Luciana: Frente ampla contra a ofensiva golpista
A aula inaugural do Curso Nacional de Nível III, que ocorre entre 13 e 24 de julho, em Jacareí (SP), promovido pela Escola Nacional de Formação João Amazonas, com o apoio da Fundação Maurício Grabois, foi a oportunidade para um contato privilegiado com a leitura atualizada da conjuntura política, apresentada pela presidenta nacional do PCdoB, a deputada federal Luciana Santos (PE). O elenco de quadros comunistas de várias partes do país usufruiu de uma análise privilegiada da atual ofensiva política que a oposição impõe ao governo, em meio a uma crise econômica que avança a partir de um contexto internacional desfavorável. A dirigente comunista apresentou as tarefas para o enfrentamento unitário e organizado contra este consórcio de direita que se articula contra o Governo Dilma a partir do poderio econômico, midiático e institucional.
O embate radicalizado no Brasil, segundo Luciana, explicita para a população o antagonismo de dois projetos: aquele do estado mínimo como modelo político econômico e social defendido pelo neoliberalismo conservador e elitista, e aquele do “estado necessário para promover e induzir o crescimento, o processo de inclusão social e as garantias básicas de qualidade de vida do povo brasileiro”.
Luciana parafraseou o pernambucano Barbosa Lima Sobrinho, que já distinguia essas oposições entre “o projeto de Tiradentes e o de Silvério dos Reis”, contrastando o mártir da independência do país com o traidor da conspiração libertadora. A dirigente afirma que poucas vezes esteve tão evidente o embate para tomar o controle sobre o estado nacional, para que ele se adeque “aos interesses de uma elite pequena, que o entende, apenas, como extensão de suas vontades”. “Vivemos um momento que deixa mais evidente que estamos no poder, mas não temos o poder”, analisou ela, sobre o papel conquistado eleitoralmente pela esquerda.
Os anos de Silvério dos Reis
Luciana lembra que, embora a esquerda e as forças progressistas a frente do Governo tenham interrompido a sangria do estado neoliberal, hoje, o consórcio oposicionista faz parecer que o país está sendo dilapidado, repetindo diuturnamente mentiras para a população. “FHC foi mais nocivo para o Brasil, que Collor, por ter tido apoio para realização da agenda neoliberal. Tudo que era significativo de patrimônio nacional foi vendido, e conseguimos resistir com muita luta à privatização da Petrobras e do BNDES”, avalia ela. “Foi a época dos grandes escândalos da privatização das telecomunicações”.
Hoje, conforme menciona ela, o país amarga as consequências de ter perdido parte considerável de seu patrimônio e riquezas, como é o caso da privatização da Vale do Rio Doce.
“Sob o tacão de uma alta taxa de juros e desemprego galopante, as políticas de educação e saúde não faziam parte da lógica governamental, porque eram parte da lógica de mercado”, lembra ela, revelando o prejuízo que essas políticas tiveram durante os mandatos neoliberais. “Se não superamos isso, pelo menos interrompemos”, diz ela, sobre a mudança na lógica de funcionamento do estado, a partir do Governo Lula.
Luciana também destaca o fato do segundo ano do primeiro mandato de Dilma ter tido a coragem de reduzir a Selic às menores taxas de juros dos últimos anos, 7,25%, “o que favoreceu o crescimento”.
A defensiva tática
“Aprendi aqui neste curso que, no escambo, se trocava uma riqueza pela outra, com parâmetro no sal, depois no ouro, até que o capital não teve mais correspondência em ouro. Há um espectro de capital que não corresponde a nenhuma riqueza real, por isso temos essas bolhas nas bolsas de valores”, disse ela, introduzindo a análise da recente crise internacional, de 2007, que levou à quebradeira de bancos e ao desemprego galopante nos países centrais do capitalismo.
“O Brasil resistiu ao primeiro momento da crise, ao eliminar a dependência do FMI passando a ter um esteio financeiro que evitou a quebradeira. Tivemos que tomar medidas anticíclicas para manter o emprego, assegurar a produtividade, e manter os programas sociais”. Luciana ainda citou os enormes investimentos mantidos, apesar da crise, no Programa de Aceleração do Crescimento, no financiamento estudantil (Fies), na ampliação de vagas nas universidades, no enfrentamento da desigualdade regional, no relançamento da indústria naval, na construção civil, com o Programa Minha Casa, Minha Vida, e no estímulo à cadeia produtiva da indústria automobilística.
Em seguida, ela passou a analisar as circunstâncias que envolvem o segundo mandato da presidenta Dilma. Destacou, por exemplo, a crise hídrica que teve impacto o preço da energia e dos alimentos, influenciando negativamente as taxas inflacionárias e o crescimento da indústria. “As medidas anticíclicas se esgotaram e a crise internacional passou a atingir com mais danos os países em desenvolvimento, entre eles o Brasil”.
