Leia abaixo a íntegra da Conferência do filósofo Dermeval Saviani, durante o encerramento do Seminário de Estudos Avançados, ocorrido no dia 1o. de fevereiro de 2015, em São Paulo. Em vídeo, o trecho da Conferência em que Saviani discute o item 5: O terreno das ideologias e a luta de classes.

Foi, sem dúvida, mais do que oportuna a iniciativa de realizar este seminário para discutir a consciência social brasileira à luz da conjuntura decorrente das eleições de 2014. E, obviamente, a tomada de consciência começa pelo conhecimento das características que conformam a nova situação pós-eleições na qual devemos realizar nossas ações. Por isso, após a Conferência de Abertura que abordou o significado a os desafios que essa nova conjuntura impõe à nossa ação, a primeira Mesa dedicou-se a analisar as bases socioeconômicas, cabendo à segunda Mesa o exame das lutas encetadas no campo ideológico pela mídia, redes virtuais e movimentos sociais. Mas, como já havia advertido Engels num texto de 1876, para levar a bom termo o controle das consequências sociais indiretas e mais distantes das ações humanas propiciado pelo conhecimento histórico “é necessário algo mais do que o simples conhecimento. É necessária uma revolução que transforme por completo o modo de produção existente até hoje e, com ele, a ordem social vigente” (ENGELS, 1977, p. 73). Talvez tenha sido nessa direção a expectativa dos organizadores deste evento ao programarem uma conferência de encerramento tendo por tema “consciência social e ação política e ideológica”.

Como se vê, recai sobre o encarregado dessa conferência uma responsabilidade que, com certeza, excede as forças de que dispõe, com o agravante de que lhe coube a tarefa de pensar as linhas de sua exposição sem o conhecimento prévio das análises efetuadas na conferência de abertura e nas duas Mesas temáticas.

Diante da circunstância que acabei de indicar, entendi que o tema dessa conferência implica a explicitação do princípio segundo o qual a ação revolucionária, para ser desencadeada, exige o amadurecimento, além das condições objetivas, também das condições subjetivas; sendo que ambas, ainda que sob a determinação das primeiras, se condicionam reciprocamente. E, para realizar essa tarefa, pareceu-me que o caminho mais indicado é partir do resumo dos estudos de Marx, por ele mesmo registrado magistralmente no “Prefácio à Contribuição para a Crítica da Economia Política”.

1. As bases objetivas da formação da consciência: a estrutura social

A síntese de Marx começa com a seguinte passagem:

Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência (MARX, 1973, p. 28 negritos meus).

Vê-se que aparece, aí, explicitamente, o tema chave que me foi atribuído para esta conferência: consciência social, que se manifesta de formas diferenciadas correspondentes à superestrutura jurídica e política que, por sua vez, se levanta sobre a base da estrutura econômica que é constituída pelo conjunto das relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais.

Portanto, para o exame do significado de consciência social faz-se necessário, preliminarmente, compreender a estrutura da sociedade. E, no referido prefácio, Marx está sintetizando sua análise do processo de desenvolvimento histórico-objetivo da humanidade. Tomando o modo de produção feudal, de cujo desenvolvimento surgiu, por contradição, o atual, vemos que as relações sociais se assentavam na propriedade privada da terra colocando em oposição os senhores feudais, os donos da terra, como classe dominante e, como classe dominada, os servos que se encontravam vinculados à terra e, por isso, deviam servir ao seu senhor, isto é, o proprietário da terra em que viviam. Nessa condição, eles deviam cultivar a terra produzindo para satisfazer às próprias necessidades de sobrevivência e também às necessidades de sobrevivência de seus senhores. Era, pois, uma sociedade cuja produção estava voltada para o consumo: produzia-se, fundamentalmente, para atender às necessidades de consumo dos membros da sociedade. E para produzir os objetos requeridos pela estrutura da sociedade feudal tais como os instrumentos de trabalho, os meios de locomoção e as condições de moradia com seus equipamentos foram constituídas as corporações de ofício dirigidas pelo mestre a quem estavam subordinados os oficiais ou companheiros e os aprendizes.

Está aí, em termos simplificados, a estrutura da sociedade feudal constituída pelas relações sociais de produção baseadas na propriedade feudal, correspondentes ao grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais feudais. E sobre a base concreta desse conjunto das relações de produção se elevou a superestrutura jurídica e política representada pela nobreza e pelo clero que estabeleciam as normas que regulavam o funcionamento dessa forma social.

Mas Marx prossegue, afirmando:

Em certo estádio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se no seu entrave. Surge então uma época de revolução social. A transformação da base econômica altera, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura. Ao considerar tais alterações é necessário sempre distinguir entre a alteração material das condições econômicas de produção – que se pode comprovar de maneira cientificamente rigorosa –, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito, levando-o às últimas consequências.  Assim como não se julga um indivíduo pela ideia que ele faz de si próprio, não se poderá julgar uma tal época de transformação pela sua consciência de si; é preciso, pelo contrário, explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção” (MARX, 1973, p. 29).

Efetivamente, pelo trabalho dos servos e artesãos, as necessidades de consumo da sociedade feudal eram satisfatoriamente atendidas. Mas, no âmbito dessas relações feudais de produção, foi ocorrendo um cada vez mais amplo desenvolvimento da capacidade produtiva dos servos e artesãos provocando o aumento progressivo da produção de excedentes. Dessa forma, as trocas que antes eram residuais, foram se tornando cada vez mais frequentes. Com isso, as grandes feiras de troca que antes eram esporádicas acabaram por se tornar permanentes dando origem às cidades onde viviam aqueles que se dedicavam ao comércio, às trocas, vale dizer, os burgueses, isto é, habitantes da cidade. Essa mudança do eixo da produção, do consumo para as trocas, do campo para a cidade e da agricultura para a indústria acabou por determinar o surgimento de um novo modo de produção com uma nova estrutura social: o modo de produção capitalista com a sociedade de mercado, também chamada de sociedade burguesa.

