Abalada pela crise capitalista global, a economia mundial continua a se degradar, em direção contrária à ideia de “recuperação” difundida pelo establishment americano e repetida por seus papagaios mundo afora.

Mas são evidentes as implicações da resposta norte-americana à grande crise e seu declínio da condição de potência hegemônica. Repassá-la à periferia do capitalismo para que nações e trabalhadores paguem a conta é seu objetivo.

Em matéria geoeconômica, os EUA continuam a se beneficiar do dólar, cuja valorização ou não, depende da política monetária e cambial, onde sua própria taxa de juros também pode determinar o comando deste país sobre a política cambial nos países que não possuem moeda conversível – caso do Brasil e da imensa maioria dos países do globo. Ou seja: a chamada hierarquia (das moedas) do sistema monetário internacional restringe (ao máximo, mas não impede) a capacidade de outros países praticarem uma política econômica independente!

China luta contra deflação [1]

Ademais, um novo fenômeno sublinha a continuidade da gravidade da crise, além das próprias estimativas (sombrias) do FMI e da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), feitas em novembro, para 2015, que, como sabemos, sempre estão a serviço dos banqueiros e ricaços. Trata-se da marcha de uma deflação nas principais economias do planeta.

O prestigiado reitor da Escola Nacional de Desenvolvimento e diretor do Centro para a Reforma Econômica da China (Universidade de Pequim), Yai Yang, já assinalara que o mundo inteiro se encontra assolado por forças deflacionárias (“A China consegue evitar a deflação?”, Valor Econômico, 27/01/2015). Na análise percuciente (e pioneira) de Yang, se a China entrar no turbilhão, não haveria como, “desta vez”, seus parceiros comerciais socorrê-la. O problema crucial para o governo da China, portanto, é se ela poderá safar-se da deflação “por conta própria”, diz ele.

Yang argumenta ainda que, apesar da atual desaceleração da economia chinesa ter sido induzida por políticas econômicas nacionais, nos dois últimos anos, o governo chinês “promoveu um aperto da política monetária e da política fiscal na esperança de neutralizar os efeitos adversos do grande pacote de estímulos econômicos lançado como resposta à crise financeira mundial de 2008”.

Ora, no último dia 28 de fevereiro, o BC chinês anunciou novo corte, de 0,25% na taxa de juros, exatamente para evitar desaceleração maior de sua economia (e a deflação), ainda que ano passado a poderosa economia chinesa registrasse crescimento de 7,4% e projetasse cerca de 7% do PIB (Produto Interno Bruto) para este ano.

Deflação nos EUA?

Isso mesmo! Na mesma direção vão os EUA: a inflação norte-americana soma mais de trinta meses abaixo de 2%, o objetivo do Federal Reserve (Fed, Banco Central dos EUA). Até agora, não existem indícios de um aumento do nível dos preços. Ao contrário, a deflação (queda de preços) se transformou em uma ameaça real na economia, que ainda é considerada a de maior tamanho: os preços do consumo ficaram em apenas 0,4% em dezembro de 2014, sua maior queda desde o final de 2008. Em termos anuais, a inflação diminuiu 0,8% ao se colocar em 1,3% em novembro passado. [2]

Para Rodríguez, a chamada “recuperação norte-americana” está mais no aumento dos principais índices da bolsa de valores de Nova York e menos na melhoria substantiva das condições de vida da população, que vive sob intensa precarização do trabalho, do desemprego, e da queda dos salários. “Inclusive, na esfera financeira – afirma ele -, surgiram novas barreiras para a acumulação de capital. Se é certo que o índice Standard & Poors (que cotiza as ações das 500 maiores empresas dos EUA) continua registrando aumentos, a acumulação de lucros por ação e dividendos é cada vez menor”.

