Professor associado na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (UFG). Graduado em Letras (UFG, 1984), diploma de Abilitazione all’Insegnamento della lingua e della Cultura Italiana per Stranieri pela Università Italiana per Stranieri di Perugia (1989), mestrado em Letras e Linguística (UFG, 1993) e doutorado em Letras pela Universidade de São Paulo (1999). Diretor da Faculdade de Letras de 2001 a 2005 e pró-reitor de Extensão e Cultura da UFG de 2006 a 2013. Coordenador-geral de comunicação do Instituto de Estudos Brasil Europa, projeto financiado pela União Europeia, de 2011 a 2013. Entre vários artigos, ensaios e resenhas, publicou Italo Calvino: as passagens obrigatórias (Editora UFG) e traduziu A literatura vista de longe, de Franco Moretti (Arquipélago Editorial). Este artigo foi realizado graças a bolsa recebida pela Capes. O projeto prevê uma segunda parte, sobre o Processo de Bolonha.

Sr. Ministro,

Com clareza de sua missão, a nossa universidade pública não teria assumido o papel quase que único de propulsora de “inclusão” social. Ao invés de cuidar mal das minorias, a natureza da instituição universitária é produzir ideias e inventos que mudam o modo de estar no mundo. Escolhi o senhor como destinatário deste texto para, de uma assentada, atingir dois objetivos: enviar ao responsável minha tentativa de colaborar com as políticas públicas que dizem respeito à Educação Superior no Brasil e, ao mesmo tempo, realizar parte do meu compromisso com a Capes. O risco de ir para a lata de lixo está a um golpe de mão, mas já não importa, o meu sentimento de dever cumprido fica satisfeito.

As ciências humanas, melhor ainda, as ciências do espírito, perderam o seu lugar; muitas delas se trasvestiram só de “ciência”, isto é, tornaram-se quantitativas, demonstráveis, pesadas. O rigor passou a ser o horror “quantitativo” das citações, dos questionários subjetivos que produzem dados objetivos, em suma, caíram no logro da produção tipo publish or perish de onde as crias, no geral, são natimortas. Tornaram-se muito parecidas com certas ciências duras e burras[1]. Perderam o balanço do pensamento. Assimilaram uma linearidade falsa, artificial.

Surpreende que o pensamento livre abra mão de conceitos – excelência e mérito – que estão na base da própria concepção de universidade, como se fossem neoliberais porque os neoliberais delas fazem uso. Um espanto! Espanto maior é saber que dirigentes do Estado e de universidades aceitam o veto. O tédio de certos textos pedagógicos e acadêmicos esmorece. Busco o contrário: a oscilação, o jogo. A ausência da camisa de força do método como método. De início, me impus um desafio: escrever este trabalho sem nenhuma citação no corpo do texto. Experimentar a construção do pensamento no atrito, na angulação dos pontos de vista. Avanços, recuos, pontes, saltos. Tons. Um gênero literário: a forma livre do ensaio.

Meu projeto inicial era maior, depois veio o peso da cidade, da idade. A debilidade do meio e meus limites fizeram minha ambição, ave pequena, pousar, tonta, desengonçada. Aí o vinho me ajudou[2].

Gestão de quadros: pessoas preparadas e de visões de mundo diversas em postos-chave
O assunto é complexo, de difícil solução, de implicações políticas tais que, olhando hoje o nosso panorama político e o nível de formação cultural e de honestidade dos nossos governantes, qualquer um diria que são tarefas impossíveis, portanto utópicas. Não se constrói uma nação sem utopias, sem grandes desafios. O necessário é ter uma ideia de nação. Depois, quadros bem preparados para levar avante essa ideia. A formação de quadros e o aproveitamento deles dentro do serviço público é o que de mais inteligente o Estado pode fazer para dar início ao jogo.

O que seria a expressão “massa crítica” senão justamente a imbricação da competitividade com a cooperação? Competir para formar homens e mulheres com habilidades e competências diversificadas e para criar soluções para o desenvolvimento do país. Com quadros bem preparados, de extração social e visões de mundo diversas, em postos-chave, o país caminha. A velocidade desse caminhar será dada pelo contexto político de cada etapa do caminho; o importante é não parar e seguir o rumo, que é aquela ideia de nação. Os nossos quadros hoje são descartados, as políticas de Estado não têm continuidade. Mudar o Brasil para o amanhã significa criar um sistema de gestão de quadros hoje. Um sistema de gestão de quadros hoje, para a gestão do futuro e do passado do Brasil. Com gestão do passado: história, memória, arquivos, museus, instituições, obras etc., se faz o futuro. O presente é o aqui e agora, que estamos deixando escapar.

Universidade é antes de tudo um ambiente proporcionado pela arquitetura do campus e pela massa crítica reunida em liberdade nesse espaço autônomo. Então, uma experiência internacional válida será somente aquela que encontre esse ambiente verdadeiramente universitário.

A novidade da internacionalização planejada
O mundo já nasceu internacional. A mobilidade é uma característica da espécie[3]. A educação já nasceu internacional. O novo no processo atual, ou o quase novo, é a internacionalização pensada, “planejada”, estabelecida como meta. É o dinheiro e o tempo colocados a serviço da internacionalização pelos Estados nacionais. A Universidade de Bolonha, autoproclamada a primeira universidade do mundo e confirmada, politicamente, como tal em 1988, com a assinatura da Magna Charta Universitatum[4] nasceu internacional com as corporações de estudantes ditos Ultramontani (os estrangeiros) e Citramontani (os italianos)[5]. O racismo que hoje percorre a Europa é um tipo de oportunismo político que procura mascarar graves questões econômicas de responsabilidade da Europa colonialista que parte da Europa moderna procura esquecer, inclusive quando se lança em aventuras imperialistas, patrocinadas pelos EUA: Iraque, Líbia e Síria. E repetir isto mil vezes ainda será pouco, perto dos milhões de vezes em que essa informação será sonegada[6].

A autonomia e a flexibilidade na contratação do professor universitário teriam que ser as mais amplas possíveis. O controle seria feito pela responsabilização dos envolvidos no recrutamento.

