para o 1% mais rico. Ele, inclusive, apontou a importância da redução de impostos (e do Estado) para favorecer o crescimento econômico, argumento típico neoliberal. O francês, no entanto, reafirma a importância de impostos progressivos para a percepção da justiça social, assim como menciona exemplos de países ricos e igualitários com alta taxa de tributação, como Suécia e Dinamarca, em contraste com outros países europeus com baixa participação dos impostos no PIB, como Bulgária e Romênia, que continuam pobres e com imensa desigualdade.
Em seu livro, o economista defende a tese de que, em países desenvolvidos, o acúmulo de renda tem sido maior do que as taxas de crescimento econômico. “Na taxação, é importante que as classes mais baixas paguem menos que os ricos, havendo mais transparência no sistema. No Brasil, por exemplo, se uma pessoa receber R$ 100 mil reais de salário, será muito mais taxada do que se ganhar a mesma quantia por meio de herança”, explica. Com isso, ele quer dizer que é mais difícil a ascenção social por meio do trabalho do que pela simples acumulação hereditária de renda, o que desestimula a classe média a acreditar na meritocracia. José Paulo Kupfer fez questão de afirmar que o Brasil tem o pior sistema tributário do planeta, apesar do próprio Piketty ter mostrado que a participação do imposto sobre o PIB, no Brasil, não está entre as mais altas, nem as mais baixas. Mais uma vez, houve a necessidade de driblar a falta de sutileza em favor da precisão e do realismo.
Piketty referiu-se aos países europeus com a taxação progressiva mais radical para exemplificar sua tese. “O aumento de impostos sobre a herança na Alemanha ou na Grã-Bretanha, por exemplo, é perto dos 40% [no Brasil é de 4%]. Com isso, eles têm mais potencial para diminuir a taxação de impostos das pessoas que não têm tanta renda”, explica.
Crise de 2008
A crise econômica que ainda assola o mundo também foi para o centro da roda. Piketty fala em riscos de rupturas (recessão, guerra, revolução) diante de forte aumento da desigualdade como aquele que se configura nos EUA. Segundo ele, como a representação política norte-americana não permite medidas de redução da desigualdade, como aumento do salário mínimo, taxação de ricos ou incentivos à educação pública, há uma dificuldade de reação ao aumento da desigualdade. Por outro lado, em 2008, os países aprenderam com a crise de 1929 a evitar o colapso salvando o sistema financeiro. “Não podemos resolver tudo pelo Banco Central, isso pode criar uma crise nacional ou até internacional, como já vimos”. Para ele, não está claro, a partir desta crise quais seriam as medidas estruturais a tomar. Ele acredita que uma nova crise deve ocorrer, depois dessa, que, aí sim, induza novas normas e, quem sabe, melhore o sistema.
Segundo Piketty, o Brasil tem um papel importante na regulação internacional do sistema financeiro. Ele avalia que não basta que apenas países menores promovam uma regulação bancária para evitar os abusos ocorridos em 2008, como já ocorre em pequenos países europeus. É preciso que grandes nações, como EUA, Rússia, China e Brasil promovam uma cooperação internacional para que se eliminem, por exemplos, os paraísos fiscais. “Precisamos que grandes potências aceitem isso, como Estados Unidos, União Europeia, Brasil. É difícil tomar decisões e fazer essas taxações”, analisa.
O colunista de Veja, Augusto Nunes, induziu o francês a uma dubiedade ao afirmar que a presidenta Dilma declarou “o fim da miséria no país”, quando ela afirmou que programas como Bolsa Família e Brasil Sem Miséria estão chegando perto de suas metas, que é tornar irrelevante o número de pessoas que vivem com menos de US$ 30 mensais. Piketty reafirmou que é inegável o fato do país ter reduzido a pobreza nos últimos 15 anos, mas ignora, por desconhecimento das estatísticas, o fato da desigualdade de renda ter diminuído no país. No entanto, há dados institucionais que revelam, pelo menos, o crescimento inédito da renda dos mais pobres devido a políticas como a valorização do salário mínimo. Uma prova disso foi a consolidação de um mercado de consumo interno relevante, com perfil de classe média.
Na opinião do economista “o nível de desigualdade no Brasil não é necessário para o crescimento do país”. Piketty aproveita a oportunidade para dar sua opinião para melhorar a distribuição de renda no país. “Aumento do salário mínimo, aumento da renda das classes mais baixas, mais investimento na educação e a taxação progressista, além da transparência, são essenciais ao país”, lista.
Participaram da bancada de entrevistadores André Lara Resende, economista; José Paulo Kupfer, jornalista, colunista de economia do jornal O Estado de S.Paulo, articulista do jornal O Globo e comentarista da TV Estadão; Robinson Borges, editor de cultura do jornal Valor Econômico; Ricardo Ferraz, repórter do Jornal da Cultura; e Vinicius Torres Freire, colunista de economia do jornal Folha de S.Paulo. O Roda Viva contou também com a presença fixa do cartunista Paulo Caruso.