O marxismo morreu! Este era o grito de guerra dos ideólogos neoliberais no início dos anos 1990. Poucos foram aqueles que, diante desse desafio, responderam: “então, viva o marxismo!”. Para sermos sinceros, essa morte já havia sido anunciada várias vezes. Quando Marx ainda vivia, o professor Duhring afirmou que essa teoria estava ultrapassada. Em 1907, Benedetto Croce anunciou o fim do marxismo. Ao longo do século XX, com mais ou menos estardalhaço, outros anunciaram a mesma tese. Todas essas previsões mostraram-se falhas. Mas, agora, garantiram médicos insuspeitos, o defunto rebelde não levantaria mais do seu túmulo para levar novas confusões ao mundo burguês.

O problema é que este mundo entra em verdadeiras barafundas por si mesmo. Cada vez que uma crise assola o sistema – e os povos sentem na carne suas consequências nefastas e rebelam-se –, a figura de Marx se revigora. Afinal, não foi ele que descobriu os mecanismos ocultos das crises do capitalismo e deu as pistas para sua superação. Contudo, parece que a necessidade de conhecer mais e melhor as obras marxistas, desta vez, não se reduziu às principais vítimas do capital: os trabalhadores.

Em 2008, o conservador Times, referindo-se ao pensamento de Marx, estampou: “Ele voltou!”. E o New York Times não ficaria para trás ao afirmar: “O patrimônio de Marx ressurge depois de 150 anos”. Perguntamos: Teria mesmo ido embora? Grandes especuladores e dirigentes do mundo capitalista, como o direitista Nicolas Sarkosy, teriam lido O Capital. O próprio papa fez referências positivas ao velho diabo nascido em Trier. Estranhamente, parecem querer achar uma saída para sua crise no principal arauto de sua superação. Em breve constatarão – se já não o fizeram – o quanto estão enganados.

A casa onde nasceu Marx em Trier na Renânia recebeu mais de 40 mil visitas em 2010 – destas, 10 mil foram de chineses. A mesma coisa ocorre em relação a seu túmulo, em Highgate, Londres. Ironicamente, fica próximo da tumba do darwinista social Herbert Spencer. Marx, ao lado de Darwin, continua o líder de acesso na google.
Numa pesquisa realizada por uma televisão alemã, Marx aparece em terceiro lugar entre as grandes personalidades da história daquele país. A BBC também pode averiguar o seu prestígio entre os ingleses. Marx foi eleito o maior filósofo de todos os tempos. Lembro que, logo após a derrota da Comuna de Paris (1871), Marx constatou que seria, possivelmente, a pessoa mais odiada em Londres.

Embora já se tenha falado e escrito muito sobre Marx e Engels, é preciso aceitar o fato que eles continuam pouco conhecidos. Parte significativa do que escreveram continua inédita. O projeto de publicação de suas obras completas ainda está em andamento. Este é um esforço que já dura quase 100 anos e envolveu centenas de pesquisadores de diversos países. O seu objetivo é a publicação dos 114 volumes que compõem toda a obra conhecida dos dois pensadores alemães. Atualmente, foram realizados cerca de 50% desse trabalho. E em relação  à metade que ainda falta muitas coisas ainda poderão ser reveladas. Diante deste quadro, será que alguém em sã consciência poderá afirmar peremptoriamente que conhece esses dois autores? 

Marx como Pensador – o texto do professor Rolf Hecker que a Fundação Maurício Grabois disponibiliza aos leitores brasileiros – é o resultado de uma conferência realizada quando da comemoração dos 125 anos da morte de Karl Marx, em 2008. Ele tinha como objetivo “analisar como mudaram as representações sobre Marx e sua obra nos últimos 15 anos”. Para Hecker, elas mudaram muito desde a queda do muro de Berlim, “tanto no que diz respeito à avaliação e à classificação de suas formulações teóricas (…). Para que isso fosse possível, contribuíram, sobretudo, a edição da Marx-Engels-Gesamtausgabe (MEGA) e os resultados da pesquisa feita em torno dela”.

Portanto, Hecker tem como fio condutor de sua exposição o projeto de edição das obras completas. É a partir dele que analisa as várias facetas do autor d’O Capital: como crítico da economia, filósofo, historiador, jornalista e político revolucionário. Entra na complexa relação existente entre Marx e seu “segundo violino”, Friedrich Engels. Neste último caso, aproveitando-se das novas pesquisas realizadas, rebate aqueles que rejeitam qualquer proximidade teórica entre esses dois grandes pensadores socialistas alemães e, mais do que isso, dizem que Engels havia representado algo negativo para o desenvolvimento de um suposto marxismo autêntico.

O cientista político Michael Krätke afirmou “que a publicação de todos os manuscritos de Marx deveria colocar um fim na ‘exagerada e ilimitada repreensão feita a Engels’”. Continua ele: “Enquanto não se tinha acesso aos manuscritos, essa crítica era puramente especulativa, pois apoiava-se em falsificações facilmente demonstráveis do texto marxiano. Hoje, porém, elas podem ser caracterizadas como sendo insustentáveis”.

Conclui Hecker: “Marx e Engels foram amigos íntimos e companheiros de luta (…), mas eles não eram ‘gêmeos univitelinos’, e tinham caráter e interesses distintos. Por isso é que a sua relação também deve ser examinada sob o angulo histórico-crítico. A edição da MEGA também contribuiu de forma decisiva para a realização das mencionadas tarefas da pesquisa sobre Marx e Engels”.

Hecker é um profundo conhecedor das obras de Marx e Engels, especialmente das virtudes e vicissitudes de suas edições. Ele é professor e presidente da Associação de apoio à edição MEGA e da revista Contribuições para a pesquisa sobre Marx e Engels – Nova série, membro da Sociedade Leibniz de Ciências de Berlim e da Associação Helle Panke.

Por fim, agradecemos a Luciano Martorano não só pela tradução da conferência, mas também por sua discussão com o autor no sentido de adaptar o texto para as necessidades do público brasileiro. 

* Apresentação ao livro Marx como pensador de Rolf Hecker, lançado pela Fundação Maurício Grabois e editora Anita Garibaldi em 2011.  

** Augusto Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e revolução brasileira: encontros e desencontros e Meu verbo é lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos pela Editora Anita Garibaldi.