Política econômica enfrenta determinantes externas, internas e crise política
Mediador do debate, o economista Barroso apontou as leituras recentes de autores relevantes no cenário econômico internacional sobre a dimensão da estagnação que atinge países centrais do capitalismo, como os Estados Unidos. “Não adianta fugir dos determinantes internacionais que nos impõem”, disse ele, apontando para vetores da política econômica, frequentemente (e convenientemente) ignorados pela imprensa.
Barroso lembrou o clima de euforia que vigorou nos anos do Governo Lula, beneficiado pelo ciclo de preços altos de commodities de exportação brasileira e medidas que estimularam o crescimento do mercado interno. “As taxas de crescimento e as conquistas inegáveis e substantivas, assim como a euforia com o pré-sal fez submergir a sensação de que o Brasil não era um país subdesenvolvido”, disse ele.
O presidente da Fundação Maurício Grabois, Adalberto Monteiro, fez um comentário relativizando o cenário de fim de mundo que tentam criar no imaginário do brasileiro. Ele lembrou que, frequentemente, os cenários pessimistas pintados pelos “especialistas” tropeçam na realidade. A taxa histórica de desemprego, na faixa de 4,8%, no final do ano passado é indicativa de um cenário surpreendente em meio à profunda crise internacional.
“Eu acredito que o ajuste fiscal proposto no início deste governo é fichinha perto das medidas que viriam com uma eventual vitória do Aécio”, afirmou ele, comparando medidas de cortes de gastos que o Governo garante que não atingirão o trabalhador, e os governos neoliberais tucanos, como o atual de São Paulo e Paraná, que têm feito contingenciamentos flagrantes na carne dos servidores estaduais.
Para Monteiro, Dilma tem exercido um recuo estratégico diante de uma “brusca e forte balança pendendo para o outro lado.” “Irrompeu-se uma correlação de forças para sepultar esse ciclo de distribuição de renda que vinha se impondo pelo Governo”, disse o dirigente comunista, lembrando que houve um desequilíbrio na base de sustentação social e política do Governo, quando milhões de trabalhadores que votaram em Lula e Dilma, desviaram-se para a candidatura de Aécio na última eleição, inclusive elegendo um Congresso mais conservador. A gravidade desse quadro político, justifica, na análise de Monteiro, a postura defensiva do Governo. “A presidenta manobra, faz cedências, dentro de um ambiente de luta política, no sentido de ganhar tempo e manter e preservar o rumo”, aposta ele.
Da euforia ao “azar terrível”
Lécio Morais questionou o que teria tornado um projeto tão bem sucedido e vitorioso até 2010, o retrato do desastre econômico, conforme pintado por “especialistas”. Ele chamou a atenção para o ambiente artificial de apocalipse espalhado por setores da mídia com intenções políticas. “Esse projeto passou a viver situações cada vez mais difíceis, não é mais o mesmo cenário de euforia, mas não é o desastre que se espalha pelos meios de comunicação”, disse ele.
Morais não quis posar de “engenheiro de obra pronta”, mas apontou uma série de medidas criativas e heterodoxas do Governo Dilma, que apontavam para a solução de problemas estruturais, mas que esbarraram em contingências inesperadas que as inviabilizaram. Contingências de um mercado imprevisível à deriva num oceano de crise econômica mundial sem precedentes. As consequências dessas políticas conduzidas por Dilma, que não deram o resultado esperado, foram graves, não apenas pelo impacto econômico, mas também político. Agora, o Governo é obrigado a reaglutinar forças no mercado financeiro por meio de políticas conservadoras e concessões indesejadas.
Ele acredita que os primeiros dez anos de governo instrumentalizaram-se de inovações no campo econômico, social, e das relações internacionais, muito bem aproveitados, mantendo sem questionamentos os pilares de uma macroeconomia conservadora. Apesar da falta de controle sobre o câmbio e sobre o movimento de capitais e da oferta de juros extorsivos, o governo manteve uma base social bastante ampla, com equilíbrio entre os diversos interesses. “A situação era tão favorável, que nem o superávit para aumentar reservas internacionais, nem o tripé econômico, conseguiram restringir nosso crescimento.”
