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    Comunicação

    Mal das bexigas

    Mal das bexigas   Remelam as águas ao olho morno do sol na Belém do Grão-Pará, e a pele confinada estoura deste mal das bexigas a cova rasa, a profunda do homem-bom (que é bom o afazendado). tanta a gente – por espera- que rasa a do homem rico, ao rés da terra o peão […]

    POR: Milton Torres

    Mal das bexigas

     

    Remelam as águas ao olho morno do sol
    na Belém do Grão-Pará,
    e a pele confinada estoura deste mal
    das bexigas

    a cova rasa, a profunda do homem-bom (que é bom
    o afazendado). tanta a gente – por espera-
    que rasa a do homem rico, ao rés da terra
    o peão

    apoucam-se os remos apoucam as canoas da coleta e descem as outras vazias
    tocam o sino às Mercês a que se vá todo o mal
    e faz-se o jejum das carnes e dos bichos de casco, os avoantes
    o peixe-boi (a que aleita) e, da fêmea do homem,
    o filho do homem.

    ao xamã da mestiça foge o branco, inda que é dia, e volta à noite- os corpos
    um só, à luz chagada da aurora. ninguém veio vê-los.
    ao convento e às casas acendem o lume
    as lamparinas de óleo as velas de sebo as de cetina
    e queimam-se os pecados neste fumo, os da carne por primeiro
    e os do Senhor sem aveça, e nem o mal se não vai

    remelam as águas ao olho morno do sol, e todos
    e cada qual no seu só, – na Belém do Grão –Pará

    anos passados, fiava Marília longo fio
    e desigual
    que, desigual, o pensar seu ao fuso põe:
    áspero o fio, e estranhado a tudo apague
    quanto fôra, e lavre Deus sem nenhum douro
    outras lavras que não estas; frágil o fio, tão estirado, desfaça-se
    passo além, e a mim desfaça de todo o espanto
    que em mim tenho; ou forte o fio, tão resistente, do suor e sangue destas minas
    estranhando, o mal ao bem reverta e torne em glória
    o baraço
    e da escarmenta a solta veste, que balouça e enfuna o vento
    qual bandeira.

     


    Milton Torres  – No Fim das Terras