Consequentemente, as relações sociais feudais impulsionaram o desenvolvimento das forças produtivas sociais conduzindo-as à geração de bens para além do atendimento às necessidades de consumo que era a razão de ser dessa forma social de produção. E, ao atingir o estágio de generalização das trocas, de formas de desenvolvimento das forças produtivas, essas relações sociais feudais transformaram-se no seu entrave. Isso porque, com os servos vinculados à terra que permanecia propriedade privada dos senhores feudais e com os artesãos vinculados às corporações que permaneciam sob controle dos mestres, como reorganizar a produção voltando-a para atender às necessidades de troca? Abriu-se, então, uma era de revolução social liderada pela nova classe em ascensão, a burguesia. Pela revolução burguesa os servos foram arrancados do vínculo com as glebas e os artesãos do vínculo com as corporações e transformados em trabalhadores livres, diz Marx, no Capital, em dois sentidos: o sentido positivo, isto é, foram libertados do domínio dos senhores e dos mestres; e o sentido negativo porque foram despojados da posse de seus instrumentos de trabalho. Assim, enquanto trabalhadores livres e como proprietários apenas de sua força de trabalho, cabia-lhes entrar em relação de troca com os proprietários dos meios de produção concentrados na forma do capital vendendo sua força de trabalho para passar a operar com os meios de produção dos capitalistas que, na condição de compradores da força de trabalho, ganham o direito de se apropriar de tudo o que a força de trabalho é capaz de produzir.

Surgiu, assim, um novo modo de produção: o modo de produção capitalista no qual a classe fundamental dominante são os capitalistas, isto é, os proprietários dos meios de produção; e a classe fundamental dominada são os trabalhadores, os proletários, proprietários apenas de sua força de trabalho. Sobre essas novas relações de produção as forças produtivas foram libertadas das peias impostas pelas relações sociais feudais atingindo, ao longo dos cerca de cinco séculos de desenvolvimento do capitalismo, níveis extremamente avançados já celebrados por Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista de 1848. E sobre o conjunto das relações que constituem a estrutura da sociedade capitalista levantou-se toda uma imensa e complexa superestrutura representada por determinadas formas de consciência social que Marx nomeia como sendo as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas, filosóficas, em resumo, as formas ideológicas.

Em seu desenvolvimento o capitalismo socializou, pela grande indústria, o processo de produção, o trabalho, mas manteve privada a propriedade dos meios de produção e dos produtos do trabalho. E, no atual estágio, essas relações de produção baseadas na propriedade privada dos meios de produção, de formas de desenvolvimento das forças produtivas, estão se transformando no seu entrave. Entramos, pois, numa nova era de revolução social em que se faz necessário libertar as forças produtivas dos entraves provocados pela manutenção dos meios de produção em mãos privadas. Vejamos como se manifesta essa contradição.

2. A contradição entre relações de produção e forças produtivas no contexto atual

As relações sociais capitalistas baseadas no trabalho assalariado com meios de produção concentrados nas mãos dos capitalistas promoveram um avanço sem precedentes das forças produtivas mediante uma crescente socialização do trabalho que passou do artesanato para a cooperação simples e a manufatura até chegar à generalização da grande indústria operando com exércitos de trabalhadores articulados num complexo coletivo de tal modo que cada produto se materializa como o resultado da ação conjunta dos trabalhadores, tornando-se impossível que determinado trabalhador, individualmente considerado, possa reivindicar a autoria do referido produto. Nessas condições o capital foi avançando e se apropriando de todos os espaços que encontrava até ocupar todo o globo terrestre. Nesse contexto, as relações sociais baseadas na apropriação privada dos meios de produção e dos produtos do trabalho deixam de impulsionar as forças produtivas e, ao contrário disso, passam a frear, a impedir seu avanço. Daí decorre o fenômeno da produção destrutiva que se manifesta de forma explícita na destruição de forças produtivas e de produtos do trabalho e, de forma disfarçada, na obsolescência programada.

No primeiro caso temos as contínuas guerras localizadas, as catástrofes ambientais, os acidentes viários e eventos similares que, provocando destruições, alimentam o capitalismo porque é preciso reconstruir aquilo que foi destruído; e, obviamente, a reconstrução pode ser feita a partir dessas mesmas relações sociais privadas, não sendo necessárias novas relações. Diante disso, mais recentemente, é o caso de se perguntar se as manifestações que provocam depredações e queima de veículos, especialmente de ônibus, não acabam concorrendo, ainda que inintencionalmente, para dar uma sobrevida à forma social capitalista. Com efeito, os mais de 200 ônibus que foram incendiados em 2014 precisam ser repostos, atenuando a crise de superprodução das indústrias de veículos.

No segundo caso, para ilustrar o fenômeno da obsolescência programada, dado o limite de tempo, vou recorrer a apenas um exemplo: a produção de lâmpadas.

Lembro que na década de 1970 um professor alemão afirmou, em conferência na PUC-SP, que já havia tecnologia disponível para produzir lâmpadas eternas, mas que isso não se efetivava porque contrariava os interesses das indústrias produtoras de lâmpadas. E em 2010 entrou em circulação no Youtube, um vídeo denominado “Comprar, descartar, comprar: obsolescência programada” dirigido por Cosima Dannoritzer, que começa com uma impressora que teve uma peça danificada e seu dono leva aos técnicos para conserto (DANNORITZER, 2010). No entanto, todos os três técnicos consultados afirmaram que não valia a pena consertar; saía mais em conta comprar uma nova!

