TÃO SERVIDO? OU PORFIA DESAFORENTA

– As cantigas provocação são cantigas tradicionais do Brasil, das mais antigas.
Parece serem procedentes de antigas tradições portuguesas, do século XVII.


Em algumas delas, o camponês se transforma em seres animados ou não; pode ser uma mulher pesarosa, pela perda do marido em além-mar; ou velha rabugenta, pode ser uma criança traquina fazendo reinações, pode ser o Pererê a fazer das suas, ou um animal doméstico, por quem o camponês tenha um carinho especial; pode ser até uma árvore, pedra ou flor. De fato, o camponês pode, nessas cantigas, ser quem quiser; menos ele próprio. Algumas dessas cantigas podem ser pantominas, algumas vezes podem ser provocações diretas ou veladas. Estou em fase de hibernação, para poder lembrar de algumas delas.

Esta é uma de “ironia”, das que eram feitas quando havia mutirão na Fazenda São José e os colonos trabalhavam dois dias para o bem estar geral da comunidade (leia-se fazenda) em que habitavam. Nesses mutirões, consertavam estradas de terra, cascalhavam, reformavam pontes sobre pequenos rios e córregos. Quando chegava a hora do almoço, sempre havia alguém espirituoso para ironizar aqueles que eram gulosos. Como havia uma tradição entre os caipiras de sempre oferecer partilha de qualquer coisa que se comesse defronte de outrem, esta surgia sempre:

 

-O que tenho é pôco
E si num comê tudo
Num tenho mai sarvação
Si eu oferecê; é só mode
A minha inducação
E aquele que aceitá
Nem merece cunsideração:
-Tá servido Targino?


…………………….pausa (SILÊNCIO)………………….

– Nhô não, seu Joaquim!

– (PS: Seu Joaquim dos Santos, meu pai, era useiro e vezeiro desta cantiga!)

 

 


   Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.