Morais defende que houve perdas “relativas” na questão industrial. “Relativas, porque a indústria vem tendo queda desde 1990, mas acumulou um crescimento robusto, de US$ 50 bilhões de crescimento industrial em 2010, chegando a US$ 120 bi de dólares”. De acordo com o economista, o pesadelo da indústria tem sido o problema da competitividade, não apenas por decorrência da política de governo, mas da conformação que o capital internacional vem tomando em relação ao Brasil. “Foi a concorrência com a Europa ocidental e a China, na área industrial, que achatou a cadeia produtiva interna”, acrescenta ele, mencionando a valorização cambial como determinante fortíssima dessa perda.
Dessa forma, os fatores que fundamentaram os governos anteriores, como a demanda interna como base do crescimento, não podem dar certo numa situação muito desfavorável como a atual. “Houve um esforço para resolver o problema da competitividade, mas que esbarrou em problemas contingentes que configuram um azar terrível”, disse ele. O economista citou a medida do Banco Central, em agosto de 2011, para reduzir a taxa de juros de forma acelerada, chocando-se com um crescimento inesperado da inflação.
Outro fator que ajudaria a competitividade (a desvalorização do real), encontrou como obstáculo inesperado o afrouxamento monetário do Federal Reserve, o Banco Central norte-americano. “O FED imprimiu 10% do PIB do país, emitidos em moeda, ou seja, um trilhão e meio de dólares vazados no mundo, o que, imediatamente desvalorizou a moeda e encareceu o real”, explicou ele, lembrando que a Inglaterra, Japão e o Banco Europeu fizeram a mesma coisa com as libras, o iene e o euro. “Em três anos, três trilhões de dólares inundaram o mundo, numa situação que fez com que fracassasse inteiramente o coração do projeto de desenvolvimento brasileiro contra a valorização do real”.
Para além desses fatores externos, a sustentação do equilíbrio social ruiu e deixou o Governo Dilma sem o instrumental político, tendo que se virar às concessões, numa tentativa de tornar o Brasil atraente ao capital internacional atacando os custos externos. Houve um esforço, frequentemente infértil contra as dificuldades burocráticas da máquina estatal, para investir e renovar a regulamentação e a infraestrutura básica, como a energia.
“A queda no preço da energia para estimular a queda nos custos da produção gerou um enorme problema político”, exemplificou ele, citando a queda de R$ 80 o megawatt hora, para R$ 13, quando poderia ter estacionado em R$ 35 e evitado um desequilíbrio maior para empresas que distribuíam dividendos para acionistas. “Isso causou um prejuízo para os fundos de investimento de US$ 2 bilhões, o que colocou o mercado financeiro contra Dilma. Falou-se até de violação de expectativa de contrato”. Para piorar, houve o problema contingente da crise hídrica no Sudeste, que liquidou com aquelas medidas que poderiam ter efeito positivo sobre a competitividade. Um terço da energia das hidrelétricas desapareceu e teve que ser coberto com a energia cara das termelétricas.
Sucessivas conduções como essa, sobre outros setores da cadeia produtiva, como transportes, permeadas por forte intervenção estatal, romperam com o equilíbrio social que sustentava a base do governo. Com isso, Dilma perdeu a liberdade usada em 2011, ao quebrar o tripé (reduzindo juros). Morais pondera ao afirmar que o projeto do Governo não falhou e, portanto, precisou mudar, mas foi feito para circunstâncias que mudaram. “Foi preciso montar um novo instrumental para enfrentar esse mundo de incertezas do movimento da economia e do jogo de forças interestatal”, diz ele sobre a imposição do ajuste fiscal. Segundo ele, o governo está tendo que escolher o que resolver entre produtividade, demanda, inflação e competitividade.
Ele destaca que medidas anticíclicas que levaram ao aumento da produção com demanda interna, por meio da inclusão de enormes contingentes populacionais no mercado de consumo, tornou o Brasil o único mercado relevante no mundo com demanda elevada mantida, o que fez atrativa a corrente de importações. “Em vez de resolver o problema do capital residente, ajudamos o capital externo com nossa enorme demanda interna”.