Em seguida, o vídeo passa a tratar da questão da produção de lâmpadas começando exatamente pela constatação, em 1972, da existência de uma lâmpada na Califórnia num Parque de Bombeiros, produzida em 1901 e que permanece acendendo normalmente. Assim, em 2001, fizeram uma festa com direito a cantar parabéns e bolo do aniversário de cem anos. E o vídeo prossegue recapitulando a história da lâmpada. No dia de Natal de 1924 foi criado o primeiro cartel de produtores de lâmpadas chamado Phebus, com o objetivo de controlar a vida útil das lâmpadas. Em 1871, Thomaz Edson pôs à venda sua primeira lâmpada com a duração de 1.500 horas. Helmut Hoege, historiador de lâmpadas de Berlim, mais de 80 anos depois encontra provas da ação do cartel que fixou como duração máxima das lâmpadas para atender aos seus interesses de lucro, 1.000 horas. Vejam o que isso significa como freio das forças produtivas ao observar a quantidade de recursos envolvendo matéria prima, força de trabalho, equipamentos investidos na produção de lâmpadas para substituir as que se queimam. E o caso das lâmpadas é apenas um exemplo de uma tendência da estrutura econômica capitalista evidenciada de forma cabal nos produtos eletrônicos marcados por uma obsolescência acelerada que tem, como efeito colateral, o acúmulo de objetos descartados com sérios problemas para o meio ambiente. Numa economia socializada todos esses recursos estariam liberados para desenvolver a produção voltada para atender a novas necessidades humanas, impulsionando o avanço das forças produtivas.

Trata-se, pois, de socializar os meios de produção compatibilizando-os com o processo de socialização do trabalho já realizado no âmbito do próprio capitalismo. Mas para isso é necessário, além das condições objetivas, o amadurecimento também das condições subjetivas, isto é, a tomada de consciência dos problemas tendo em vista o encaminhamento de sua solução.

3. Consciência da contradição e solução dos problemas

É nessa direção que se encaminha a continuação do texto do prefácio à Contribuição para a crítica da economia política redigido por Marx. Diz ele:

Uma organização social nunca desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela é capaz de conter; nunca relações de produção novas e superiores se lhe substituem antes que as condições materiais de existência destas relações se produzam no próprio seio da velha sociedade. É por isso que a humanidade só levanta os problemas que é capaz de resolver e assim, numa observação atenta, descobrir-se-á  que o próprio problema só surgiu quando as condições materiais para o resolver já existiam ou estavam, pelo menos, em vias de aparecer. A traços largos, os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno podem ser qualificados como épocas progressivas da formação econômica da sociedade. As relações de produção burguesas são a última forma contraditória do processo de produção social, contraditória não no sentido de uma contradição individual, mas de uma contradição que nasce das condições de existência social dos indivíduos. No entanto, as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa, criam ao mesmo tempo as condições materiais para resolver esta contradição. Com esta organização social termina, assim, a pré-história da sociedade humana (idem, ibidem).

De fato, enquanto os homens viviam no “reino da pura necessidade”, isto é, enquanto eles eram forçados a extrair da natureza os elementos necessários à sua sobrevivência, não aparecia a questão da destruição da natureza como um problema, isto é, como algo que viria a inviabilizar a própria existência humana.

Com efeito, entendido o conceito de “problema” tal como o analisei no livro Educação: do senso comum à consciência filosófica (SAVIANI, 2013, p. 18-19), implicando tanto a conscientização de uma situação de necessidade (aspecto subjetivo) como uma situação conscientizadora da necessidade (aspecto objetivo), concluímos que, apesar do desgaste determinado pelo uso excessivo do termo, “problema” possui um sentido profundamente vital e altamente dramático para a existência humana, pois indica uma situação de impasse. Trata-se de uma necessidade que se impõe objetivamente e é assumida subjetivamente. Assim, somente quando o avanço das forças produtivas traduzido no desenvolvimento tecnológico já permite uma utilização racional dos recursos naturais, é que a consciência da necessidade de preservação desses recursos se manifesta. É verdade que essa consciência pode se antecipar em casos específicos como o ilustra a análise efetuada por Engels, em 1876, no texto “Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem”. Nesse texto Engels conclui que, ao contrário dos animais que só modificam a natureza pelo simples fato de viverem nela, o homem domina a natureza e a obriga a servir-lhe, diferença essa que resulta do trabalho. Mas acrescenta:

Contudo, não nos deixemos dominar pelo entusiasmo em face de nossas vitórias sobre a natureza. Após cada uma dessas vitórias a natureza adota sua vingança. É verdade que as primeiras consequências dessas vitórias são as previstas por nós, mas em segundo e em terceiro lugar aparecem consequências muito diversas, totalmente imprevistas e que, com frequência, anulam as primeiras (ENGELS, 1977, p. 71).

E Engels prossegue mostrando que na Mesopotâmia, na Grécia, assim como na Ásia Menor e em outros lugares, os homens devastavam as matas para cultivar as terras sem imaginar que estavam, dessa forma, produzindo o atual deserto nessas regiões. Registra, em seguida, a destruição, pelos italianos dos Alpes, dos bosques de pinheiros meridionais que eram conservados carinhosamente ao Norte, sem se advertirem que, por esse meio, estavam destruindo as bases da indústria de laticínios de sua própria região. E continuando, adverte: “os que difundiram o cultivo da batata na Europa não sabiam que com esse tubérculo farináceo difundiam por sua vez a escrofulose” (idem, ibidem), acrescentando, mais adiante:

Mas que importância pode ter a escrofulose, comparada com os resultados que teve a redução da alimentação dos trabalhadores a batatas puramente, sobre as condições de vida das massas do povo de países inteiros, com a fome que se estendeu em 1847 pela Irlanda em consequência de uma doença provocada por esse tubérculo e que levou à sepultura um milhão de irlandeses que se alimentavam exclusivamente, ou quase exclusivamente, de batatas e obrigou a que emigrassem para além-mar outros dois milhões? (idem, p. 72).

