Dia da vitória 2: resistência popular contra a ferocidade nazista
Foi em outubro, na época das chuvas e da lama, que os alemães chegaram às portas de Moscou estava à vista. Foi também a época em que, segundo o depoimento de outro general alemão, Günther Blumentritt, a resistência russa era “mais forte e a luta mais acirrada”. A presença guerrilheira nas florestas e nos pântanos era cada vez maior, emboscando, na retaguarda, colunas alemãs de abastecimento. “Assombrados e desapontados” – escreveu o general – “descobrimos em fins de outubro e princípios de novembro que os derrotados russos pareciam ignorar completamente que, como força militar, tinham quase cessado de existir”.
A resistência popular contra a ocupação inimiga começou a ser preparada logo no início da invasão alemã. Em 27 de junho, cinco dias após o cruzamento da fronteira pelas primeiras tropas nazistas, o governo soviético começou a organizar a ação guerrilheira nas regiões ocupadas, como força complementar à do exército regular. Ela se constituiu, disse o historiador Henri Bernard, em uma gigantesca operação militar controlada pelo comando militar, em harmonia com os planos de luta e com “apoio total da população”. Os bandos armados atuavam preferentemente à noite, em pequenos grupos de e50 a 400 homens e, excepcionalmente, de 3000 a 5000. Os guerrilheiros liquidaram mais de 30 mil inimigos, entre eles trinta generais, destruíram mais de 4 mil tanques, canhões automotores e carros blindados, 2 mil peças de artilharia e morteiros, etc.
Um dos maiores enganos da cúpula nazista foi a confiança em uma revolta popular anti-socialista, favorecendo a ocupação alemã, crença alimentada pelos conselheiros políticos de Hitler. Era uma ilusão, ilustrada pela conversa que o general Guderian teve em Orel, a caminho de Moscou, com um velho general czarista, que revela outro elemento que fomentou a resistência: o patriotismo da população russa. Se vocês tivessem vindo vinte anos atrás, disse o general, teriam sido recebidos de braços abertos. Mas agora “é demasiado tarde”, disse ele. “Estamos lutando pela Rússia e, nessa causa, estamos todos unidos”.
Derrota às portas de Moscou
Foi em Moscou que as “invencíveis” tropas alemãs foram derrotadas pela primeira vez. O relato do general Guderian é dramático nesse sentido. Os tanques estavam “quase imobilizados”, escreveu ele. E não puderam prosseguir, parando em uma frente de 300 quilômetros em torno da capital soviética. Guderian comunicou a seus superiores que não tinha mais condições de avançar. Mais tarde, ele escreveu que os alemães tiveram, diante de Moscou, “uma dolorosa derrota”.
A grande derrota alemã já era nítida no dia seguinte, 6 de dezembro, quando o general soviético Georgi Zhukov desencadeou um grande ataque com sete exércitos e dois corpos de cavalaria, num no total de 100 divisões com tropas equipadas e treinadas para combater na neve. “O golpe que esse general, relativamente desconhecido, desfechou com tão formidável força de infantaria, artilharia, tanques, cavalaria e aviação – que Hitler nem de leve suspeitaria que existisse – foi tão repentino e esmagador que o Exército Alemão e o Terceiro Reich dele jamais se restabeleceram completamente”, escreveu o historiador William I. Shirer. Os nazistas sofreriam ainda duas outras derrotas decisivas, em Stalingrado (em1943) e em Leningrado (em 1944), que marcaram a virada na guerra e sinalizaram a iminente derrota alemã.
Marcha vermelha rumo ao oeste
A marcha do Exército Vermelho rumo ao oeste foi implacável. A grande ofensiva de verão, iniciada em junho de 1944, logo chegou à Prússia Oriental, detendo ali cinqüenta divisões alemãs na região dos Bálticos. Ao chegar à Finlândia, destruíram outro importante grupo de exércitos nazistas. No sul, o ataque foi iniciado em 20 de agosto e logo levou à expulsão dos nazistas da Rumânia, privando-os dos campos petrolíferos de Ploesti, que era única fonte importante de petróleo dos exércitos alemães. Em 26 de agosto, foi a vez da Bulgária e, em setembro, a Finlândia rendeu-se.
Em 12 de janeiro de 1945, o exército russo chegou ao sul de Varsóvia, e avançou rumo à importante área industrial da Silésia. Varsóvia caiu em 17 de janeiro, enquanto que ao norte tropas russas ocupavam metade da Prússia Oriental. Foi a maior ofensiva russa na guerra, diz William I. Shirer. Foram empregadas mais de 180 divisões e – o que era surpreendente – a maior parte delas blindadas; “nada pode detê-las”. De tal forma que, em 27 de janeiro Guderian reconhecia que o avanço russo significava um “completo desastre” para os nazistas. Em mais uma quinzena as tropas soviéticas chegavam ao solo alemão, posicionando-se a apenas 100 milhas de Berlim.
Crimes nazistas contra o povo e as nações
Em 8 de julho de 1941, ainda nas primeiras semanas da invasão da URSS, Hitler deu ordens que prenunciavam a imensidão dos crimes que seriam cometidos contra o povo russo, elevando a um nível ainda mais alto as práticas bárbaras aplicadas pelos nazistas contra as populações ocupadas em outros países. Moscou e Leningrado deviam ser arrasadas, em ordens que podem ser resumidas em três palavras: cominar, administrar, explorar. É preciso derrotar a todos pois a segurança alemã exige que não existam inimigos a oeste dos Urais, diziam aquelas ordens. Em dezembro, elas foram ainda mais agravadas, com a determinação de que fossem queimadas e destruídas todas as localidades, “sem que haja preocupação com a população. É preciso que o inimigo não encontre possibilidade alguma de alojamento. Estes preparativos devem ser feitos antecipadamente. As localidades que não se possam destruir serão convertidas em cinzas pela Luftwaffe”, ordenava Hitler.
