O Brasil na segunda guerra mundial
O Brasil na segunda guerra mundial
uma página de relações internacionais
Teresa Isenburg
Como escapamos do Nazismo, por Palmério Dória
Em 10 de maio de 1938 acontece um golpe sangrento, o Putsch Integralista. Um grupo tenta tomar o Ministério da Marinha e o Palácio Guanabara, residência de Getúlio. Sua família passa a noite se defendendo pessoalmente. As forças enviadas para defendê-la, a 100 metros dali, demoram cinco horas para chegar. O ministro da Guerra, Eurico Dutra, passa incólume pela barreira golpista. O chefe do Estado Maior, Góis Monteiro, também. Alzira Vargas, a filha de Getúlio, acha estranho, muito estranho. Os Mesquitas, claro, não iam perder essa. Seus amigos, coronel Euclides Figueiredo e Otávio Mangabeira, também. Presos sob acusação de participação em mais este golpe, Julio de Mesquita Filho e companheiros saem da prisão pouco depois.“O Brasil na Segunda Guerra”, o novo livro de Teresa Isenburg, ajuda a entender as manobras de Getúlio e seu ministro das Relações Exteriores Osvaldo Aranha em meio a esse ninho de cobras, para isolar os grupos pró-Eixo quando o conflito militar global eclodiu em setembro do ano seguinte. Dutra e Góis Monteiro formavam com Filinto Muller, chefe da Polícia do Distrito Federal, a tríade policial-militar chegada aos governos nazifascistas, que se empenhava em manter uma neutralidade (que “na prática significava uma ajuda aos países do Eixo”, observa Teresa). Ou, como dizia Dutra, manter a casa trancada e o interior dela em ordem. Getúlio passa a planejar, cada coisa ao seu tempo, o que interessa ao esforço de guerra aliado na medida em que desarticula o que a autora define como “sonho de uma integração ideológica e racista” com Hitler e Mussolini: o envio de tropas brasileiras para lutar ao lado dos americanos na campanha da Itália, a instalação de base americana em Natal, trampolim para alcançar a África, e a mobilização de um exército de retirantes nordestinos para deslocar-se rumo à Amazônia e extrair o látex para suprir as necessidades das tropas aliadas na Europa. “Borracha para a Vitória”. Teresa, implacável e arguta, analisa com lupa todos esses acontecimentos, que nos deixaram sequelas terríveis. Mas, como italiana de coração brasileiro, se desdobra em resgatar a campanha dos 25 mil soldados da FEB na Itália. Volta a Montese, um dos teatros da guerra. Recupera cartas, ouve depoimentos carinhosos sobre a nossa presença, confirma que até hoje somos tidos como boas praças por lá. O mesmo não se pode dizer da alta oficialidade, entregue a um torneio de vaidades, lustrando sua biografia, incapaz de assumir seus erros. O olhar de Teresa contempla a fase de preparação dos combatentes, com desfiles e apresentações em que negros eram barrados, o que aconteceria também no continente europeu primeiro diante do rei Humberto, da Itália, depois do próprio Winston Churchill; a saída deles do porto do Rio, em sucessivas levas, para o porto de Nápoles, “entre o úmido outono de 1944 e o gelado inverno de 1945”, com temperaturas que chegavam a 20 graus abaixo de zero. Sempre sob a vigilância do anticomunismo histérico de Dutra. Ele sustentava que todos eles, vulneráveis, voltariam com ideias “exóticas” por causa do contato direto com os partisans, que de fato foi o melhor possível. O que levou o eterno Ministro da Guerra e futuro presidente a tratá-los como inimigos internos logo que voltaram ao Brasil, desmobilizando-os num passe de mágica, devolvendo-os aos seus Estados, sem chance de exibir, como seus colegas americanos, seu uniforme de herói. Aquele que tantas vezes foi confundido com o dos alemães nos campos de batalha.Quando Getúlio renunciou, em 29 de outubro de 1945, Dutra e Góis Monteiro já estavam afinados e alinhados, unidos e coesos com os Estados Unidos e seu embaixador Adolfo Berle, que conspirou abertamente para o golpe. Quando o coronel Vernon Walters plantou-se no Brasil em 1963, para organizar o golpe do ano seguinte, encontrou 13 generais brasileiros que conviveram com ele na Itália. Entre eles Humberto de Alencar Castelo Branco. Todos bateram continência para o coronel. Já estávamos sob nova gerência.
Teresa Isenburg é professora titular de Geografia política e econômica na Universitá degli studi de Milão. Dedicou suas pesquisas a dois temas principais: a governança da água e a organização do território no espaço italiano em outro filão tratou dos aspectos da geografia política do Brasil. Sobre o Brasil escreveu diversos livros: Lo spazio agricolo brasiliano, Milano, Angeli, 1986; Naturalistas italianos no Brasil, São Paulo, Arquivo do Estado/Icone, 1990; Brasile: uma geografia política, Roma, Corocci, 2006; L’amazzonia e la foresta, Milano, Jaca Book, 2012. Além disso aprofundou o tema da construção do espaço pelas economias ilegais no livro Legale/Ilegale: uma geografia, Milano, Edizione Punto Rosso, 2000. Desenvolveu sempre atividade política nos partidos de esquerda, sindicatos e organizações da sociedade civil.