Aspectos práticos da mobilidade são solenemente ignorados
Como em 2001 − Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, um lance para cima: os acordos e as mobilidades, hoje, são feitos num nível tal de formalidade e de “boas intenções”, que coisas práticas e essenciais para qualquer experiência internacional são muitas vezes deixadas de lado. Casa, comida, encanador e Internet, entre outras, nunca, ou quase nunca, entram no pacote. Daí que o pesquisador passa parte do tempo de sua pesquisa tentando se organizar para sobreviver. Aquilo que constitui uma universidade por excelência, isto é, o ambiente universitário, onde se desenvolvem os encontros e os desencontros da “massa crítica”, ficam de fora. São, somos, jogados em outro país sem quase nenhuma estrutura de apoio, pois, como regra, as instituições que nos deveriam dar apoio tampouco receberam apoio de antemão para se desobrigarem de mais um trabalho. Se os acordos são feitos em nível governamental e os “russos” não são avisados, eles, às vezes, podem não concordar e, como seria de se prever, boicotam, ou fazem de tudo para que a coisa não funcione.

Concursos públicos, nos moldes atuais, eximem toda a cadeia de envolvidos de qualquer responsabilidade, do Ministro ao Reitor, do Diretor de Faculdade ao Departamento, da banca de seleção ao indivíduo que dela faz parte. Mas, antes ainda de se deparar com as condições de trabalho em sua instituição de destino, o candidato à mobilidade internacional terá que passar pelo consulado para obter o visto para estudos ou pesquisa. E os consulados vão dificultar[7].

Consulados são órgãos sem controle, ou pelo menos os seus funcionários querem dar essa ideia. Possuem cultura própria, inacessível para os cidadãos. No geral, estão envolvidos em guerras pueris de bastidores e com inimigo certo: você. Agem como que por vingança, humilham, são perversos. “O tanto que for possível ser, ou parecer ser, idiota e arrogante para humilhar o mendicante de visto, nós o seremos” é a consigna dos consulados do mundo. Os consulados detêm um poder de polícia muito mais sofisticado do que a violência policial (que só iremos encontrar, no plano internacional, depois de superado, se superado, o consulado).

A coisa chegou a tal ponto que, em algumas instituições, é o Ministério Público que dita o recrutamento. A responsabilização se deslocou da qualidade acadêmica para a rigidez burocrática policialesca. As leis, as normas, ou a falta delas, são feitas sob medida para a pequena política, para a pequena vingança. Todo o processo é envolto em uma nebulosa. Nada, ou quase nada é como está escrito, e o que está escrito é muito pouco, o que permite o vale tudo. A lei feita ad hoc, ad hominem. Um caso não é exemplo para outro caso. Inventa-se tudo de novo, de acordo com as circunstâncias e o humor do dia. Uma conclusão de um certo tipo não é modelo para casos do mesmo tipo. Os procedimentos não são hierarquizados – o que vale é o livre-arbítrio do funcionário, policial frustrado, de plantão.

Depois que o candidato é aprovado, de ninguém é a responsabilidade nem pelo bom nem pelo mau recrutamento. Tanto um como outro farão parte do corpo docente por 30 anos. Se o selecionado for aquele menos competente, só a aposentadoria vai liberar sua vaga. Passada essa fase, o pesquisador, o estudante internacional, chegará ao país estrangeiro traumatizado e carregado de preconceitos que uns conseguirão superar, outros não. Estabelecer um catálogo das aberrações, das violências dos nossos consulados, seria uma boa pesquisa e deveria interessar aos ministérios e governos que promovem a internacionalização das universidades. Da parte do corpo diplomático, a justificativa está pronta: segurança nacional, imigração ilegal, trabalho abusivo, terrorismo. Essas razões são “aplicadas”, inclusive, sobre professores efetivos, com rendimentos comprovados, gente madura que não está disposta a lavar copos, limpar bundas ou se tornar despachante de drogas na maturidade, gente de passado limpo, de endereço conhecido, de CV público.

Quem sabe de estratégia sabe que da boa seleção de quadros depende a boa administração do Estado que, por sua vez, só será capaz de recrutar bons quadros se já contar com bons quadros. Eles não dão como banana e, por sua importância estratégica, não podem ser desperdiçados. E aqui a primeira observação, Sr. Ministro: os acordos devem pensar nas coisas práticas, nos vistos, nas moradias, no acolhimento do pesquisador ou estudante internacional no país de destino. Também nesse caso, deve valer a lei da diplomacia internacional, ou seja, a reciprocidade. O bom acolhimento deve ser uma regra e uma exigência. A vingança escondida de funcionários e policiais frustrados não pode ser o único exercício de reciprocidade no meio desse processo. Para ilustrar o estado da arte em relação às normas para a obtenção do visto de pesquisador na Itália, sugiro a leitura do documento do Consiglio Universitario Nazionale/CUN da Itália, intitulado: Semplifica Università III. A proposito di internazionalizzazione: un fast track per un “visto di ricerca”[8]. A existência de um documento como esse deixa à mostra as vísceras da questão. Um casal de amigos, professores/pesquisadores, foi fazer pós-doutorado na Bélgica, sede da União Europeia. A burocracia ali desconhece a modalidade de visto de pós-doutorado, professor visitante ou algo que o valha. Experiência atroz, a deles. Entraram como trabalhadores. E agora terão que declarar renda, como se fossem trabalhadores extracomunitários. Como se tivessem recebido algum tipo de provento da Bélgica, da Bélgica que nem mesmo os acolheu como era de se esperar, para quem leva salário e bolsa de estudos do país de origem. Para quem, em suma, pode pagar suas contas e, mais do que isso, aporta um valor significativo de divisas no país. Tudo isso acontece mesmo quando, na maioria dos casos, na instituição que vai te acolher, pessoas honestas, leais, esclarecidas procuram te ajudar de todos os modos, pessoas de uma gentileza impagável. Quem já esteve na Questura di Bologna de Via Bovi Campeggi, 13/3 para fazer o permesso di soggiorno, sabe. Sim, depois da via crucis do visto no consulado, quando se chega na Itália, ainda é necessário fazer o permesso di soggiorno. E tudo se repete.

Na expansão do sistema universitário, o planejamento estratégico foi nulo. Partiu-se de um raciocínio, apesar de verdadeiro, simplista. Creio que inúmeros fatos como esse, e é dever dos governos colecioná-los, depõem contra o discurso e a prática da internacionalização e expõem a falta de planejamento e de entrosamento entre os órgãos responsáveis pela gestão de programa de tamanha envergadura. Para nós, no Brasil, ainda falta mesmo a sistematização do problema. Nem mesmo nos demos conta dele, ou fingem o desconhecimento?