Engels vai mostrando outros atos humanos que, sem o saber, provocaram consequências desastrosas como a destilação do álcool descoberta pelos árabes sem pensarem que haviam produzido uma arma de dizimação dos indígenas da América, um continente então ainda desconhecido. E depois, Colombo, ao descobrir a América, também não sabia que estava dando vida nova à escravidão, há séculos desaparecida na Europa.

Mas se Engels pôde, ainda no século XIX, fazer essas constatações, isso se deveu à perspectiva teórica e ao compromisso social e político que aguçou sua consciência. De forma generalizada, essa “consciência ecológica” só veio a se disseminar na atualidade, consoante o dito de Marx no último parágrafo do posfácio à 2ª edição d’ O Capital:

Para o burguês prático, as contradições inerentes á sociedade capitalista patenteiam-se, de maneira mais contundente, nos vaivéns do ciclo periódico, experimentados pela indústria moderna e que atingem seu ponto culminante com a crise geral. Esta, de novo, se aproxima, embora ainda se encontre nos primeiros estágios; mas, quando tiver o mundo por palco e produzir efeitos mais intensos, fará entrar a dialética mesmo na cabeça daqueles que o bambúrrio transformou em eminentes figuras do novo sacro império prussiano-alemão (MARX, 1968, p. 17).

Hoje o capitalismo já tem o mundo por palco, já tomou conta de todo o globo. Nessas circunstâncias, a consciência dos problemas produzidos pelo modo de produção capitalista vai penetrando nas cabeças até mesmo daqueles que o acaso ou a fortuna inesperada (é esse o significado da palavra “bambúrrio”) transformou nos senhores de imensos impérios econômicos.

Mas se o esgotamento das possibilidades da forma social capitalista evidenciado nas crises e, de modo especial, na crise geral de caráter estrutural conduz à tomada de consciência dos problemas, obviamente essa consciência não é unívoca e não se exerce com o mesmo significado e na mesma direção conforme se trate dos membros da classe dominante, a burguesia, e da classe dominada, o proletariado. Cumpre, pois, considerar essa questão.

4. Consciência real, consciência possível e limite máximo de consciência possível

No quadro da luta de classes, as crises são encaradas em perspectivas opostas pelas classes em confronto. Assim, enquanto a classe dominante, a burguesia, tende a encarar as crises como simples desarranjos ou disfunções que apenas exigem rearranjos ou ajustes (reformas), a classe dominada, os trabalhadores, tenderão a encarar as crises conjunturais como expressão das contradições de estrutura, buscando explorar a crise de conjuntura para mudar a correlação de forças tendo em vista a transformação estrutural da sociedade.

Considerando que “não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência” (MARX, 1973, p. 28), são as condições materiais, isto é, a classe entendida como a posição ocupada pelos agentes sociais no processo de produção que determinam o nível e a forma de sua consciência. Cumpre, pois, distinguir, como o fez Goldmann (1976, p. 94-103), entre consciência real, consciência possível e limite máximo de consciência possível. Assim, é claro que a burguesia pode, em determinadas circunstâncias, ser dotada de uma consciência real mais avançada do que o nível de consciência real atingido pelo proletariado. Mas, em termos de consciência possível, devido às posições diferentes e contrapostas ocupadas por essas duas classes no sistema de produção, a burguesia estará necessariamente aquém do proletariado. E o limite máximo de consciência possível nas condições em que vigora o modo de produção capitalista, só poderá ser atingido pelo proletariado. Isso porque, por definição, o limite máximo de consciência possível da burguesia se mantém no horizonte da sociedade capitalista, enquanto que a posição de classe do proletariado o impele a romper o horizonte da ordem burguesa projetando-se para além dela na direção de uma nova forma social caracterizada pelo socialismo como transição ao comunismo. Dizendo de outra maneira, os interesses da burguesia a compelem a permanecer nos limites do modo de produção capitalista, ao passo que os interesses do proletariado exigem, para serem realizados, a superação da sociedade capitalista.

Nesse contexto compreendemos a expectativa de Marx e Engels de um avanço da revolução proletária nas lutas de 1848-1850 na França. Conforme esclareceu Engels na Introdução de 1895 a uma nova edição do texto de Marx “As lutas de classe na França entre 1848 e 1850 (MARX e ENGELS, s/d., p. 98-99), a transformação da revolução da minoria em revolução da maioria sob a liderança do proletariado parecia viável no processo das lutas entre 1848 e 1850. No entanto, diz ele, “a história nos desmentiu, bem como a todos que pensavam de maneira análoga. Ela demonstrou claramente que o estado de desenvolvimento econômico no continente ainda estava muito longe do amadurecimento necessário para a supressão da produção capitalista” (p. 99).
Depois, ambos entenderam que a crise econômica de 1857 provocaria politicamente um “dilúvio”, ou seja, uma nova revolução, o que levou Marx, numa carta a Engels de dezembro de 1857 a afirmar: “Trabalho como louco pelas noites fora na reunião dos meus estudos econômicos, para pôr a claro, pelo menos, os traçados fundamentais, antes do dilúvio” (FEDOSSEIEV, p. 356). Ele tinha pressa em disponibilizar, para os operários, a arma teórica que, nas mãos deles, assumiria a força da força material, conforme ele próprio já houvera afirmado na Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Mas, menos de um ano depois, numa outra carta a Engels datada de 8 de outubro de 1858, afirmou:

A verdadeira missão da sociedade burguesa é criar o mercado mundial, pelo menos em suas grandes linhas, assim como uma produção condicionada pelo mercado mundial. Como a terra é redonda, essa missão parece acabada com a colonização da Califórnia e da Austrália assim como a abertura do Japão e da China. Para nós, a questão difícil é esta: sobre o continente europeu, a revolução é iminente e ela toma um caráter socialista, mas não será ela abafada nesse pequeno canto, já que, sobre um terreno muito mais vasto, o movimento da sociedade burguesa é ainda ascendente?” (Marx e Engels, 1973, p. 15).

