Nada é natural, muito menos o que se vende como ciência econômica é propriamente ciência no sentido mais grego e romano possível. De um lado, vende-se como matéria científica a “natural” relação entre inflação de demanda e crescimento econômico. Assim como outros creem num retorno à Idade da Pedra como solução à crise urbana.

Há muito tempo que a ciência como um todo se depara com problemas que colocam a nu o próprio significado da própria ciência. As causas podem ser muitas, variando entre ações e reações de determinadas classes diante do “novo” implicador de seus interesses. O exemplo da reação neoclássica ao marxismo e da Escola Austríaca numa visão ideologizada, piorada e pobre da própria escola neoclássica.
Nesta regra cabem exceções e Keynes é a principal delas. Anticomunista, porém admirável e genial. Devemos saber distinguir muito bem o conteúdo existente no “Tratado da Moeda” e no desabafo intrínseco ao “Laissez-Faire and Communism”. Respondeu, com esmero, à quase debacle do capitalismo e a ascensão do socialismo; renovando e colocando a Economia Política num outro patamar. Um economista burguês nada vulgar. Com todo sentido é um alvo dos neoclássicos. E, infelizmente, de muitos marxistas tão vulgares quanto muitos economistas que se atiçaram a escrever no interregno entre a publicação de “A Riqueza das Nações” (Adam Smith) e o Ensaio de 1815 (David Ricardo).

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Outra fonte de arremedos anticientíficos está no exercício de futurologia anexa a qualquer ramo de atividade e à ciência econômica em particular. É verdade que por ser ciência incumbida de descobrir leis por detrás de processos, o exercício da futurologia acaba que sendo uma continuidade do processo de investigação. A ciência e suas leis são determinadas pela sua historicidade e, consequente, evolução. Historicidade, idem, das classes sociais, arranjos superestruturais e do próprio modo dominante de propriedade e mediação econômica. A quebra deste verdadeiro ciclo ocorre precedendo darwinismos sociais, também cíclicos. Momentos históricos similares ao que vivemos.
A astronomia pode se transmutar em astrologia, a química em alquimia e a própria ciência econômica numa própria feitiçaria onde o crescimento chinês, por exemplo, não se encaixa – de jeito nenhum – nas operações matemáticas assentadas na razão capital/produto, restando o argumento da “alta taxa de poupança”, cuja a baixa razão em relação ao PIB explica no não-crescimento brasileiro. Feitiçaria? Sim. Se subtrair do raciocínio o tamanho da dívida pública chinesa e a relação crédito x PIB.

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Existe uma relação direta entre inflação e desenvolvimento? A inflação seria o outro lado da mesma moeda do crescimento econômico? Existe relação imutável e direta entre duas variáveis tão distintas? Existe o “bem”, o “mal”, o “bonito”, o “feio” ou o que existe de fato são processos históricos?
Uma resposta na ponta da língua a esta questão pode vir partindo de uma economia mercantil simples onde o laissez-faire é necessário, logo, com papel histórico determinado. Uma resposta tão fácil quanto aquela da poupança predecessora do investimento. O que pode servir no máximo para explicar os primórdios do capitalismo e não as complexidades envoltas de uma economia monetária e oligopolizada. Muito menos “oligopsonada” como a brasileira.
Creio ser de uma tremenda anticientificidade esta relação mórbida entre inflação e crescimento. O desenvolvimento econômico depende de milhares de circunstâncias que mudam ou se replicam dependendo da formação social específica. Depende de uma política monetária, sim. Política monetária que pode ser expansionista, não expansionista, inflacionária, não inflacionária, “estabilizatória” ou não estabilizatória. O que serve à dita relação entre inflação e crescimento serve à outra entre a imperatividade da inflação e da “estabilização”.
A retirada de determinados pressupostos deve ser o princípio motor da análise. Logo, a política monetária – como as leis econômicas – não deve ser vista em sua “universalidade”. É matéria inspirada no concreto, onde a prática é o critério à verdade. E nenhuma teoria pode ser capaz de dar um fim à realidade.

