Passados dois anos da morte de Hugo Chávez, o maior problema da Venezuela nesse período sem o líder é o esfriamento do processo de mudanças sociais e materiais. A análise é do sociólogo Flávio Mendes, autor do livro Hugo Chávez em seu labirinto: o Movimento Bolivariano e a política na Venezuela (Alameda, 302 págs., R$ 44,00).

“Do ponto de vista econômico, as transformações são muito menores. A promessa de evoluir na questão econômica e deixar a dependência da renda petroleira não foi superada”, diz Mendes, ressalvando que este não era um problema exclusivo de Chávez, mas algo que a Venezuela enfrenta desde o início do século XX.

Para Mendes, nem o entusiasmo exacerbado da esquerda nem as críticas superficiais da direita são capazes de explicar o legado de Hugo Chávez para Venezuela e para América Latina. Para entender o chavismo, diz o autor, “é preciso um distanciamento dos dois polos ideológicos”.

O sociólogo reconhece, no entanto, que o líder venezuelano foi responsável por iniciar uma tendência de contraponto ao modelo vigente na região. “Chávez inaugura um processo que podemos entender como uma crise da hegemonia neoliberal na América Latina. Ele ajudou o continente a se redescobrir.”

“Por fatores da conjuntura política e econômica, não existiu na Venezuela um socialismo do século XXI como muitos da esquerda costumava dizer. E também não existiu um simples populismo como a crítica de direita insiste em dizer. O processo chavista é um muito contraditório e difícil de ser compreendido se você restringir a análise ao entusiasmo da esquerda ou as críticas superficiais da direita”, analisa.

Hugo Chávez em seu labirinto
Editora: Alameda
Páginas: 302
Preço: R$44,00

O Movimento Boliviariano e a política na Venezuela, por Marcelo Ridenti

A VENEZUELA DE CHÁVEZ tem sido tema constante na grande imprensa brasileira, geralmente em matérias de tom depreciativo a seu governo. Já os partidários do presidente ocupam espaço em publicações alternativas, raramente com alguma crítica de fundo ao “socialismo bolivariano”. Contudo, ainda são poucas as análises aprofundadas sobre o assunto.

Este livro vem preencher uma lacuna nos estudos brasileiros sobre a América Latina. Com base em ampla bibliografia e numa pesquisa de campo que envolveu longa visita à Venezuela, o autor explica com clareza, talento e competência as origens sociais e políticas do bolivarianismo e do chavismo, seus dilemas e perspectivas.

Remonta à ascensão da democracia representativa na Venezuela, após a queda do ditador Pérez Jiménez. Constituiu-se então uma “hegemonia duradoura”, fundada economicamente na exploração do petróleo, que permitiu articular diferentes forças sociais e políticas. Ela se baseava no Pacto de Punto Fijo, de 1958, organizado pelos dois partidos mais destacados, a AD e o COPEI. Social- democratas e democratas cristãos revezaram-se no poder até a crise que levaria à eleição de Chávez, que assumiria a presidência em 1999.

Para compreender o fenômeno Chávez, Flávio Mendes retoma criticamente o conceito de populismo, que não daria conta da complexidade do tema. Busca a explicação no “processo de crise orgânica que afetou a sociedade venezuelana no início dos anos 1980”. A crise de hegemonia fi caria evidenciada na revolta popular de 1989, conhecida como Sacudón ou Caracazo. Desse processo social conturbado surgiriam a liderança do tenente-coronel Chávez e o movimento bolivariano.

O autor centra-se nos anos 1980 e 1990, mas não recua diante do desafio de pensar o presente, em que a sociedade venezuelana se encontra polarizada entre apoiadores do governo e de uma oposição diversificada, a colocar o país numa situação de impasse. A obra fornece um fio que ajuda o leitor a situar-se no labirinto da Venezuela contemporânea.

Marcelo Ridenti
Professor titular de Sociologia no IFCH/Unicamp

Sobre o autor: Flávio da Silva Mendes é graduado em Ciências Sociais pela FFLCH/USP e doutorando no programa de Pós- -Graduação em Sociologia do IFCH/Unicamp, onde também realizou a pesquisa de mestrado que deu origem a este livro.