No ano passado, 15 dias antes do anúncio da queda do embargo dos Estados Unidos a Cuba, a ilha recebeu a visita de um brasileiro ilustre: Jorge Mautner. “Já que eu estava indo pela primeira vez, resolvi fazer um filme”, conta o músico e escritor que nesta segunda-feira inaugura o 1º Inverno das Artes da Fundação Clóvis Salgado. Mautner convidou o diretor uruguaio radicado no Rio de Janeiro Guillermo Planel para registrar seus passos no país de Fidel Castro.

A câmera de Planel flagrou-o tocando e cantando músicas de Roberto Carlos com cubanos em praça pública; apresentando-se ao lado de Bem Gil, ao violão, em um palco tradicional; travando contato com o ritual da Santeria, assim como visitando sinagogas.

A viagem a Havana é o que também o traz a Belo Horizonte, nesta segunda. ‘Mautner em Cuba’, que tem duração de 75 minutos e é o segundo documentário sobre Mautner – o primeiro foi ‘Jorge Mautner – O filho do holocausto’ (2013), de Pedro Bial – abre a programação, prevista para se estender até o próximo dia 27. O músico fará uma breve apresentação do filme e, logo depois, ocupará a Sala Juvenal dias com uma palestra-show.

“Como faço isso 25 horas por dia, é o maior divertimento”, brinca. Falar não é mesmo problema para ele. Aliás, num diálogo com Mautner, é difícil acompanhar a velocidade de sua mente. Para este encontro com o público mineiro, o autor de ‘Maracatu atômico’ escolheu um tema recorrente em sua obra e em suas reflexões: o Brasil. Mautner exalta sua terra natal sem qualquer pudor ou controle e mistura suas afirmações com referências ao 1livro Kaos, que ele publicou em 1963. “O mais importante é o povo brasileiro, que tem esse amálgama que vai além do multiculturalismo”, afirma.

Seu discurso passa pela filosofia, antropologia, história, religião, literatura, política e a até neurociência, uma nova paixão. Mautner entende que, em seu ‘Manifesto comunista’, Karl Marx associa as grandes transformações da humanidade com a comunicação. Para o músico, na velocidade que o mundo caminha hoje, está claro o quanto cada notícia carrega com ela uma carga de emoção. Por isso, ele encara com naturalidade a atual onda de conservadorismo na política brasileira. “Tem que haver uma onda contrária porque, senão, não tem graça.”

Ele classifica como uma grande vitória a aprovação, nos Estados Unidos, do casamento gay em todo o país. “Mas isso tudo faz parte da democracia. O que acho que falta por aqui é instrução pública para todo o mundo”, diz. Para fundamentar a ideia, lembra Tom Jobim e Bertolt Brecht. Se o autor de Águas de março acreditava que o Brasil não era para principiantes, do dramaturgo alemão ele cita uma frase famosa: “O problema daqueles que não querem saber de política é que acabam sendo vítimas daqueles que só querem saber de política”.

Não há como se aproximar das ideias e da arte de Jorge Mautner sem ouvir dele suas convicções – nada rígidas – sobre o mundo. A palestra-show tem mais fala do que música. Nos concertos, apenas a proporção é diferente. No mês que vem, Mautner faz show de lançamento em São Paulo da caixa Zona fantasma, que reúne quatro discos seus lançados na década de 1980. Ele convidou para dividir o palco a cantora Daniela Mercury. “É minha amiga, mas também por causa da posição que ela tem sobre o feminismo. É uma pessoa maravilhosa em todos os sentidos e tem pensamentos convergentes com os meus.”

Integram Zona fantasma os discos Bomba de estrelas (1981), Antimaldito (1985), O poeta e o esfomeado (1987) e Árvore da vida (1988). Todos refletem, de uma maneira ou de outra, os movimentos políticos e culturais daquela época. O repertório tem parcerias com Caetano Veloso, Moraes Moreira, Pepeu Gomes, Gilberto Gil, Robertinho do Recife, Zé Ramalho e Nelson Jacobina.

Atrações desta segunda
» 19h – Exibição do documentário Mautner em Cuba (Guillermo Planel, 2015). Cine Humberto Mauro.  Entrada gratuita, com retirada de ingressos 30 minutos antes da sessão.

» 21h – Palestra-show de Jorge Mautner. Sala Juvenal Dias. R$ 50 e R$ 25 (meia-entrada)

Além de Jorge Mautner, nomes como Jards Macalé e Paulinho da Viola, respectivamente nos dias 17/7 e 18/7, também farão parte da programação do Inverno das Artes. O projeto foi criado com o objetivo de ocupar os espaços da Fundação Clóvis Salgado num mês (julho) e num dia da semana (segundas-feiras) que não costumam ser dos mais movimentados.

De acordo com Ray Ribeiro, diretora de programação do Palácio das Artes, as atrações se concentram nas áreas de música, cinema e artes visuais.

BIOGRAFIA DO MALDITO

Nascido em 1941, no Rio de Janeiro, Jorge Mautner começou a carreira artística em 1956. A primeira música foi Olhar bestial (1958) e, em 1962, publicou o primeiro livro, Deus da chuva e da morte. Há 50 anos gravou um compacto com as canções Radioatividade e Não, não, não. Durante a ditadura militar, exilou-se nos Estados Unidos. Ao retornar ao Brasil, em 1968, assinou o roteiro do filme Jardim de guerra (Neville D’Almeida). Nos anos 1970, conheceu Caetano Veloso e Gilberto Gil, em Londres. Tornaram-se parceiros no movimento Tropicália. Lançou 19 discos e ao menos 13 livros.

1º Inverno das Artes
Palácio das Artes. Avenida Afonso Pena, 1537, (31) 3236-7400. Detalhes da programação no site da Fundação.

Publicado em Uai.com.br