Novo governo Dilma: “concessão” não é ”capitulação”

Nesse quadro, rejeitamos a ideia difundida em setores de esquerda, de que existe um Brasil “pós-neoliberal”, tanto quanto a que acha que “Dilma capitulou ao mercado financeiro”, assim como a que já anuncia uma “viragem neoliberal” do governo Dilma. A nosso juízo, tais pontos de vista carregam forte dosagem de economicismo, incompreensão e precipitação frente aos resultados do quadro real de forças, tais como um Congresso mais conservador, um crescimento econômico médio pífio, forte polarização eleitoral presidencial, atual divisão e desorientação claras no comando do PT (importa recordar que a presidenta Dilma enfrentou eleições presidenciais num cenário em que dois ex-presidentes de seu partido foram presos, injustamente!). Ao lado do processo crescente de desindustrialização do país, agora mesmo, vivenciamos deterioração das transações correntes no balanço de pagamentos (contas externas), aliada a um cenário internacional que deve ainda considerar (para além da crise e novas “bolhas financeiras” para todo o lado) crescimento contínuo do desemprego em escala mundial (OIT); a estimativa de crescimento econômico negativo na Rússia, este ano; a marcha de desestabilização na Venezuela etc.

Pertinente relembrar nossa experiência recente: bem ao invés do “espetáculo de crescimento” prometido pelo ex-presidente Lula no início de seu governo, a recessão foi clara no primeiro trimestre de 2003 (-1,1%) e no segundo (-0,23%), apesar do resultado anual do PIB ter sido 1,1%. Conforme ainda o IBGE-Seade, o desemprego naquele ano atingiu por volta de 20% da PEA (População Economicamente Ativa) na Grande São Paulo. Ora, a “humanidade” sabe que a média do crescimento dos governos de Lula ultrapassou os 4%!

Por suposto, sempre estivemos lutando contra os retrocessos, o que também fizemos (uma espécie de consentimento impositivo), desde a “Carta aos Brasileiros” até a sua crítica aberta. A análise dita “Dilma capitulou”, não passa de completa ingenuidade em matéria de luta de classes: das concessões que ela estabelece, seus recuos temporários, das necessárias e variadas alianças, ou até mesmo de derrotas – para nós sempre também temporárias.

Certas interpretações se aninham na ideia do “fim da história”, ou a decreta quando mal começaram as batalhas. Assim, mesmo hoje tendo que enfrentar um cenário externo real bem diferente do de Lula, então de evolução favorável ao crescimento econômico, parece óbvio repetir que a história está em aberto, como sempre esteve, por isso também a conduta tática correta (ou a mais ajustada possível), é no sentido de principalizar a defesa do governo Dilma e exercer daí (e a partir daí) o comando da crítica a retrocessos, e da luta de massas e dos trabalhadores – esse o fator decisivo.

Reforçar o ato de 13 de março: abaixo o golpismo!

Portanto, a questão nodal no Brasil hoje é: política no comando para preservar as principais conquistas do ciclo político iniciado por Lula e Dilma. Repetindo, lutando contra os retrocessos. Fora disso, uma derrota severa pode advir. Mas parecem inevitáveis certas concessões neste quadro dado. E como se sabe “concessão” e “capitulação” são categorias muito diferentes – particularmente na terminologia da guerra.

A campanha claramente golpista da direita neoliberal brasileira e seus aliados forâneos é a mais pura manifestação da compreensão deles sobre o que é luta de classes. Visam com clareza objetivos internacionais, serviçal do imperialismo (integração latino-americana; BRICS etc.); e notadamente nacional: interrupção do ciclo que conquistamos, inobstante a pressão furiosa do capital financeiro internacional e do jogo bruto do imperialismo.

Notas

[1] A definição tradicional da depressão econômica mundial envolve fundamentalmente: a) uma queda severa do crescimento do produto; b) elevado desemprego; c) movimentos deflacionários (queda acentuada nos preços). Cada depressão “submerge” numa outra e singular situação – não se repete, mas as determinações e características centrais são recorrentes. Ou seja: as crises sistêmicas do capitalismo e os fenômenos sociais (e também as evoluções políticas) que as acompanham.

[2] Ver o importante artigo “O fantasma da deflação norte-americana” (Carta Maior, 10/02/2015), do economista mexicano “Ariel Noyola Rodríguez.