Segundo Morais, mesmo diante das pressões do mercado, há limites impostos aos ajustes dentro do Governo. “Agora, é realizar o ajuste e sobreviver a ele. O segundo passo é prover de instrumentos o Governo para enfrentar os movimentos tectônicos da política”, sugere.
Ele também aponta o desafio do terceiro passo, que é enfrentar o problema do desafio das mudanças geopolíticas e hegemônicas. “Somos um país intermediário, com tecnologia e indústria mediana, ao lado de uma agressividade forte do centro do capitalismo e da China ascendente. Sobreviver a isso é crucial ou estaremos como a Argentina, imprensados entre pinças”.
Negociação, não concessão!
José Carlos Braga partiu de premissas polêmicas para criticar o ajuste fiscal que o governo vem implementando para retomar a confiança do mercado. Segundo ele, nunca houve uma política de desenvolvimento, apenas um esboço. Ele lamenta que Lula não tenha criado uma política diante das condições favoráveis que teve. “A última política de desenvolvimento foi a da ditadura”, afirmou, citando o ministro dos governos militares, Delfim Netto.
Para ele, Dilma teve coragem ao partir para o enfrentamento da alta finança com a redução dos juros em 2011. “Só quem teve coragem de fazer isso, antes, foi o Getúlio Vargas, com a lei de remessas de lucros que controlou as altas finanças”.
O Brasil não foi atingido com tanta força pela crise internacional, de acordo com ele, porque o sistema financeiro brasileiro não quebrou, por utilizar-se dos mecanismos de crédito duvidosos dos países ricos. Citando Maria da Conceição Tavares, Braga disse que “os bancos brasileiros não embarcaram na aventura internacional, porque os juros, aqui, eram tão altos, que não precisava.”
Ele defende a necessidade de um ajuste, mas acredita que as medidas implementadas são mais nocivas à economia do país, do que deveriam. “O novo ministro da Fazenda diz que a estratégia se baseia em criar ambiente e palco para o setor privado desenvolver seu papel”, critica ele. “Não existe mercado de um lado e estado de outro, mas uma interação permanente, inclusive em países como EUA, Japão e toda a Europa.”
Braga avalia que a austeridade aplicada à periferia da Europa não acertou, mas promete ser aplicada aqui, com risco de atingir negativamente o Estado e a população assalariada, levando a pequena e média empresa a quebrar. “Nem acho que a estagnação vai ocorrer como dizem uns. Vai ter desenvolvimento? Sim, mas não no sentido furtadiano que nós defendemos”, disse ele, comparando com o “milagre” da ditadura, em que o país crescia, mas a desigualdade profunda se mantinha intacta.
Ainda assim, o economista tempera com um tom bastante pessimista o corte de investimentos públicos e gastos sociais, apontando um cenário negativo similar ao que apostam setores políticos de oposição ao Governo. Para ele, a retomada do aumento dos juros é desnecessária frente ao patamar próximo de 0% de países desenvolvidos. “A queda salarial está vindo, o desemprego vindo e essa coisa só tende a piorar”, previu. Para ele, “fazendo tudo que o mercado quer”, o Estado estará arrebentado com uma dívida pública maior, devido à alta taxa de remuneração por juros, “mas o investimento externo vai entrar, gerando um crescimento de capitalismo selvagem com riqueza concentrada”.
Em sua opinião, o Governo propõe esse ajuste para agradar agências de ratings (empresas que calculam o grau de confiança na economia de um país), “que já deveriam ter sido extintas no mundo inteiro”. “Elas são a expressão do crime financeiro. Uma excrecência. Dão notas boas para quem paga para elas darem notas”, afirmou, lembrando que essas agências eram extremamente otimistas com instituições financeiras que quebraram flagrantemente, envolvidas que estavam com crimes financeiros.