A expansão deveria ser atrelada à internacionalização, concebida e realizada para que o país alcançasse independência científica e tecnológica.

Internacionalização sem projeto
A construção de um edifício, depois de muitas discussões, propostas, decisões, começa pelo alicerce e com o projeto final aprovado. A internacionalização das universidades começou pela cobertura, e sem projeto aprovado. Os pesquisadores e estudantes já dão a volta ao mundo, mas as condições para isso ainda não foram criadas. As exceções existentes deveriam servir de modelo e ser objeto de estudos: o que funciona e o que não funciona na internacionalização? Buscar as boas práticas é uma boa prática. Mas os governos desconhecem as boas práticas. O lançamento de programas sem a mínima sustentação — mesmo quando a palavra mais em voga no mundo hoje seja sustentação — é mais importante. Depois? Depois se lança um novo programa.

A garantia de qualidade passa pela qualidade de quem avalia que, por sua vez, também precisa ser avaliado. O sistema hoje é dominado por “escolas”, por gente que chegou lá porque faz parte de um grupo. No grupo, o que conta é fidelidade e não competência. Universidade é antes de tudo “ambiente universitário”; e por ambiente universitário entende-se um ambiente proporcionado pela arquitetura no espaço do campus e, ao mesmo tempo, um ambiente proporcionado pela massa crítica reunida em liberdade nesse espaço autônomo. Então, uma experiência internacional válida será somente aquela que encontre esse duplo ambiente. A instituição que não se preocupa, que não reconhece, que não sabe dessas necessidades, não está preparada para a internacionalização. Isto significa dizer que o pesquisador e o estudante internacional, exatamente porque têm um período relativamente curto na instituição hospedeira, precisam encontrar essas condições já dadas. De forma objetiva, precisam de uma proposta de habitação e de circulação entre os pares. Quanto tempo se leva para construir o mundo da casa e da interlocução em um país estrangeiro? Que isso dependerá também da individualidade e personalidade de cada um, não restam dúvidas, mas é dever da instituição hospedeira facilitar esse processo[9].

É pesaroso descrever as práticas de um período eleitoral nas universidades brasileiras. A responsabilidade do Reitor eleito pelo “processo democrático” é praticamente nenhuma; ele não tem o compromisso de elevar a universidade a patamar algum.

Competitividade e cooperação não são noções antagônicas
Se quisermos efetivamente participar da internacionalização da Educação Superior, temos que nos preparar para isso. O improviso só pode ser aceito em situações muito específicas e delimitadas; para tudo o mais, serve o planejamento. E pisamos em espinho, quando assentamos os pés na mais recente expansão do nosso sistema universitário, no Reuni, na criação dos Institutos Federais e na criação de novos campi. Nesses três programas, o planejamento estratégico foi nulo. Partiu-se de um raciocínio, apesar de verdadeiro, simplista: temos um número comparativamente pequeno de jovens matriculados no ensino superior porque o sistema público de educação superior é pequeno, portanto, vamos expandir o sistema. O que poderia ser uma vantagem estratégica, foi desperdiçado de forma grosseira. As perguntas mais elementares, no momento de expansão, não foram feitas, por estúpido oportunismo eleitoral. Vamos expandir o sistema com que objetivo? Qual a experiência dos sistemas universitários que foram expandidos? Expandir somente em termos numéricos faz sentido nos albores do século XXI? As muitas salas vazias das universidades europeias, os custos das universidades europeias, a faixa etária da população europeia e a “caça” ao aluno internacional pelas universidades europeias não dizem nada? Mas foi mais forte o vezo brasileiro do “desplanejar” agora, para pagar mais caro depois. A conta chegou e a fórmula se repete: cortar na carne, interromper programas e projetos que não podem parar.

Somente em condições excepcionais a língua inglesa, como língua de disciplinas em países que não são de língua inglesa, deveria ser considerada um fator de qualidade. Em todos os casos não excepcionais, é colonialismo travestido de coisa inteligente. Internacionalizar a universidade para avançar o conhecimento; a possibilidade de êxito para a expansão teria que ter mirado nesse propósito. Canalizar recursos para construir um sistema altamente atrativo e competitivo em termos de qualidade de pesquisa e de didática. E aí o problema: competitividade. Os nossos defensores da “esmola para os pobres” têm horror da palavra competitividade e da competição em si mesma. Acreditam, que se fecharem os olhos para a competitividade, em todos os âmbitos da vida, ela deixa de existir. O nosso sistema foi plasmado e expandido, tendencialmente, de forma homogênea. Claro que homogêneo é modo de dizer, é falso, mas o que importa a falsidade quando ela soa melhor na hora de fazer discursos e lançar “novos” programas? Se o nosso sistema fecha os olhos para a competitividade, parte considerável do mundo externo está de olhos muito abertos para ela. E joga e disputa para vencer, sem consideração nenhuma com coitadinhos da periferia. As caneladas não são um mau jeito, são do jogo. Portanto, a expansão, via internacionalização, deveria ser concebida e realizada para que o país alcançasse independência científica e tecnológica em todos os âmbitos da vida e da cidadania. Com clareza de sua missão, a nossa universidade pública não teria assumido o papel, quase que único, de propulsora da “inclusão” social de pobres, negros, pardos índios, gays e deficientes físicos. Pelo contrário, ao invés de cuidar mal das ditas minorias — e, ao mesmo tempo, perpetuá-las —, o que é da natureza da instituição universitária é produzir ideias e novos inventos que mudam o modo de estar no mundo. Por outro lado, no embrulho geral, muito do que é dito e havido por “minorias”, são verdadeiras maiorias, ou não somos um país pardo e de maioria pobre?

O único motivo válido para um curso ser ministrado em língua inglesa seria a ocasião de ter um grande professor que não tem tempo ou interesse em aprender o português, mas que, tudo somado, seria importante para o país do ponto de vista do avanço do conhecimento. Um parêntese: mas que nome insosso nos deram: pardos! O pardo é quase um pálido, é o pouco brilhante. Impõem-nos que sejamos o lusco-fusco, a meia-tinta, a dissimulação, a atitude falsa, o disfarce das cores. E a nossa classificação em raças foi uma vitória de gente que se acha avançada, gente que de boca pra fora defende a diversidade! O que antes confundia, a nossa grande riqueza cromática, foi reduzida a cinco cores para efeitos estatísticos! A nossa raça é autodeclaratória, mas temos somente cinco opções. E os índios precisam de um certificado para se autodeclararem índios, uma espécie de reserva de mercado dentro da reserva de mercado da miséria. Eu posso declarar-me pardo, branco, preto, amarelo; mas índio, não. Se com certeza tenho sangue negro (sangue preto?) e posso declarar-me pardo, por que se, com certeza, tenho sangue indígena não posso declarar-me índio? Veja a resposta com os antropólogos e outros pensadores que idealizaram e, grande vitória, estabeleceram o racismo como política de Estado. Eles irão lhe falar de “reparação” histórica aos índios, aos pretos e aos pardos. Em tese, todos pobres. E a reparação aos brancos pobres? Só se estudarem em escola pública, como castigo, talvez, por serem brancos e pobres.