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À moda de Ignacio Rangel escrevo e raciocino. Em sua boa moda continuarei a pensar e escrever. A porta de saída dos fenômenos não pode ser a entrada da análise. Isso quer dizer que, entre a inflação como indutora do investimento em períodos de crise e baixa taxa de juros, e a hiperinflação e a inflação “financeirizada”, existe toda uma medula científica que deve ser compreendida. E devemos compreendê-la para entender as razões pelas quais ela sobrevive a tudo e a todos e apesar de tudo e daqueles que vivem para dar um fim “estabilizatório” nela. Aí está um limite claro entre ciência x religião.
Não seria esdruxulo reafirmar que a inflação já teve um lado extremamente positivo na economia. Fala-se em “milagre econômico” quando na verdade houve uma utilização de grande capacidade produtiva criada em anos de inflação alta. E que esta mesma inflação ao fazer os investidores correrem aos bancos deu uma cartada decisiva na formação do capital bancário/financeiro brasileiro. Era a época da transição de um crescimento puxado por um Departamento 2 para outro onde a implantação do velho Departamento 1 se fez como necessidade. As atuais empreiteiras-alvo do imperialismo e de seus serviçais internos (Operação Lava Jato) é fruto deste processo. Talvez por isso, estejam querendo condenar à morte nossa engenharia nacional!
A historicidade das leis da ciência cabe nesta análise a ponto de observarmos que historicamente (e a história se repete hoje como tragédia) as taxas de inflação têm variação inversa à taxa de crescimento. E poderemos perceber que a hiperinflação dos anos de 1980 foi sinal do fim do papel histórico positivo da inflação em nossa realidade: de reguladora e estabilizadora da demanda global. A crise da dívida (1982) transformou a inflação como reagente de uma impressionante transferência de mais-valia de dentro para fora. Por outro lado, a insistência no endividamento externo foi um equívoco diante da implantação de uma indústria mecânica pesada (Departamento 1 Novo) e dos indícios da transformação da crise de superpopulação agrária em crise urbana. Já existia um sistema financeiro pronto para mediar os diferentes desequilíbrios inter-setoriais de nossa economia. E existia muita capacidade ociosa (parte da “poupança interna”, por assim dizer) na indústria. A hiperinflação poderia ser bem menor do que realmente foi. Esse irracionalismo anticientífico persiste até hoje nas razões alegadas para as altas taxas de juros: falta de poupança interna. Para que serve o sistema bancário nacional? Para que serve o crédito? O crédito não teria à uma economia monetária capitalista o mesmo papel exercido pela Gosplan na URSS e nas Comissões de Planejamento recheadas pelos mais brilhantes Think Tanks do mundo moderno?

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A inflação persiste. Por que? Se a dita cuja não tem sido função da taxa de investimento, nem do crescimento? Onde está a medula científica fora dos marcos rígidos de uma “macroeconomia ortodoxa”? A ciência reside nos pequenos detalhes que podem expressar relações e não coisas, no sentido religioso do termo. Se a taxa de câmbio desvalorizada encarece produtos nacionais, o que fazer com a inflação? Seria interessante percebermos como funciona o nosso sistema de formação de preços, esquecendo – um pouco – a taxa de investimento e o crescimento do produto.
As altas taxas de juros não têm razão científica num país com os recursos naturais como o nosso. Muito menos ainda se compreende como um país desse vive sob pressão da inflação de alimentos. A nossa inflação é produto de muita coisa. Principalmente do poder (oligopólios/monopólios) de alguns em buscar lucros máximos em época de crise, assim como monopolizar a oferta de bens alimentícios e determinar seu preço a bel prazer (oligopsônios/monopsônios)  ou ao desejo da bolsa de commodities de Chicago onde os preços da soja a ser colhida em 2025 já estão previamente determinados; assim como a morte por fome e/ou doenças provocadas por ele condena todos os dias milhares de pessoas num mundo que produz alimentos capaz de alimentar algumas vezes a própria população mundial.
E apesar do nosso país não crescer, apesar de nosso país ter um Banco Central que condena o trabalhador – historicamente com baixíssima propensão ao consumo – ao endividamento e o nome no Serasa; apesar de termos uma relação crédito x PIB ridícula (mais ou menos 50%, para alguns 60%) e uma taxa de investimentos inversamente proporcional à barbárie que assistimos no cotidiano… A inflação persiste. Assim como o casamento entre picaretagem e religião como biombo de uma inflação provocada por “excesso de crédito” na praça e “excesso de consumo” numa sociedade onde o consumo, como nos ensinou Keynes, é determinante à estabilidade social.