“Com os limites impostos pela crise, o ajuste é uma página que precisamos virar neste segundo mandato da presidenta Dilma”, sentencia ela. A série de medidas tomadas pelo governo para alavancar a economia no contexto da crise, têm seus efeitos mitigados pelos juros altos e cortes orçamentários, que acabam, segundo ela, “secando gelo”.
Aproveitando-se dessa fragilidade econômica e do enfraquecimento do principal partido do governo, Luciana avalia que este é o maior momento de ofensiva do consórcio oposicionista contra o projeto da esquerda e das forças progressistas. “Esta luta política se dá em vários frontes institucionais, como o Judiciário, desde as primeiras instâncias, no Tribunal de Contas, no Tribunal Superior Eleitoral, nos partidos, no Congresso e na mídia, com o massacre do pensamento único ao falar em pedaladas e mentiras contra Dilma”.
Para além da defensiva estratégica vivemos uma defensiva tática, de acordo com a dirigente comunista. “No aparato do estado temos uma ideologia da burguesia que acredita estar ali por mérito”. Ela lembra sua experiência como prefeita de Olinda (PE), quando seus secretários passavam mais tempo no Ministério Público se justificando, do que na Prefeitura.
“Com isso, avança o pensamento que criminaliza a política, por meio da presunção de culpa em vez da presunção da inocência”, diz ela, sobre o modo como tem atuado a Operação Lava Jato, que ignora princípios elementares do estado de direito para criminalizar o PT, a esquerda em geral, e outros partidos da base aliada.
A necessária contraofensiva
Na análise da líder do PCdoB, havia a ilusão em setores do PT de que o aparato do poder não precisava ser disputado. “É preciso disputar a hegemonia do poder político, pois as elites sempre fizeram isso com maestria em influenciar as instâncias para seus objetivos estratégicos”, sinaliza ela, para as tarefas do enfrentamento.
Entre os embates possíveis pela frente, Luciana saúda o esforço estratégico de Dilma nos BRICS (grupo que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), ao fortalecer um polo de resistência diante do cenário de crise mundial, e fazer contraponto ao imperialismo. A conjuntura internacional também traz notícias favoráveis com a vitória do plebiscito da Grécia contra a austeridade imposta pela União Europeia, embora a luta do povo grego prossiga sem desfecho.
Para Luciana, vivemos uma luta de classes num patamar tão tensionado, “com uma linha tênue de ódio de classes e uma intolerância que não é característica da construção da nossa nacionalidade”. Para ela, é preciso observar e reagir a isso. “Nunca vi uma eleição com o pensamento conservador tão ousado em sair do armário com sua homofobia, classismo elitista e racismo (contra negros, regionalismos e religião)”, espanta-se ela, acrescentando que esse clima se expressa abertamente no Congresso Nacional, por meio de votações vitoriosas pela redução da maioridade penal, pelo Estatuto da Família e a terceirização de atividade fim.
Para ela, essas vitórias conservadoras representam retrocessos civilizacionais. “As pessoas acharem graça em insultar lideranças petistas em restaurantes, ou por lerem uma revista ou xingarem a presidenta… Isso nunca foi característico do povo brasileiro. Precisamos resistir”, aponta ela.
Defesa do mandato da presidenta Dilma
“Precisamos tomar a iniciativa política, e nos agarrar a bandeiras progressistas para fazer a contraofensiva”, afirma Luciana. Segundo ela, defender o mandato da presidenta Dilma é a centralidade desta tática, sua luta política central. “A defesa da Constituição e das normas legais é necessária para combater a sensação de estarmos num estado de exceção, em que se prende para coagir sem qualquer base legal”, diz ela, pontuando a estratégia política da oposição neoliberal.
“Há a necessidade de fazer uma frente ampla política, que passe não apenas pela defesa do mandato de Dilma, mas também pela defesa dos direitos dos trabalhadores”, defendeu.
Defesa da Petrobras e da engenharia nacional
A defesa da engenharia nacional e da Petrobras também está no coração de uma estratégia contraofensiva, de acordo com a dirigente. “Por trás dessa operação Lava-Jato, se escondem desejos inconfessos de setores entreguistas que fazem o jogo das multinacionais que querem se apropriar das riquezas de nosso país”, diz ela, citando o profundo impacto sobre o crescimento do PIB nacional, a paralisação das empresas de construção civil e da própria Petrobras.
“Quem vai realizar estas grandes obras que se prometem por todo o país? A quem interessa impedir as empresas brasileiras de trabalhar? Empresas italianas, russas, chinesas e americanas são mais idôneas que as brasileiras?”, indagou Luciana, colocando em questão os interesses que a elite brasileira evita explicitar para o povo por meio de sua mídia. “Que os corruptos e corruptores sejam presos, mas que sejam preservadas as empresas nacionais”.