Em uma sala de aula bilíngue o uso, a transição de uma língua para outra se faz pela exigência da matéria, não por decisão de agências internacionais de rankings universitários. Dessa forma, o nosso sistema universitário de assistência social tornou-se uma grande máquina de enxugar gelo, quando poderia criar mais riquezas para sanar a brutal desigualdade econômica da sociedade brasileira. Pobres continuam a ser produzidos em larga escala, pois não temos ciências humanas, nem ciências duras e nem tecnologia para estancar o processo. E quem gosta de dar esmola volta para casa de consciência tranquila: hoje ele fez o “bem”. Ele não só “incluiu” um cidadão, como garantiu que ele vai ter para o resto da vida algum quase-cidadão para ser incluído. Direito à cidade? Uma coisa para o futuro do deus-dará. Distribuição de renda? Sim, desde que conserve a matriz globalizada das desigualdades: a extrema concentração do capital financeiro.

A internacionalização só é positiva se possibilita ao estudante ou professor em mobilidade criar rede. Rede afetiva, de pesquisa, cultural. Se um estudante vem ao Brasil e não tem a obrigação de aprender o português brasileiro, pois frequentará um curso em inglês, ele viverá em uma bolha no Brasil. E o que se levanta contra a competitividade é a cooperação, como se fossem atitudes antagônicas. Como se as olimpíadas não demonstrassem que competição e cooperação podem andar e andam juntas. Ou então, o que seria a expressão “massa crítica” senão justamente a imbricação da competitividade com a cooperação? Competir para formar homens e mulheres com habilidades e competências diversificadas e para criar soluções para o desenvolvimento do país, seria isso o que um sistema universitário virtuoso, motivado e bem subvencionado deveria ter como finalidade primeira. Pareceria inútil, mas é sempre melhor o resguardo: depois da finalidade primeira vem a segunda, a terceira etc., etc., porém essas outras só poderiam vir desde que a primeira fosse bem estabelecida. O que não é, claramente, o caso do sistema universitário brasileiro. Se bem que de modo sub-reptício, pardo, o nosso sistema universitário assume as feições de uma grande bolsa família, um lugar de sobrevivência. É uma chatice, mas será preciso repetir mil vezes: claro que no sistema existem ilhas de excelência; o problema é que os bolsões de excelência são malvistos pelo establishment universitário, não criam modelo, pelo contrário, são tidos como lugares competitivos! E o governo da República faz de conta que não é com ele. A competitividade tem o seu lado negativo, selvagem, violento? Certamente, mas caberia ao governo direcioná-la em sentido virtuoso – aliás, se a competitividade pode ser violenta é porque nós, seres humanos, podemos ser violentos. A cultura da boa cooperação pode ser estimulada juntamente com a cultura da boa competitividade, porque também a cooperação para delinquir existe.

Competitividade sadia nacionalmente, competitividade segundo a lei da reciprocidade no plano internacional.

E reconhecimento e prêmio para os melhores talentos, para os melhores grupos de pesquisa e de didática, para as instituições que mais se destacarem. Prêmio em posição na carreira, em rendimentos, em subvenção. Para quem diz que não trabalha por dinheiro: medalhas, certificados, discursos. Segundo o caso, a área de conhecimento e a contribuição efetiva para o desenvolvimento do país daquela ideia, daquela invenção, daquele processo didático, daquela patente, a autonomia universitária estabeleceria uma hierarquia de valores e de tipologia de prêmios. Parcerias para premiar boas soluções que envolvessem governos e empresas privadas seria o melhor dos mundos. Hoje, em sua maioria, o empresariado brasileiro está voltado para as costas da Flórida e de costas para as universidades brasileiras.

Leis objetivas para regular o ‘tráfico’ entre professores/pesquisadores e empresas
Preconceito de um lado, visão curta e imediatista do outro. Burocracia infernal no meio: Corruptissima re publica plurimae leges (Quanto mais corrupto o Estado, maior o número de leis, máxima  atribuída a Tácito). Citar coisas tão antigas, só tem um propósito: mostrar que, em certo sentido, a célebre frase de Lampedusa em Il Gattopardo “se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi” (se queremos que tudo permaneça como está, é preciso que tudo mude), nos deixa um gosto amargo e desolado na boca. Sobre o excesso de leis, na Itália de hoje, existe a mesma expressão atualizada: oliare i posti giusti per accelerare le pratiche[10]. O que reforça o nosso parentesco com a pior Itália e, malgrado nós mesmos, potencializa o Estado policial, mas, no fundo, nada muda. Só aumenta a necessidade de “lubrificar” a burocracia, que deriva diretamente do excesso de leis. E os legisladores, os políticos, e os operadores das leis, os advogados, ganham sempre, de qualquer dos lados que estiverem no balcão: na defesa ou na acusação. O mesmo vale para a doença; mais doenças e uma corrente grande, grande, vai lucrar. No que diz respeito ao nosso objeto, a universidade, sucede uma coisa simples e banal, mas que é obscurecida por um discurso que reclama à ética (as muitas leis também atendem à “ética”) e torna-se uma gambiarra de pontas escondidas. Simplificando é assim: as licenciaturas, em geral, têm pouca chance de ganhar dinheiro fora da universidade. Já os chamados cursos de alta demanda: medicina, engenharias, direito etc., pelo contrário, têm muita facilidade no mercado aberto da compra e venda (a questão aí passa a ser de competência, verdadeira ou falsa que seja). As leis, impulsionadas pelos discursos da ética de quem não consegue vender o seu produto, tentam impedir quem pode ganhar dinheiro de ganhar dinheiro. Em suma, instaura-se uma fábrica de foras-da-lei que todo mundo sabe que existe, mas que “ninguém” faz nada para eliminar. Simplesmente, porque é impossível evitar que quem pode ganhar dinheiro ganhe dinheiro. E perdura o discurso moral impotente, mas que acusa de peito estufado. Pode-se fazer um paralelo com a “lei seca”, ou, a proibição do momento: a luta contra as drogas com o uso de leis e polícias em que, como no caso dos advogados, ganha sempre um lado e o outro também: os traficantes e “as forças da ordem”. Poucas leis, objetivas, acessíveis e transparentes para regular o tráfico entre professores/pesquisadores e empresas é do que o Brasil precisa, para tirar o “inferno das leis” de entre a relação universidade/empresa. Para o bem do país.

