Anatomia de um colapso capitalista
O mês de maio vai marcar quatro anos desde que a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional tomaram controle da economia grega. Apesar de ser uma data importante, pouca gente vai celebrar esse aniversário.Mais como uma recordação do que celebração, o fotógrafo Dimitris Michalakis fez uma seleção de 40 fotografias tiradas por ele nos últimos quatro anos. A série retrata o impacto social da austeridade na Grécia e serve como um instantâneo de quase meia década dominada por manchetes sobre “polaridade social”, “débito” e “crise econômica”.A Grécia vive hoje algo parecido com o que foi chamado de “A Grande Depressão” nos anos 1930. A crise econômica levou a uma reestruturação das condições tanto de produção quanto de consumo, bem como do tecido social.
Muitas manifestações levam a enfrentamentos violentos, que resultam em danos a prédios de grande valor histórico e arquitetônico. As ruas da cidade ficam parecendo paisagens bombardeadas.
A maioria dos cidadãos se opõe fortemente às medidas de austeridade e continuam protestando em Atenas e nas maiores cidades. A brutalidade policial e o uso maciço de gás lacrimogêneo levaram a problemas de saúde.
O governo grego lida com o descontentamento público dando mais poder às forças policiais. Nos dias das maiores manifestações, milhares de policiais enchem as ruas de Atenas e a capital se transforma numa zona de guerra. O que é irônico, considerando que o salário dos policiais também foi bastante reduzido nos últimos anos.
Muitos protestos acabam em enfrentamentos violentos com a polícia. Fogo e gás lacrimogêneo enchem as ruas da cidade, e muitos prédios acabam danificados.
A Grécia tem experimentado um aumento dramático nos suicídios. Mais de três mil pessoas se mataram ou tentaram se matar nos últimos quatro anos. Certos casos funcionaram como protesto político. O suicídio do aposentado Dimitris Christoulas, em abril de 2012, na Praça Syntagma, é o mais conhecido. Em seu bilhete de suicídio, ele escreveu: “Não estou me matando. Eles é que estão me assassinando”.
Desemprego, redução dos salários e pensões, e aumento nos impostos e nos preços estão levando as famílias gregas ao desespero.
Quatrocentas e trinta mil crianças vivem abaixo da linha da pobreza em casas sem aquecimento suficiente ou meios de cobrir as necessidades básicas.
A crise econômica tem derrubado a classe média, que é a espinha dorsal da sociedade grega. Cada vez mais camadas sociais estão experimentando a miséria.
Desde 2012, os ataques de natureza racista contra a comunidade cigana têm aumentado. Em agosto de 2012, na região de Aetoliko, um grupo de 80 pessoas, liderado pelo líder local do Aurora Dourada, incendiou várias casas da comunidade romani. Maria e sua família foram vítimas do ataque.
Imigrantes trabalham sob péssimas condições. Eles recebem de 8 a 12 euros para colher toneladas de laranja. Muitas vezes, eles não recebem o que lhes foi prometido e encaram a deportação. Quando exigem seus direitos, os fazendeiros locais até atiram neles. Foi o que aconteceu na cidade de Manolada, em abril de 2013, quando 28 imigrantes de Bangladesh acabaram no hospital – muitos em condição crítica.
Só em Atenas, são mais de 25 mil sem-teto. Eles dormem em bancos e caixas de papelão. As condições de vida pioram muito no inverno, quando eles têm que enfrentar o frio, a chuva e a neve. Apesar de milhares de casas e apartamentos desocupados em Atenas, a prefeitura da cidade não toma a iniciativa de ajudá-los.
George é agricultor e pai de três filhos. Ele trabalha de 12 a 15 horas por dia e seu salário foi reduzido em 70% nos últimos quatro anos.
Stamatia está desempregada, não tem seguro e não tem acesso ao sistema de saúde. Às vezes, ela faz faxina, mas, na maior parte do tempo, depende da generosidade dos vizinhos. Seu marido também está desempregado. Ele trabalhava na construção civil, um setor praticamente em suspensão desde 2011.
A geração do meu pai (1964) foi a última a desfrutar de serviços de saúde públicos na Grécia. O sistema de saúde nacional encolheu de maneira impressionante.
A persiana velha se tornou uma parede, caixas de papelão viraram um sofá e pedaços de náilon são as cortinas; essa é a casa improvisada de Nikos. Ele era um funcionário contratado de um setor público e vivia nos subúrbios do norte de Atenas. Agora, ele vive numa colina próxima à praia, a 100 metros das ondas.
As famílias na Grécia tiveram que fazer reduções severas nos gastos com roupas e sapatos, tantos nas cidades como nas áreas rurais. Sete entre dez gregos não tiveram um dia sequer de férias em 2013.
Em janeiro de 2014, agricultores protestaram em resposta aos altos impostos, novos cortes nos subsídios, aumento nos preços do combustível e nos custos de produção, tudo isso mais a queda dos preços de suas produções.
Quando imigrantes conseguem trabalho no campo, a polícia faz vista grossa em conspiração com os grandes fazendeiros. Quando a colheita acaba, os imigrantes vão viver nas florestas, escondendo-se da polícia por medo de serem presos ou deportados.
Esses carrinhos são uma visão comum em Atenas. Gregos e imigrantes recolhem metais no lixo, uma tentativa de ganhar a vida vendendo sucata.