Por outro lado, há medidas de parlamentares da oposição que precisam ser combatidas. Luciana citou o projeto do senador tucano José Serra, que pretende tirar da Petrobras a condição de operadora única da exploração do pré-sal. “O pré-sal é o file das descobertas das áreas de óleo e gás; um manancial de riquezas”.
Ela também mencionou a proposta de mudanças significativas no Pacto Federativo, que enfraquece o papel da União, e, portanto, a capacidade indutiva do estado num momento de crise e ajuste. Com isso, ela alinha os projetos de lei em curso, que devem ser combatidos pelos setores progressistas, em torno também de direitos civis, pacto federativo e o regime de partilha do pré-sal.
Luciana também citou a manobra do PSDB e de outros partidos da direita no caso das supostas “pedaladas fiscais” do Governo Dilma, ora em julgamento no âmbito do Tribunal de Contas da União. Segundo ela, com apoio da mídia, a direita tenta criar na população a desconfiança de que Dilma desrespeita o controle fiscal por meio de manobras contábeis. Segundo ela, o Governo Dilma está esclarecendo todos os questionamentos do TCU, além do fato de serem expedientes comuns, ao qual recorreram outros governos, e nenhum deles sofreu qualquer condenação por isso.
Para Luciana, a corajosa defesa do Governo não pode anular o senso crítico do Partido. Ela cita, por exemplo, a discordância do PCdoB em relação ao crescente aumento da taxa de juros, e também o chamamento que os comunistas têm feito para que o Governo retome a iniciativa política.
O importante papel do PMDB
“O ambiente da macropolítica é muito adverso e contaminado pela ameaça do impeachment”. Nessa circunstância, Luciana situa o PMDB como um aliado decisivo. “Temos que nos agarrar ao que é central: a unidade na luta”. Segundo ela, é preciso valorizar o PMDB, e agregar mais partidos na frente ampla. Luciana considera que Michel Temer tem sido um eficaz interlocutor político do governo neste momento crítico.
Para ela, é preciso entender o papel conjuntural do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB) e de Eduardo Cunha (PMDB) como aliados que, no fundamental, têm tido atitudes muito caras na defesa ao Governo, como o combate à iniciativa de impeachment. “Não nos interessa o isolamento. O isolamento seria a antessala do golpe.”
“Os comunistas agirão diante desse cenário, como sempre, firmes nesse conteúdo”, declara Luciana. Para ela, o Partido tem condições de apontar os caminhos para a saída política dessa crise. “Pra isso, precisamos de mais comunistas nas lutas sociais. Onde houver um cidadão lutando, nós vamos estar influenciando no conteúdo, para dar conta da luta e da saída para o povo brasileiro”.
Total engajamento na manifestação de 20 de agosto
Luciana também fez uma convocatória de total engajamento do PCdoB e demais forças progressistas na nova rodada da batalha das ruas, prevista para o mês de agosto. No dia 16 de agosto, está prevista uma manifestação de rua puxada pela direita e no dia 20, será a vez das manifestações lideradas pelos movimentos sociais, partidos de esquerda e forças democráticas, tendo como mote “contra o golpe, em defesa da democracia e por mais direitos”.
Ao comentar as intervenções dos participantes do curso, Luciana foi abordada, principalmente, para o debate sobre as lutas pelos direitos civis, no centro dos ataques conservadores no último período. Ela enfatizou que a luta pelo socialismo vai para além do modelo econômico, “uma luta por um novo homem e uma nova mulher”. Ela citou a visita recente do filósofo Domenico Losurdo, que resgata as três lutas de classes em Marx e Engels, ao citar a luta emancipacionista da mulher como uma das formas desse embate, junto com a luta dos trabalhadores e da luta anti-imperialista.
Luciana se mostrou reflexiva com a conjuntura para o avanço de uma regulação da mídia, já que o Governo está muito isolado neste quesito. Ela contou ter relatado o projeto de direito de resposta, medida elementar de uma regulação dos meios de comunicação, que, nem assim, passou. Mas considera importante que o movimento social e o PCdoB continue fortalecendo a denúncia e a crítica dos abusos dos meios de comunicação. “Esta é a frente que mais deteriora e esgarça a disputa política”, afirmou. Mas ela considera positivo o enfrentamento à revista Veja, por meio do corte de verba publicitária.
Ainda neste primeiro dia de abertura do Curso Nacional do Nível III da Escola Nacional João Amazonas do PCdoB, houve a participação de Maria Prestes (viúva de Luiz Carlos Prestes), do filho Luis Carlos Prestes Filho e da neta, Ana Prestes. Eles compareceram para o lançamento do filme “A Coluna Prestes atravessa o Brasil, 90 anos depois” e o lançamento do livro-álbum fotográfico sobre a viagem da família ao Rio Grande do Sul.