Essa discussão sobre a crise global como expressão do amadurecimento das condições objetivas e a necessidade de compreendê-la de forma adequada para não deixar passar a oportunidade do desencadeamento da ação revolucionária reitera a evidência de que além do amadurecimento das condições objetivas é necessário também o amadurecimento das condições subjetivas, que envolvem a tomada de consciência da situação para poder agir sobre ela revolucionariamente. Daí, a necessidade de se considerar o modo como se desenvolve a luta de classes no terreno das ideologias.

5. O terreno das ideologias e a luta de classes

Retomando Marx, é pelas formas ideológicas que os homens tomam consciência do conflito entre as forças produtivas sociais e as relações de produção, levando-o às últimas consequências.

Como já indiquei, para viabilizar a forma social capitalista foi necessário romper com as relações feudais. Assim, em lugar do domínio do senhor feudal, dono da terra, impôs-se o domínio do capitalista, dono dos meios de produção. Os servos e os artesãos, por sua vez, foram arrancados de seus vínculos respectivamente com a terra e com as corporações de ofício, sendo transformados em trabalhadores livres, reduzidos à condição de proprietários apenas de sua própria força de trabalho.

Aí está a base da constituição das relações sociais específicas do modo de produção capitalista: proprietários livres que se defrontam no mercado; de um lado, o capitalista (o burguês) que detém a propriedade exclusiva dos meios de produção; de outro lado, o trabalhador (o proletário) que detém a propriedade exclusiva da força de trabalho. Nessa condição eles entram em relação de troca e celebram “livremente” um contrato mediante o qual o capitalista compra a força de trabalho adquirindo, assim, o direito de se apropriar de tudo o que o trabalhador for capaz de produzir; e o trabalhador, por sua vez, vende sua força de trabalho em troca do salário que lhe permite sobreviver. Celebrado esse contrato o trabalhador estará em condições de pôr em movimento sua força de trabalho operando com os instrumentos de produção que são propriedade do capitalista.

Eis aí o atributo de liberdade da sociedade capitalista. É uma sociedade livre porque baseada na relação entre proprietários livres que dispõem livremente de seus bens: os meios de produção, do lado capitalista e a força de trabalho do lado proletário. Nesta nova forma social, inversamente ao que ocorria na sociedade feudal, é a troca que determina o consumo. Desde a troca que precede a produção consubstanciada no contrato de compra e venda da força de trabalho, até a relação de compra e venda dos bens produzidos que possibilita, nos mercados, o acesso dos membros da sociedade ao consumo desses bens. Por isso esse tipo de sociedade é também chamado de sociedade de mercado.

Conforme esclarece Marx, as formas de conversão dos produtos do trabalho em mercadorias “já possuem a consistência de formas naturais da vida social” antes que os homens procurem apreender o seu significado, a eles escapando inteiramente o caráter histórico dessas formas que, ao contrário, eles consideram imutáveis. A mercadoria se torna misteriosa ao encobrir as características sociais do trabalho humano. Consequentemente, “uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas” (MARX, 1968, p.81). Para explicar esse mecanismo Marx recorre à religião: “aí, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas que mantêm relações entre si e com os seres humanos. É o que ocorre com os produtos da mão humana, no mundo das mercadorias”. E arremata: “chamo a isto de fetichismo, que está sempre grudado aos produtos do trabalho quando são gerados como mercadorias. É inseparável da produção de mercadorias” (ibidem).

O caráter misterioso da mercadoria se liga, então, à opacidade das relações que caracterizam a sociedade capitalista. Marx lembra que “no regime feudal, sejam quais forem os papéis que os homens desempenham, ao se confrontarem, as relações sociais entre as pessoas na realização de seus trabalhos revelam-se como suas próprias relações pessoais, não se dissimulando em relações entre coisas, entre produtos do trabalho” (idem, p.86). A partir dessa constatação, ao tratar da contradição entre os objetivos proclamados e os objetivos reais na educação, desenvolvi as seguintes considerações:

A função de mascarar os objetivos reais por meio dos objetivos proclamados é exatamente a marca distintiva da ideologia liberal, dada a sua condição de ideologia típica do modo de produção capitalista que introduziu, pela via do “fetichismo da mercadoria”, a opacidade nas relações sociais. Com efeito, nas sociedades escravista e feudal as relações sociais eram transparentes já que o escravo era, no plano da realidade e no plano da concepção, de fato e de direito, propriedade do senhor; e o servo, por sua vez, estava submetido ao senhor também de fato e de direito, real e conceitualmente.

Diferentemente, na sociedade capitalista defrontam-se no mercado proprietários aparentemente iguais, mas de fato desiguais, realizando, sob a aparência da liberdade, a escravização do trabalho ao capital. Instala-se a cisão entre a aparência e a essência, entre o direito e o fato, entre a forma e a matéria (SAVIANI, 2011, p. 215-216).