Treinar e avaliar os avaliadores
Competir e cooperar para produzir.  Avaliar[11], para incentivar e premiar a boa produção e não o formalismo dos processos, é o desafio de todo sistema. Tarefa complexa e nunca pacífica. Mas de uma coisa já se sabe: as ciências duras e seus parâmetros quantitativos, só com muita mediação podem servir de régua para as ciências humanas. A truques e manipulações, toda e qualquer avaliação está sujeita. Buscar critérios transparentes, recrutar, treinar e avaliar os avaliadores são tarefas imprescindíveis para atenuar o desconforto que uma avaliação sempre gera em instituições e pessoas mal avaliadas. Uma avaliação séria é cara, por isso mecanismos de rotina de recolha automática de dados, que podem vir a ser indicadores, precisam ser criados e colocados em ação. Transparência, segurança, publicidade e acessibilidade desses dados devem ser garantidas. Um software pode fazer toda a parte mecânica da avaliação. A leitura e interpretação dos dados, a avaliação fina e criteriosa, deve ser feita por pares e às cegas até onde isso for possível e, de todo modo, o conflito de interesses deve ser minimizado. O recrutamento e o treinamento de avaliadores deveriam ser incorporados à rotina dos órgãos de controle. A garantia de qualidade passa pela qualidade de quem avalia que, por sua vez, também precisa ser avaliado. O sistema hoje é dominado, em parte, por “escolas”, por gente que chegou lá, porque, antes de tudo, faz parte de um grupo. Gente que fez o que queriam que fizesse, que leu a cartilha do produtivismo tout court e que finge acreditar nele (e pior ainda se, de fato, acreditar). No grupo, o que conta em primeiro lugar é fidelidade e obediência, e não competência. Esse tipo de associação, no sul da Itália, recebe um nome que, mutatis mutandis, reflete um fenômeno universal, contra o qual as instituições têm que criar mecanismos de controle cada vez mais inteligentes.

Brain circulation e brain gain
Uma expansão, pensada in lineacom a internacionalização da Educação Superior, cuidaria de criar a estrutura de base para tornar o Brasil participante da “circulação de cérebros”, a brain circulation, ao invés de ser a pátria da brain drain (fuga de cérebros), o que poderia transformar o nosso país, se o trabalho fosse bem feito, em um lugar de brain gain, um lugar em que o cérebro gera riqueza (a tradução literal “ganho de cérebros” não rende o significado). Um pesado investimento em criação de legislação apropriada, residências universitárias, laboratórios de ponta, salários competitivos, política de recrutamento internacional e prêmios por resultados nos colocaria em condições de criar uma massa crítica de peso internacional e dar o famoso salto que outros países já deram para uma sociedade mais rica, mais igual e mais solidária. Com a vantagem, no caso brasileiro, do seu território continental, de sua grande população, de suas imensas reservas naturais e da nossa mestiçagem.  Para que isso aconteça, Sr. Ministro, é preciso ter uma política clarividente, racional, estratégica. Já perdemos várias janelas históricas, vários momentos em que a escolha de uma política ou de outra, poderia definir o devir do país.

Objetivo da expansão foi apresentar um número
O nosso sistema, da forma como existe hoje, não é atrativo para a população estudantil internacional em mobilidade; pelo contrário, é o nosso jovem que é atraído e incentivado a ter uma experiência internacional – coisa positiva, sem dúvida. Para atrair o estudante internacional, é indispensável que cada instituição tenha um foco de atuação pelo qual se destaque e seja reconhecida. Professores e alunos estrangeiros saberiam qual centro procurar, de acordo com suas áreas. Em um sistema tão vasto e desigual como o nosso, apesar de se pretender homogêneo, é impossível atingir um padrão internacional de qualidade para todas as universidades em pouco tempo — e talvez muito provavelmente seja coisa impossível e indesejada. Mas é possível focar em áreas do conhecimento e em instituições já com vocação “natural” para a excelência naquilo em que se propõem a ser de excelência. As palavras excelência e mérito foram ideologizadas e satanizadas. Na verdade, foram “sequestradas” por grupos ideológicos distintos. Dessa forma, uma convenção não escrita identifica imediatamente quem faz uso dessas palavras em sentido positivo como de direita, neoliberal e coisa que o valha.

Do outro lado, quem as usa em sentido negativo se acha sempre de esquerda e igualitarista. O que, de fato, corresponde, mais ou menos, ao atual estado do debate, mesmo porque, no geral, os grupos que se dizem de esquerda são de uma ignorância obscurantista atroz. O que surpreende é o pensamento livre abrir mão de palavras e conceitos que estão na base da própria concepção de universidade, como se essas palavras e conceitos fossem neoliberais, porque os neoliberais delas fazem uso. Um espanto! Espanto maior ainda é saber que dirigentes do Estado, de universidades, aceitam o veto, que gente honesta abre mão desses conceitos e entrega-os irresponsavelmente para os financistas e privatistas de todos os matizes.

