Há cartas que não se respondem.

Há cartas pálidas como uma rosa aberta
e que se esfolham em nossas mãos.
Há as que demoram e chegam no Outono,
e têm gosto de mar, de cinza e esquecimento.
Há inesperadas, que voam sobre campinas baixas
e são como a chuva amarga e os temporais.
Outras são pesadas e dormem sobre a cômoda,
escorrendo conselho [s] que se lêem com um suspiro.
Mas existem as que são como pássaros
e trazem as asas úmidas de matinal rocio.
E há também as que são infantis
e voam leves à brisa cor-de-laranja
que vem do fundo dos quintais…

 

O sentimento não se dissolve com as horas.
Tudo é esperança no olhar junto à vifraça.
Há cartas vermelhas que ardem nos dedos,
beijos, soluços que a paixão modelou.
(Lembra-se? Corpos de sal que a lembrança marinha
gravou no álbum de férias sempre alheias..)
E há as de adeus, as frias e mutiladas,
as que se lêem depressa nas estações,
as que são finas e doem a vida inteira,
as que são pardas e falam com lábios molhados,
as que um dia são descobertas de repente,
amarelas, murchas da palavra não compreendida.
Há as que são como gelados aquários,
frio e chama de países não viajados.
Há as que [não] são nossas
e chegaram por engano num dia de Inverno
e as que, dormindo, achamos sobre o colo,
como um ramo selvagem que trouxéssemos da serra.
E há também as que não foram escritas,
as que esperamos sempre e não virão jamais,
as que existem apenas em silêncio,
mas cujas palavras, ai de nós, sentimos reais
como envenenada música em nosso próprio sangue…


[Atlântico- Revista Luso- Brasileira, 1946.]
[[Diário Popular?], S.I.]
[Fundo Plínio Doyle, FCRB, SI]


Livro: Poesia Completa
Autor: Lúcio Caetano
Edição Crítica: Ésio Macedo Ribeiro
Editora: USP
São Paulo, 2011