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Não basta reduzir a taxa de juros nem desvalorizar a taxa de câmbio. Todas as medidas pós-ajuste (se tiver pós-ajuste) devem, também, se concentrar no ataque àqueles que detém o monopólio da oferta de alimentos. Não o contrário, onde o financiamento de uma “campeã nacional” (Friboi) a leva a tornar essa prática algo natural e normal. O mesmo se aplica à redução do IPI sem retorno na geração de empregos e na própria formação de preços. O que impede a formação de imensos estoques reguladores de preços de grãos? Seria uma interferência indevida na lei da oferta e procura tão condizente com a realidade atual do mundo e do Brasil? O que impede a força da lei diante de crimes contra a capacidade de consumo do povão em especial? Ou a força da lei e da polícia tem alvo direto nos pobres, negros e moradores de comunidade?

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Neste sentido vem a discussão sobre a justeza do ajuste fiscal em andamento. Parte de uma discussão amealhada numa pobreza de pensamento dignas de um país voltado ao combate à inflação e à corrupção. Não gosto de discutir fora de padrões cientificamente postos, o que não é o caso das justificativas por detrás do “ajuste”. Aliás, tenho me negado a discutir o “ajuste” e me dedicado mais à defesa do mandato da presidenta Dilma. Porém, existem elementos mais profundos que devem ser analisados neste aspecto e que poucos tem tido a lucidez de encará-los de frente.
A questão é de poder político e quem o exerce de fato numa realidade de uma economia sem o menor controle de fluxos de capitais e onde as metas de inflação são anuais. A resposta a esta questão é importante e nos remete, necessariamente, ao Plano Real (1994) e a implementação da política de metas de inflação (“Tripé Macroeconômico”, 1999). Dois capítulos de um golpe de Estado que transformou uma das economias mais dinâmicas do capitalismo em uma adicta, viciada em preferência pela liquidez, onde um caldo de cultura de ganhos fora da produção foi incentivada sob forma de dumping sobre o Estado e o mercado interno promovido pelo próprio Estado. E onde a imprensa tem capacidade suficiente para criar uma inflação a cada semana, criando expectativas negativas ao investimento e levando o preço dos alimentos às alturas. A discussão sobre o ajuste fiscal deveria se remeter a este acontecimento (Plano Real). Mas quase todos têm um “dinheiro de Caronte”, um dízimo a ser pago para se manter no foco da imprensa e dos balcões de negócio que se transformaram as agências de fomento desde a década de 1990.
Colocar a dedo na ferida do que significou o Plano Real na nossa história, no nosso presente e no nosso futuro ainda demandará tempo. Até lá ainda estaremos debatendo o que vem primeiro, a poupança ou o investimento. Num típico debate que acredito que deveria ter sido superado, seja no final do século XIX, seja diante dos resultados obtidos pela União Soviética em seus primeiros Planos Quinquenais e na China em seus quatro últimos congêneres planos ensinados pela Gosplan.

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* Professor Adjunto da FCE-UERJ e membro do Comitê Central do PCdoB.