Temos que ter centros de excelência. Nenhum país no mundo consegue, conseguiu, manter sistemas homogêneos de qualidade (isto quando se pensa em qualidade como o estado da arte em, principalmente, alta tecnologia e conhecimento de ponta em “ciências caras”, para dizer de forma genérica). Cada instituição de Educação Superior deveria ter a sua missão específica — elaborada segundo a sua história, segundo as forças que a animam, segundo o grau de competição que se estabelecer no sistema, além daquela missão geral que é de todas — e por ela deveria responder, deveria prestar contas. Tanto o corpo docente quanto o corpo discente devem ter claro em que tipo de instituição estão entrando: instituição de pesquisa no estado da arte? Instituição de pesquisa em problemas brasileiros de base? Etc., etc. Não vou e nem seria capaz de definir todas as possibilidades aqui. O importante é o conceito. Tendo consciência de onde estou e de que foi uma escolha, mesmo que condicionada por fatores econômicos e pessoais, eu deveria saber lidar com o fato de que, por exemplo, a minha instituição não está no estado da arte em determinado ramo da pesquisa ou em nenhum. Caso eu fosse um talento e encontrasse outros talentos nessa instituição, caberia a nós mudar esse estado de coisas. O próprio desenvolvimento do país, proporcionado por uma ciência de base e uma ciência aplicada excelentes, levaria à diminuição do condicionador econômico das minhas escolhas. O Estado deveria cumprir o seu papel e dizer claramente que o custo de um centro de excelência em alta tecnologia ou em “ciências caras”[12] é muito maior do que o custo de nossos cursos de letras, filosofia, história etc. Mas também que um centro de excelência que produzisse a tecnologia e o conhecimento que impulsionasse o nosso desenvolvimento econômico traria consequências positivas para todo o tecido social e, inclusive, pagaria os nossos cursos de letras, história, filosofia etc. que, vistos por esse ângulo, são “improdutivos”. Com mais recursos, as nossas ciências humanas também podem ser de excelência, com outro tipo de fazer e produzir e, principalmente, formar. Essenciais e diferentes, mas que proporcionam um tipo de riqueza sem a qual nenhum Estado pode sobreviver. O Estado deveria deixar claro para as ciências duras que, sem as ciências humanas, não existiria nem Estado e nem mesmo eles, pesquisadores em ciências duras porque, afinal, não existe formação em ciências duras sem as ciências humanas. Sem os embates sociais, nem mesmo o conceito de nação existiria.

Se tudo isso fosse dito de forma objetiva, acompanhada de uma equitativa distribuição de recursos, muitos dos problemas e equívocos seriam superados. Ou pelo menos o principal dos problemas: a falta de planejamento estratégico de longo prazo. As discussões intermináveis e características da instituição universitária continuariam, pois elas também fazem parte do universo universitário. O importante é que se andaria para frente.

Na recente expansão, o Estado se acovardou. Se em 12 anos, o Brasil passou de 3 milhões de estudantes na Educação Superior para 7 milhões, em pouquíssimos casos, comparativamente, o Estado dirigiu essas matrículas para verdadeiras necessidades do país. No geral, valeu a “democracia”, isto é, o faça o que tu queres, pois a tudo a viúva paga. Praticamente, o único objetivo da expansão era justamente apresentar esses números: 4 milhões de novas matrículas. Uma política cuidadosa de detecção e mapeamento das áreas de excelências já existentes e o aporte de novos incentivos de pessoal, de máquinas e de estrutura física, com consequente exigência de resultados pactuados, nos teria possibilitado dar saltos no domínio de conhecimentos e de novas tecnologias que continuamos importando. Da mesma forma, a indução da criação ou o reforço substancial a áreas do conhecimento em que somos muito atrasados, mas que são essenciais para o nosso desenvolvimento e independência, teria criado a massa crítica necessária para o domínio de tecnologias e processos que hoje são entraves para a produção nacional. Importamos, praticamente, tudo o que é desenvolvido com alta tecnologia ou, no máximo, montamos no Brasil e, é de conhecimento comum, exportamos commodities. Mesmo sabendo disso, poucos são os passos dados para a superação. Mesmo tímidas iniciativas que são tomadas pecam porque são de fôlego curto, porque não preveem recursos estáveis para o longo prazo. Contentamo-nos em apresentar os números da expansão, da inclusão e, como não dá para esconder, da indigência de milhões e milhões de brasileiros. Os recursos do pré-sal, se chegarem, podem tomar o mesmo caminho: serem jogados pela janela. Alerta, Sr. Ministro!

A carreira de um professor não pode ser a de um funcionário público de outras carreiras
Para que as universidades pudessem atender aos interesses do país, o sistema de recrutamento e a carreira do professor universitário teriam que ser repensados. Concursos públicos, nos moldes dos que existem hoje, eximem toda a cadeia de envolvidos na sua realização de qualquer responsabilidade, do Ministro ao Reitor, do Diretor de Faculdade ao Departamento, da banca de seleção ao indivíduo que dela faz parte. A preocupação, hoje, é principalmente com o formalismo do processo, com regras rígidas de cumprimento das rígidas regras burocráticas! Depois que o candidato é aprovado, de ninguém é a responsabilidade nem pelo bom recrutamento e nem, certo, pelo mau recrutamento; e tanto um como o outro, irão fazer parte do corpo docente por, mais ou menos, 30 anos. Se o selecionado for aquele menos competente, só a aposentadoria irá liberar a sua vaga. A coisa chegou a tal ponto que, em algumas instituições, é o Ministério Público que dita e controla todo o processo de recrutamento. Isto significa que as instituições caíram na criminalidade, que a responsabilização se deslocou da qualidade acadêmica do processo de recrutamento para a rigidez burocrática da cabeça de um policial, de um autômato cumpridor do formalismo das regras. A famosa autonomia universitária raramente é invocada quando ela é atacada pelo MP. Para quase tudo o mais, sim, mesmo que só em nível propagandístico.  O recrutamento de um professor universitário não deveria nunca ser equiparado ao recrutamento de um servidor público; a carreira de um professor universitário não deveria ser nunca a carreira de um servidor público das outras carreiras. A autonomia e a flexibilidade na contratação do professor universitário teriam que ser as mais amplas possíveis; o controle seria feito por meio da responsabilização dos envolvidos no recrutamento e deveria prever a demissão ou o desvio para outra função − garantida a defesa das partes envolvidas − do recrutado que não correspondesse ao esperado (o que, obrigatoriamente, teria que ser descrito de forma transparente, sintética e objetiva nos papéis da seleção) e, em algum tipo de penalização ou prêmio, a depender do sucesso ou insucesso do recrutamento, segundo a importância do papel desempenhado no certame, aos responsáveis pelo processo de seleção. A própria comunidade poderia, usando de sua autonomia, estabelecer os vários tipos e modos de penalidades e prêmios.