Um dos objetivos eram as reservas petrolíferas soviéticas de Baku; outro eram os campos de trigo da Ucrânia. E o objetivo geral era criar um vazio populacional que permitisse a instalação de colonos alemães. O Plano Geral do Leste dos nazistas previa a eliminação (ou expulsão para a Sibéria) de 80 a 85% dos poloneses, 65% dos ucranianos e 75% dos bielorussos; os restantes seriam escravizados pelos colonos alemães enviados para as terras conquistadas.
Esses crimes contra a população civil faziam parte do próprio planejamento da invasão. O general Halder registrou as palavras de Hitler em uma reunião em março de 1941, onde o chefe nazista disse que a “guerra contra a Rússia será tal que não poderá ser conduzida de maneira cavalheiresca. É uma luta de ideologias e de diferenças raciais e terá que ser conduzida com uma dureza sem precedentes, sem mercê e sem descanso. Todos os oficiais terão que desembaraçar-se de ideologias obsoletas. Sei que a necessidade de tais meios, para ser travada uma guerra, ultrapassa a compreensão dos senhores, generais, mas… insisto em que minhas ordens sejam executadas sem oposição. Os comissários são portadores de ideologia que se contrapõem diretamente ao Nacional–Socialismo. Por conseguinte, liquidar-se-ão os comissários [do povo – JCR]”. E garantia o perdão oficial para “os soldados alemães acusados de quebrar as leis internacionais… A Rússia não faz parte da Convenção de Haia não tendo, portando, direito a elas”.
A extensão dessa barbárie já havia sido registrada em maio de 1941 pelo dirigente nazista e teórico do racismo que, naquele ano, fora encarregado da direção dos territórios ocupados na Europa Oriental, onde foi responsável pela deportação e extermínio de centenas de milhares de pessoas sendo, por isso, condenado à morte pelo Tribunal de Nuremberg, em 1946.
Em uma carta a outro dirigente nazista, escrita em 1941, Alfred Rosenberg deixou uma descrição vívida dos crimes nazistas contra os povos. “A tarefa de alimentar o povo alemão”, escreveu, “figura no alto da lista de reivindicações da Alemanha no leste. Os territórios do sul [da Rússia] terão que atender… à alimentação do povo alemão”. Ele não nenhuma razão ou “obrigação de nossa parte em alimentar também o povo russo com os produtos desse território. Sabemos que é uma necessidade cruel, despida de quaisquer sentimentos… Muitos serão os anos duros que o futuro irá reservar aos russos”. E perguntava: “Quantos russos morreriam em consequência dessa deliberada política alemã?” E citava, como resposta, o memorando de uma reunião realizada em 2 de maio [de 1941]. Não há dúvida, dizia aquele documento. De que “muitos milhões de pessoas morrerão de fome, se tirarmos do país as coisas que nos são necessárias”. Este era um consenso na cúpula nazista. Herman Goering, comandante da Luftwaffe e o segundo homem na hierarquia nazista (também condenado à morte em Nuremberg) escreveu, em setembro de 1941, escreveu ao conde Gian Galeazzo Ciano, genro de Mussolini e ministro de Relações Exteriores da Itália fascista, que em 1941 “entre vinte e trinta milhões de pessoas morrerão de fome na Rússia”. E concluia: “Talvez convenha ser assim, pois certos povos devem ser dizimados”.
Em outra carta, de 28 de fevereiro de 1942, Rosenberg voltava ao assunto, descrevendo a situação dos prisioneiros russos em posse dos nazistas. Dos 3.6 milhões de soldados russos aprisionados entre 21 de junho a 6 de dezembro de 1941,disse, “apenas algumas centenas de milhares podem ainda trabalhar eficazmente. Grande parte morreu de inanição ou dos azares do tempo” embora, reconhecesse, “havia mantimentos suficientes na Rússia para abastecê-los”. Nessa carta dizia que comandantes dos acampamentos “proibiram que se pusessem mantimentos à disposição dos prisioneiros; preferiram deixá-los morrer de fome. Mesmo na marcha para os acampamentos, a população civil não teve permissão para lhes dar alimentos. Em muitos casos, quando os prisioneiros não mais podiam caminhar devido à fome e à exaustão, eram fuzilados diante dos olhos da população civil horrorizada, e os corpos abandonados. Em numerosos acampamentos não lhes deram abrigo algum. Permaneciam ao ar livre, chovesse ou nevasse”. Ele se refere ainda, ao fuzilamento regular de prisioneiros de guerra.
27 milhões de vidas, o custo da vitória soviética
Para vencer a guerra contra o nazismo, a URSS pagou o mais alto preço em vidas humanas e prejuízos materiais entre os aliados. Foram destruídas ou incendiadas 1710 cidades, 70 mil vilas e aldeias queimadas; 65 mil quilômetros de trilhos foram destruídos, 100 mil fazendas coletivas e estatais devastadas, 25 milhões de pessoas ficaram sem tetos. O país perdeu 30% de sua riqueza. Os cálculos sobre a perda de vidas humanas variam. São números assustadores; o mais aceito diz que foram 27 milhões de mortos, entre soldados e a população civil; estima-se que foram mortos entre 10% a 20% da população total. Um número tão alto que provocou um vazio geracional entre os russos: o censo populacional de 1959 mostrou que, na faixa de idade entre 35 e 50 anos ainda existiam no país mais sete mulheres para cada quatro homens. Eram 53 milhões de mulheres para 31 milhões de homens.
*jornalista, editor do jornal Classe Operária