Considerando que o trabalhador, se não vender sua força de trabalho ao capitalista, não terá como sobreviver, ele na verdade não tem escolha. Ou ele vende sua força de trabalho ou simplesmente vai morrer (sobra-lhe apenas a alternativa da delinquência, ou seja, enveredar pelo caminho do crime). Isso significa que, enquanto o capitalista é livre na aparência e na essência, de direito e de fato, formal e materialmente, o trabalhador é livre apenas na aparência, no plano do direito e no aspecto formal. Essencialmente, de fato e materialmente, ele é escravo.

As cisões mencionadas expressam o caráter contraditório da ideologia liberal, contradição que é ao mesmo tempo a sua força e a sua fraqueza.

É a sua força porque é mediante esse mecanismo que ela se converte em expressão universal, apresentando-se como representativa de todos os homens. Por essa via, a classe que lhe dá sustentação – a burguesia – formula em termos universais os seus interesses particulares o que a torna porta-voz do conjunto da humanidade logrando, com isso, a hegemonia, isto é, a obtenção do consenso das demais classes em torno da legitimidade de sua direção.

Mas é também a sua fraqueza, uma vez que o caráter universal foi obtido ao preço de uma concepção abstrata de homem que, embora histórica, não se reconhece como tal, buscando justificar-se a-historicamente.

6. Deslocamento da luta do terreno especificamente político para o ideológico

A referida opacidade das relações sociais sob o capitalismo deu relevância aos embates ideológicos na luta de classes.

Na já mencionada Introdução à nova edição do texto de Marx “As lutas de classe na França de 1848 a 1850”, escrita em 1895, Engels mostra que as mudanças históricas que se processaram ao longo da segunda metade do século XIX no desenvolvimento do capitalismo e da sociedade burguesa colocaram a exigência da mudança das estratégias e táticas da revolução proletária. Ele avalia, então, positivamente, a luta parlamentar desenvolvida na Alemanha pelo proletariado elogiando a “inteligência com que os operários alemães utilizaram o sufrágio universal instituído em 1866”, conduzindo a um “crescimento espantoso” do Partido do movimento operário que passou de 102.000 votos em 1871 para 493.000 em 1877, 550.000 em 1884, 763.000 em 1887, atingindo 1.427.000 em 1890 ainda na vigência da lei contra os socialistas que colocou o Partido Social-Democrata na ilegalidade. Após 1890, com a suspensão da ilegalidade, os votos socialistas se elevaram para 1.787.000, ou seja, mais de um quarto do total (MARX & ENGELS, Op. Cit., p.101-102). E Engels prossegue descrevendo as mudanças que conduziram a inviabilizar a luta de barricadas com o desenvolvimento da indústria bélica e, entre outros fatores, a remodelação das cidades observando que “os bairros construídos a partir de 1848 nas grandes cidades têm ruas longas, retas e largas e parecem ser feitos de encomenda para o uso dos novos canhões e fuzis. Seria insensato o revolucionário que escolhesse os novos bairros operários do norte e do leste de Berlim para um combate de barricadas” (Ibidem, p. 106) .

Ora, essa tendência, já antevista por Engels no final do século XIX, se aprofundou nas primeiras décadas do século XX, sendo objeto das análises de Gramsci que elaborou a distinção entre sociedade política e sociedade civil no seio do Estado, reelaborou os conceitos de hegemonia e de luta hegemônica e operou a distinção entre guerra de movimento e guerra de posição, pondo em pratica o método marxista da análise concreta de situações concretas.

“Situações concretas”, isto é, um todo articulado tal como o entendera Marx no “método da economia política”: “o concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade”( Marx, 1973, p.229).

“Análise concreta”, ou seja, o procedimento que permite apreender a situação (o concreto real) e reproduzi-lo no plano do pensamento: “o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto é para o pensamento precisamente a maneira de se apropriar do concreto, de o reproduzir como concreto pensado”( Ibidem).

Nesse deslocamento das lutas para o terreno ideológico há uma questão que, a meu ver, deveria ser discutida que, ao que suponho, confere especificidade às transformações do capitalismo na fase contemporânea. Trata-se da elaboração ideológica da grande burguesia visando a controlar as crises cíclicas do capitalismo.

À época de Marx acreditava-se que as crises sucessivas acabariam criando as condições objetivas que viabilizariam a revolução proletária. Por isso Marx, em uma de suas cartas da época em que redigia “O Capital”, afirmara que estava trabalhando como louco porque se avizinhava uma nova crise e era preciso que sua obra estivesse concluída em tempo para servir de ferramenta teórica à organização da luta operária.

A situação, parece, alterou-se após a grande depressão de 1929 no que se refere à consciência burguesa das crises e à sua capacidade de exercer controle sobre elas.

Sob o impacto da crise geral da economia capitalista que eclodira em 1929, Keynes se dedicou a elaborar a concepção que atribui importância central ao Estado no planejamento racional das atividades econômicas, buscando combinar a regulação da economia pelo Estado com o funcionamento da economia de mercado baseada na propriedade privada. Essa concepção é divulgada através da obra Teoria Geral do Emprego, Juros e Dinheiro, publicada em 1936. Segundo Gilson Schwartz (1984), a pretensão de Keynes era “reformar o capitalismo antes que ele mesmo se destrua totalmente”. Dir-se-ia que Keynes se apropriou das análises de Marx que expõem o movimento contraditório do capital desembocando nas crises cíclicas e, como bom representante da burguesia, em lugar de ver nessas crises a necessidade da superação do capitalismo, procurou encontrar os antídotos, isto é, os mecanismos que permitissem senão evitar as crises, pelo menos mantê-las sob controle. Com adequadas políticas governamentais, ele acreditava ser possível conter as crises cíclicas do capitalismo garantindo o pleno emprego e taxas de crescimento contínuas, senão para sempre, ao menos por longos períodos.