Por outro lado, a universidade deve sempre ser entendida também como um lugar de “desajustados”[13]: a liberdade, o ócio[14] e uma certa dose de irresponsabilidade, de atitudes e eventos insólitos fazem parte de sua constituição. Retirar esses aspectos, que fazem parte da própria definição de universidade, é sufocá-la, esterilizá-la. In medio stat virtus (a virtude está no meio), diz a locução latina. O ócio universitário é o sal da sua criatividade, da sua fertilidade. É o ambiente que faz a universidade, já dissemos, e o seu ambiente compreende também o seu desarranjo, o seu livre deixar os talentos desabrocharem. O talento não é uma pessoa normal, isto é, nunca é aquilo que se convencionou chamar de pessoa normal. A universidade sabe disso[15]. E pessoas “normais” que conseguiram se infiltrar nesse ambiente vão tentar controlá-lo, estabelecer regras rígidas para o aqui e agora, para os comportamentos, para a papelada a ser preenchida que assolam e continuam a aumentar, em resumo, para o controle burocrático estúpido, ineficaz e ineficiente da vida na universidade.

Uma instituição universitária deve se pagar, essa é a conta a ser feita. Considerando todo seu “desperdício”, ela deve se pagar. Milhões de boas ações, de pequenos projetos que, por exemplo, ajudam o pobre (e o rico) a limpar a calha para evitar o mosquito da dengue (ou a malária), não valem uma pesquisa que, por exemplo, apresentasse o resultado da vacina contra a dengue ou a malária, nossas doenças tropicais. O que representa, em termos de economia e de saúde pública a vacina contra a dengue ou a malária? Uma grande invenção, uma grande descoberta, paga uma instituição universitária por 10, 20 anos!!!! E se pensássemos nas patentes que a Embraer utiliza e que estão em poder de companhias estadunidenses, o que a faz cair no jogo ideológico e geopolítico dos EUA? Por que não investir pesado para obter soluções nacionais? Qual o preço de uma patente dessas? Quantos anos pagaria da ociosidade de uma instituição ou de um, vários, professores-pesquisadores?  A outra riqueza que boas universidades geram, em um contexto sadio, é, aparentemente, menos palpável: é o conhecimento social difuso. Também referido como nível cultural de um povo. É o entendimento de que educação formal não é gasto, é investimento.

O ócio de um estudioso, de um ambiente de estudos, tem que ser computado nesse custo e é também responsável por aquela invenção. É graças ao ambiente que “desajustados” ajudam a formar que o talento se revela e inventa, e cria. As companhias de alta tecnologia da informação que hoje dominam o mundo, como Microsoft, Apple, Google, Facebook etc., têm a sua organização de trabalho inspirada no campus universitário. O que elas aprenderam com o ambiente universitário que nós não podemos aprender com elas? A adaptação da espécie é uma velha verdade, por que a universidade resiste à ciência?

A Universidade como repartição pública ruim
Uma instituição universitária pode ser tudo, menos uma má repartição pública, aquela onde os funcionários não pensam, se negam a pensar e dão respostas padronizadas: para casos diferentes, a mesma resposta. Essa a divisa da má repartição pública (e com isto não quero dizer que não existam as boas, as excelentes repartições públicas. Do mesmo modo não estou dizendo que não existam as grotescas – na falta de palavra ainda mais forte – companhias, repartições privadas. Todo brasileiro que lidou com uma companhia telefônica sentiu-se impotente diante da hidra de várias cabeças. Hera é o Estado. Héracles ainda não nasceu).

A máxima da boa instituição universitária é outra: para cada caso, uma resposta. Em outras palavras, autonomia, responsabilidade e responsabilização. O excesso de procedimentos burocráticos, a papelada infinita a ser preenchida para a mínima coisa, os relatórios formais, ocos, mentirosos, encobrem esses princípios. É a tentativa de padronizar as decisões, de igualar coisas, casos e pessoas diferentes. É a negativa da autonomia, o abrir mão do juízo crítico, particular e responsável. A outra forma de negar a autonomia universitária é dar a decisão para o espírito de corpo das opiniões anônimas. É a insistência em apreciar determinados tipos de processos e procedimentos em conselhos atravessados por conflito de interesses.

Os órgãos decisórios das universidades brasileiras não têm o distanciamento suficiente para o julgamento isento de muitos dos processos que apreciam. Os conselhos deliberativos das universidades públicas brasileiras não pagam a conta, pelo contrário, creem que o saco de dinheiro do Estado (do povo) seja como o bordado de Penélope: sem fim. Os novos cursos da expansão foram, com as exceções de praxe, criados a partir de pequenos interesses. Como se sabe, mesmo no erro e na irresponsabilidade, muitos bons cursos foram criados, mas isso não valida a ausência de regras para a criação dos novos cursos. No geral, pecaram pela falta de ambição, de visão, de planejamento estratégico. O governo permitiu porque tinha uma única meta: aumentar os números. Tanto é que o único critério de controle do Reuni era que, ao final de sua implantação, a relação aluno professor ficasse em 18 por 1. E mesmo esse único critério não estabelecia nenhum parâmetro de como essa conta devesse ser feita!

As universidades não deveriam ter os mesmos objetivos
Escrevo sobre a universidade pública brasileira em contraste com a universidade pública italiana[16]. O modelo italiano de universidade pública é não funcional[17] e, por isso mesmo, um campo rico em más práticas. Um modelo não deve ser considerado somente por suas virtudes, mas também por seus vícios. Aprender com os erros, velha lição pouco seguida, sempre foi um bom caminho para a aprendizagem. Não reinventar a roda a cada encruzilhada, a cada novo problema, sempre foi um método eficaz para o conhecimento avançar. A vantagem italiana é que aqui existe uma vasta literatura crítica[18], e de qualidade, a respeito da falência do modelo deles — burocrático e preso às suas vicissitudes históricas — coisa que nos falta em absoluto. A crítica que existe ao nosso modelo é a pior crítica que poderia haver a um sistema: é uma crítica que pede para que os pontos frágeis de nosso modelo sejam aprofundados, que a demagogia que viceja em todo o sistema chegue aos seus extremos, que as instituições, que são um bem público, sejam ainda mais “privatizadas” pelos pequenos interesses de suas várias corporações. Que soluções imediatistas e paliativas, mas de grande efeito midiático, continuem sendo a tônica. Que um conceito básico continue sendo desprezado: um projeto estratégico para o sistema de Educação Superior como um todo, aí compreendido o papel das instituições privadas.