Uma pesquisa de 2012, com uma amostragem de 214 pessoas, descobriu que 64,8% delas são sem-teto há menos de dois anos – um período que coincide com o início da crise. Dentre elas, 89,7% são gregas e 10,3% são estrangeiras. Além disso, 82,2% são homens, 60,7% tem entre 41 e 55 anos e 26,4% tem entre 26 e 40 anos. Uma em cada cinco pessoas tem um nível de educação maior ou igual ao universitário e 40% têm ensino médio. Costas tem 57 anos e é deficiente físico. Ele coleta sucata de dia e dorme nesse carro à noite.
Os únicos negócios que prosperam são as casas de penhores. Inspeções mostram que muitas delas não estão de acordo com as exigências legais e há suspeitas de lavagem de dinheiro. Cidadãos desesperados vão até essas lojas para penhorar joias, lembranças de famílias e até dentes de ouro.
Uma pesquisa recente sobre os efeitos da austeridade na saúde mental mostrou que 12% dos gregos se encaixam nos critérios da depressão clínica. Os grupos populacionais com as maiores porcentagens são mulheres, grupos etários entre 35 e 44 anos e entre 55 e 64 anos, pessoas com níveis baixos de educação, aqueles com renda mensal abaixo de 400 euros, desempregados e subempregados. Em 2008, a média nacional era de 3,3% e, conforme a crise financeira se aprofunda, a depressão clínica se torna um problema nacional.
Com relação aos estudantes,13,1% abandona a escola em busca de um trabalho para ajudar a família. Ao mesmo tempo, dois terços dos jovens gregos estão oficialmente fora do mercado de trabalho e fala-se em “geração perdida”, já que o país já está em seu sexto ano consecutivo de recessão.
O número aproximado de usuários de heroína na Grécia hoje é de 100 mil, em 1980 esse número era de apenas 2 mil. 58% dos usuários são desempregados.
Drogas, prostituição e ilegalidade são uma saída para a juventude grega, que se sente cada vez mais enfurecida com as gerações passadas. Eles não confiam no sistema político e temem que seu futuro tenha sido usado como garantia.
A prostituição na Grécia cresceu dramaticamente nesses tempos de crise. Dados de uma pesquisa do CNPS (Centro Nacional de Pesquisa Social) indicam um crescimento de 1.500% até o começo de 2012. Desemprego, pobreza e marginalização estão entre as principais causas da prostituição entre homens e mulheres jovens.
A prefeitura de Atenas oferece duas mil poções de comida para o almoço e outras duas mil para o jantar aos sem-teto e pessoas sem renda fixa.
O bairro de Perama está localizado a oeste da cidade. Cinquenta anos atrás, as pessoas dessa área viviam em cabanas de madeira. Em algum momento, os cidadãos fizeram hipotecas e hoje sofrem para pagá-las.
Aposentados viram suas pensões encolherem e as economias da vida inteira evaporarem. A maioria vive em pobreza absoluta, incapaz de pagar aluguel, eletricidade, telefone, água, aquecimento e remédios.
Vinte e sete por cento das famílias gregas não consegue arcar com as necessidades básicas. Cada vez mais pessoas acabam em sopões organizados pela Igreja, ONGs ou iniciativas de cidadãos.
Um aspecto crucial da Grécia contemporânea tem sido a falta de preocupação com condições de trabalho e legislações de segurança. Empregadores, especialmente em fábricas, se recusam a tomar medidas de segurança. Eles veem isso como medidas para reduzir os custos de produção.
Hellenic Halyvougia, uma das maiores companhias gregas, usou a crise financeira para forçar os trabalhadores a assinar novos contratos, reduzir salários e despedir funcionários. A produção parou e a fábrica não funcionou por 272 dias. Emboras muitas famílias de grevistas não contassem com um segundo salário, as esposas apoiaram totalmente a luta contra os proprietários.
Seis mil trabalhadores costumavam trabalhar aqui no Estaleiro Scaramaga. Ele é chamado de o “homem doente” da economia grega, depois de uma série de transações entre o governo grego e investidores estrangeiros. Centenas de matérias foram escritas sobre escândalos e submarinos avariados que inclinavam para o lado. Em outubro de 2013, o estaleiro parou de funcionar oficialmente e os mil e cem funcionários restantes foram praticamente jogados na rua.
Mesmo com a Grécia ocupando uma posição de liderança no transporte comercial, demissões, salários de 400 euros ao mês e excesso de horas de trabalho são algumas das razões que levaram os estivadores do porto de Pireu a fazer greve.
Cinquenta e seis marinheiros, a tripulação da balsa “Penelope A”, ancoraram no porto de Raphina e estão ocupando seu lugar de trabalho exigindo seus salários. Aqueles que têm família fora da região de Ática não conseguem pagar o custo da viagem para casa.
Trabalhadores desempregados do estaleiro passam o tempo pescando na área de Thriasion. Não foi apenas a crise econômica que levou à redução nos pedidos e nos reparos, mas também um boicote consciente e coordenado aos estaleiro de Perama pelos donos dos navios, que estão tentando punir os trabalhadores por suas atividades sindicais.
Na região de Chalikidiki, a nordeste do país, o suprimento do sistema de abastecimento de água foi considerado impróprio devido à alta concentração de arsênico. O cianureto que vem de três minas – Madem-Lakko, Mavres Petres e Olympiada – ameaça as reservas. Vinte e sete moradores podem ser presos por formação de quadrilha, unicamente por terem protestados contra a poluição das companhias Hellenic Gold e Eldorado Gold, cuja projeção de lucro para a mineração da área é de 13 bilhões de euros.
Doenças consideradas eliminadas décadas atrás reaparecem na Grécia em 2012. Casos de Malária foram registrados em Evros e Scala. Isso é o resultado de cortes em ações como aplicação de inseticida.