Paralelamente aos esforços de Keynes encontramos em contraposição Hayek que também procurou explicar as crises cíclicas do capitalismo. Diferentemente de Keynes, ele se posicionou radicalmente contra a intervenção do Estado na economia. A retomada do crescimento econômico com forte participação do Estado no período pós Segunda Guerra Mundial, denominado de “idade de ouro”, pareceu dar razão a Keynes. Entretanto, o término desse ciclo com a crise que sobreveio na década de 1970 trouxe à tona a posição de Hayek, agraciado com o Nobel de Economia em 1974. O que devemos reter, porém, é que tanto num caso como no outro se faz presente o protagonismo dos organismos internacionais no gerenciamento do capitalismo assim como de suas crises. No primeiro caso sobressaiu a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico e, no segundo, a Comissão Trilateral sucedida pelo FMI e Banco Mundial.

A educação, que tenderia, sobre a base do desenvolvimento tecnológico propiciado pela revolução microeletrônica, à universalização de uma escola unitária capaz de propiciar o máximo de desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos conduzindo-os ao desabrochar pleno de suas faculdades espirituais, é colocada, inversamente, sob as condições de funcionamento do mercado capitalista. É, com efeito, aquilo que poderíamos chamar de “concepção produtivista de educação” que domina o panorama educativo da segunda metade do século XX.

A visão produtivista de educação se empenhou no primeiro período, entre os anos 1950 e 1970, em organizar a educação de acordo com os ditames do taylorismo-fordismo através daquilo que chamei de “pedagogia tecnicista” que se procurou implantar, no Brasil, pela Lei 5692 de 1971 quando se procurou transportar para as escolas os mecanismos de objetivação do trabalho vigentes nas fábricas. No segundo período, a partir do final dos anos 1980, entram em cena as reformas educativas ditas neoliberais que se encontram em andamento. Agora, sob inspiração do toyotismo, busca-se flexibilizar e diversificar a organização das escolas e o trabalho pedagógico assim como as formas de investimento secundarizando, neste último caso, o papel do Estado e apelando-se para a benemerência e voluntariado. Mas, em ambos os períodos, prevalece a busca de produtividade guiada pelo princípio de racionalidade que implica o empenho em se atingir o máximo de resultados com o mínimo de dispêndio. Para esse fim o Estado, agindo em consonância com os interesses dominantes, transfere responsabilidades, sobretudo no que se refere ao financiamento dos serviços educativos, mas concentra em suas mãos as formas de avaliação institucional. Assim, também na educação aperfeiçoam-se os mecanismos de controle inserindo-a no processo mais geral de gerenciamento das crises no interesse da manutenção da ordem vigente.

Em síntese, a questão que procurei formular tem em vista que parece haver claramente um processo intencional de administração das crises pela qual a política econômica mundial alterna deliberadamente períodos de crescimento e de recessão ou combina crescimento em alguns países e recessão em outros mantendo nas mãos da grande burguesia internacional o controle da situação e neutralizando, em consequência, as pressões dos trabalhadores. É nesse novo patamar que se coloca a luta revolucionária pelo socialismo visando superar o modo de produção capitalista a fim de que a humanidade saia da pré-história e ingresse na história propriamente dita que corresponde ao chamado “reino da liberdade” no qual os homens agirão coletivamente de forma intencional, tornando-se plenamente conscientes e, portanto, senhores de seus atos: passarão, pois, a fazer a história sabendo que a fazem e não como vem ocorrendo até agora em que os homens fazem a história, mas, de modo geral, sem o saber.

Mas para que essa revolução aconteça é necessário desencadear uma longa luta na qual ocupa posição estratégica a ação ideológico-política.

7. Conclusão: indicações para a ação política e ideológica no contexto atual

O desenvolvimento da consciência social proletária como premissa para a ação política e ideológica eficaz implica dois aspectos, de preferência organicamente articulados entre si. Trata-se da educação, com destaque para a forma escolar, e a própria ação das massas organizadas.

A educação escolar é o meio mais adequado para a apropriação, pelos trabalhadores, das conquistas históricas da humanidade que lhes aguçarão a consciência da necessidade de intervir praticamente para dar continuidade ao processo histórico conduzindo-o a um novo patamar, como destacou Gramsci num texto de 1916:

É através da crítica da civilização capitalista que se forma ou está se formando a consciência unitária do proletariado, e crítica quer dizer cultura, e não já evolução espontânea e naturalística. […] E não se pode obter isso se não se conhece também os outros, a sua história, o suceder-se dos esforços que eles fizeram para ser isto que são, para criar a civilização que criaram e que nós queremos substituir pela nossa. Quer dizer, ter noções de que coisa é a natureza e as suas leis para conhecer as leis que governam o espírito [GRAMSCI, 1975, pp. 25-26].

E Gramsci conclui, de forma clara, situando a necessidade de o proletariado dominar o saber histórico, colocando-se, assim, como um elo na cadeia da história universal:

Se é verdade que a história universal é uma cadeia dos esforços que o homem fez para libertar-se tanto dos privilégios como dos preconceitos e da idolatria, não se compreende por que o proletariado, que um outro elo quer juntar a essa cadeia, não deva saber como e por que e de quem tenha sido precedido, e qual a vantagem que pode tirar desse saber [idem, p. 26].

Mas essa formação histórica e crítica deve ser articulada com as ações coletivas sistematicamente organizadas como, aliás, preconiza a pedagogia histórico-crítica ao considerar a educação como mediação no interior da prática social tendo, pois, a própria prática social, ao mesmo tempo, como ponto de partida e ponto de chegada.