Em sua opinião, esse padrão de ajuste fiscal é algo que os países com desenvolvimento industrial e econômico sólido podem se dar ao luxo de assumir, mas que tem efeitos perversos em países em desenvolvimento. Braga sugere que o Governo dialogue com lideranças empresariais e representantes da classe trabalhadora para conversar e organizar um processo de coordenação e avanço. “Não pode ter esse Copom que esta aí”, atacou citando a estratégia de aumento dos juros assumida pelo Comitê de Política Monetária. “A taxa de câmbio tem que ser administrada, como a China faz e os países desenvolvidos fazem, na verdade. Não pode deixar esse sobe e desce”, disse.
De acordo com ele, o Governo tem a prerrogativa de negociar termos com as multinacionais. “Nós não somos a China, mas somos um mercado legal pra eles. Vamos desenvolver uma tecnologia em conjunto”, diz ele, sugerindo ainda que, se os bancos privados não emprestam para o sistema produtivo, sua taxa de imposto deveria ser maior. “É isso ou vamos ceder a esses panelaços de gente que não sabe nem porque está protestando?!”
Braga também critica o Governo por não defender o projeto desenvolvimentista que Luciano Coutinho, ex-presidente do BNDES, vinha implementando e que a oposição quer “crucificar”. “O Banco do Brasil, a Caixa e o BNDES são tremendos bancos que não existem no resto da América Latina”, destacou. “Precisamos travar a luta, mas estamos num cenário politico complicado, com os partidos e os movimentos sociais sem força”, avaliou.
Renildo Souza fez eco ao cenário sombrio que Braga acredita avançar sobre a economia. Para ele, a ameaça do mercado, os impactos políticos e econômicos da Operação Lava Jato e a aprovação do PL 4330 da Terceirização, estão associados a uma reversão de expectativas e o choque político que houve. Souza acredita num cenário de estagnação, recessão e inflação pelos próximos anos. “A China vem fazendo o contrário, com uma política expansionista monetária e fiscal”, sugeriu citando medidas chinesas de estímulo fiscal, ao trocar as dívidas dos estados e municípios.
“A missão de Levy é encolher os bancos públicos. Prestem atenção! O BNDES será encolhido para abrir espaço para o mercado de capitais”, previu. Para ele, o capital quer ganhar competitividade em cima do custo dos salários. “Quanto menos tempo de vida tiver esse ajuste fiscal, melhor”, acredita, defendendo a redução de despesas do Governo com juros, medidas para desvalorização do câmbio e investimentos em infraestrutura.
Para Dilermando Toni, o cenário também aponta para estagnação econômica, mas acredita na possibilidade do Governo encontrar alternativas para enfrentar essas condicionantes. “O centro das preocupações, hoje, não é o crescimento, mas combater a inflação”, lamenta ele.
Crescer demanda aumentar a produção e o consumo, enquanto o combate à inflação visa a desestimular a demanda de produção e consumo para reduzir preços.
Para ele, a natureza do problema central está no perfil do capitalismo brasileiro, fortemente dominado pela especulação financeira. “A dinâmica interna da acumulação capitalista brasileira está submetida ao rentismo. Os juros altos dão facilidade e segurança ao investidor. Qual otário investiria em produção?” indaga ele, apontando para a necessidade de redução da taxa de juros, para desatar a diminuição da dívida pública e atrair investidores para a produtividade.
Para Toni, se houve erro, não foi o exagero da presidenta Dilma em ensaiar uma política econômica alternativa. “Ao meu ver, o erro foi de ter feito pouco, de ter sido pouco consequente”, afirmou, dialogando com o cenário apresentado por Lécio Morais. Ousado nas propostas, ele também defende a necessidade de resgatar o papel dos bancos públicos, tributar grandes fortunas, romper com o tripé para controlar a taxa de câmbio, e apostar na parceria com a China para enfrentar determinantes externas. “A China é mais solução que problema para nós, pois tem disposição de fazer investimentos a curto e médio prazo de US$ 53 bi dólares, e toma iniciativas alternativas”, apostou, citando iniciativas como o Banco dos Brics, o Fundo de Fomento, além de trabalhar para tornar o yuan uma moeda conversível e enfrentar as oscilações do dólar.
O debate encerrou-se com intervenções e réplicas a partir de comentários do educador e filósofo Dermeval Saviani e do secretario nacional de Juventude do PCdoB, André Tokarski.