As ações de massa devem ser orientadas, o máximo possível, pela perspectiva da passagem do nível econômico-corporativo ao nível econômico-político e deste ao nível propriamente político realizando a catarse entendida como a assimilação superior da estrutura em superestrutura na consciência dos trabalhadores, isto é, a passagem da condição de classe-em-si para a condição de classe-para-si. Assim, por exemplo, numa greve por reivindicação salarial, não basta reivindicar determinado índice com o argumento de que o trabalhador tem direito ao aumento solicitado e, portanto, a paralização tem o sentido de forçar o empregador a conceder o índice proposto. Deve-se ir além e mostrar, como Marx o fez no texto salário, preço e lucro, apresentado na AIT em junho de 1865, que os ganhos do empregador são parte da mais-valia produzida pelos próprios trabalhadores correspondendo, portanto, a trabalho não pago. E Marx observa, ao final, que os trabalhadores não devem se esquecer que em suas lutas diárias atacam os efeitos e não as causas. E que o sistema capitalista, apesar de todas as misérias que impõe, “engendra simultaneamente as condições materiais e as formas sociais necessárias para uma reconstrução econômica da sociedade”, acrescentando que, em lugar do lema conservador “um salário justo por uma jornada de trabalho justa!”, deve adotar o lema revolucionário: “Abolição do sistema de trabalho assalariado!” (MARX, s/d., p. 377-378). E conclui propondo a aprovação de uma resolução em três pontos dos quais transcrevo o terceiro:

Os sindicatos trabalham bem como centro de resistência contra as usurpações do capital. Falham em alguns casos, por usar pouco inteligentemente a sua força. Mas, são deficientes, de modo geral, por se limitarem a uma luta de guerrilhas contra os efeitos do sistema existente, em lugar de ao mesmo tempo se esforçarem para mudá-lo, em lugar de empregarem suas forças organizadas como alavanca para a emancipação final da classe operária, isto é, para a abolição definitiva do sistema de trabalho assalariado (idem, p. 378).

Essas considerações referidas diretamente aos sindicatos, penso que se aplicam também aos chamados “movimentos sociais” representativos da classe trabalhadora. Na verdade, via de regra os movimentos sociais nascem de reivindicações específicas mantendo-se, portanto, no nível corporativo e tendo um caráter transitório. Assim, por exemplo, um movimento como o “passe livre” nasceu da reivindicação por mobilidade urbana no âmbito da estrutura social vigente. Dessa forma, se chegar a ter êxito e vier a conquistar o passe livre, ele deixará de existir. Consequentemente, para que os movimentos sociais se integrem na luta comum da classe trabalhadora eles deverão passar da condição de transitórios a permanentes; das ações sobre o aspecto conjuntural ao aspecto estrutural da sociedade; do espírito de povo ao espírito de classe; da fragmentação em torno de lutas pontuais para a união em torno das lutas de interesse de toda a classe trabalhadora; do caráter espontâneo para o sistematizado; do nível de consciência em-si para o nível de consciência para-si.

Além disso, é fundamental que as ações encetadas pelas organizações de massa dos trabalhadores se constituam em experiências da nova forma de sociedade quanto ao modo de organizar e de administrar as relações sociais. Isso é importante por produzir os germes da futura sociedade socialista e também porque seu êxito injeta um novo ânimo na luta dos trabalhadores dispondo-os a novas iniciativas, o que podemos constatar nas ações do MST. A forma resoluta com que seus militantes arregimentam rapidamente grande número de famílias para realizar ocupações e o modo como organizam e administram a vida nos acampamentos e assentamentos constituem gérmens da sociedade socialista que se quer implantar e, pelos resultados atingidos, revigoram suas forças e os animam a prosseguir na luta em busca de novas conquistas.

São essas, enfim, as considerações que trago a vocês no encerramento deste evento sobre o tema que me foi atribuído: consciência social e luta ideológica e política. Esperando ter trazido alguma contribuição para nossas lutas, fico à disposição para os debates. Muito obrigado.

1 Conferência de encerramento do Seminário do PCdoB sobre “As eleições de 2014 e a consciência social brasileira” realizado nos dias 30-31/01 e 1º/02/2015, em São Paulo.
2 Professor Emérito da UNICAMP, Pesquisador Emérito do CNPq e Coordenador Geral do HISTEDBR.

Referências:
DANNORITZER, Cosima (2010). Comprar, descartar, comprar: obsolescência programada. In: Youtube –  https://www.youtube.com/watch?v=pDPsWANkS-g (Acesso em 28/01/2015).
GOLDMANN, Lucien (1976). Ciências Humanas e Filosoia: Que é a sociologia? São Paulo/Rio de Janeiro, Difel.
ENGELS, Friedrich (1977). “Sobre o papal do trabalho na transformação do macaco em homem”. In: MARX, K. e ENGELS, F. Textos 1. São Paulo, Edições Sociais, p. 61-78.
FEDOSSEIEV, P. N. et alii (1983). Karl Marx Biografia. Lisboa, Avante/Moscou, Progresso.
GRAMSCI, Antonio (1975). Scritti giovanili (1914-1918). Torino: Einaudi.
MARX, Karl (1968). O Capital. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
MARX, Karl (1973). Contribuição para a crítica da economia política, 2ª ed. Lisboa, Editorial Estampa.
MARX. Karl (s/d.). “Salário, preço e lucro”. In: MARX, K. e ENGELS, F (s/d.). Obras escolhidas. São Paulo, Alva-Ômega, vol. 1, p. 333-378.
MARX, K. e ENGELS, F. (1973). La guerra civil en los Estados Unidos (1861-1865). México, Roco.
MARX, K. e ENGELS, F (s/d.). Obras escolhidas. São Paulo, Alva-Ômega, vol. 1.
SAVIANI, Dermeval (2011). A nova lei da educação (LDB), 12ª ed. Campinas: Autores Associados.                   SAVIANI, Dermeval (2013). Educação: do senso comum à consciência filosófica. Campinas, Autores Associados.