Nem toda universidade, considerada isoladamente, deveria ter os mesmo objetivos específicos; portanto as instituições, logicamente, não deveriam ser avaliadas com a mesma régua.  E isso não está em contradição com a missão geral de contribuir com o desenvolvimento do Brasil. Uma universidade que devesse cuidar da problemática dos índios deveria ser avaliada pelos resultados atingidos pelo seu trabalho que, sem dúvida, é uma questão do Brasil. E esta é uma especificidade diferente do objetivo de criar as patentes para a aviação brasileira. É o óbvio ululante, mas o óbvio ululante, sabemos, não é fácil de ser compreendido. Porém, o dado escandaloso é que boa parte dos quadros que são recrutados para o Ministério da Educação e para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação sabe disso; mas, no discurso público mente, repete a mentira da homogeneidade do sistema, de objetivos únicos indiferenciados e, logo, de critérios de avaliação padrão. A missão é única, mas os objetivos são diferentes. Deve-se aceitar esse fato, e cabe ao governo fazê-lo ser aceito, pois ninguém vai abrir mão dos privilégios que a tal homogeneidade do sistema traz. Aceitando-se esse fato, o valor de determinado trabalho será comparável com a riqueza material ou imaterial que determinada descoberta, estudo ou invenção proporcionar ao país.  O valor será o estabelecido pelo mercado ou, quando for o caso, pelo governo. Isto quer dizer que o grupo de pesquisa ou o pesquisador isolado que descobrir a vacina para a malária ou para a dengue ou novas patentes para a aeronáutica, receberá diferentemente, para mais, do que o professor que, por exemplo, ensina língua italiana como língua estrangeira a um brasileiro. É líquido e certo que o alfabetizador vai chiar, mas o Estado deve ser forte e clarividente o suficiente para saber distinguir uma coisa da outra (na falta do Estado, o mercado saberá).

Governança profissionalizada e responsabilizada; governança externa combinada à interna
O Estado deveria ter um corpo capaz de identificar e recrutar quadros. Se as Aristocracias mais clarividentes e duradouras sabiam que a sua força baseava-se na competência de seus quadros, o que diz o Estado moderno? Na verdade, quem sabe de estratégia sabe que é assim que as potências agem e que, da boa seleção de quadros, depende a boa administração do Estado que, por sua vez, só será capaz de recrutar bons quadros se contar com bons quadros na sua administração. Isto tudo para dizer que quadros não dão como banana e que, devido à importância estratégica deles, não podem ser desperdiçados. O mesmo se pode dizer para os talentos e para o sistema de recrutamento de professores pelas universidades. De uma coisa depende a outra e assim para todo o sempre, amém.

Outras saídas existem nos discursos e em experiências do tipo summerhill, que se renovam sempre e estão constantemente a mudar de nome. Também gosto dessas ideias, mas elas são opções pessoais ou de grupos ideológicos. E é bom que existam, mas não é opção estratégica de Estado, de consequência: enquanto existir Estado, ele deveria agir como Estado. Coisa que o Estado Brasileiro, vez por outra, muitas outras, deixa de fazer. Isto porque o Estado é guiado, conduzido, (mal) administrado, por governos, por forças políticas obtusas em certo sentido, mas sábias no oportunismo eleitoral. Que é o que marca, em última análise, até agora, o nosso destino de nação atrasada. As forças políticas que comandam o Estado não nascem do nada, são emanações daquilo que muitos hoje acreditam ser a panaceia para todos os males: o mercado.  A ineficiência do Estado que conhecemos não pode ser a aceitação da violência, que também conhecemos, do mercado desregulado. Do mercado que fabrica, financia e, por fim, elege o político fantoche.

Ligada a essas questões, e de relevância igual, é a governança[19] da universidade pública no Brasil. No período pós-democratização, sem discussão nenhuma com as universidades e com a sociedade, o Ministro Paulo Renato Sousa baixou e fez aprovar uma lei, pelo Congresso Nacional, que disciplinava os processos eleitorais nas universidades públicas federais (Lei nº 9.192, de 21 de dezembro de 1995). Essa lei foi de tal modo ignorada que grande parte das universidades, mesmo entre os seus dirigentes, a desconhece. É lembrada nos períodos de eleições para reitor quando, em conselhos institucionais ou em outros ambientes, decide-se que a lei não será obedecida ou, mais comumente, que será “driblada” e fica-se por isso mesmo. O desplante é tão grande, que mesmo os governos da era Lula (que teoricamente, porque irresponsáveis, seriam contra a lei) não se deram ao trabalho de encaminhar ao Congresso um projeto para revogar a lei 9.192.

É pesaroso descrever as práticas de um período eleitoral nas universidades federais brasileiras. Tudo o que acontece na grande política: eleições para presidente, governadores, prefeitos e parlamentares de modo geral, se repete em um microcosmo que deveria dar exemplo e que, pelo contrário, revela o mesmo comportamento e grau de contaminação nocivo da política realizada como mau-costume. Os programas e campanhas dos candidatos são construídos de forma coletiva, em reuniões com estudantes, professores e técnico-administrativos. Toda opinião vale e tudo pode entrar no programa, basta que obtenha em uma dessas assembleias um mínimo de consenso. Ao final de todo o processo, o que se quer ver assegurado, em resumo, é que tudo permanecerá como está. Independentemente do candidato que vencer, o compromisso com o status quo vigente está garantido de antemão.

As mazelas da universidade são todas de responsabilidade do governo federal, dizem, e assim será. De fato, são todas de responsabilidade do governo federal, inclusive porque permite que a governança seja estabelecida dessa forma. A responsabilidade do Reitor eleito pelo “processo democrático” é praticamente nenhuma; ele não tem o compromisso de elevar a universidade a patamar algum, de atingir meta nenhuma. Tudo passa pela disponibilidade e pelo mínimo de clareza individual; e pelo vigor físico, que é a coisa mais exigida no atual formato de administração das universidades públicas federais brasileiras. Administra-se o varejo e o varejo exige um presencialismo que, inevitavelmente, leva à fadiga física. A mesma lei citada estabeleceu a possibilidade de reeleição para reitor e outros cargos de direção. Em decorrência, o primeiro mandato é uma preparação, uma campanha, para o segundo mandato e aquele compromisso de não mudar nada, de “atender o povo”, será observado e será a garantia para a reeleição. Depois da eleição e da reeleição, a lei não diz, mas o que não está dito, está implícito: os que foram dirigentes voltariam a ser “simples” professores. Sem nenhuma condição especial, sem a gratificação do período do mandato e, pelo contrário, sujeito à pequena vingança devida às pequenas contrariedades que, porventura, tenha provocado. O que acontece na prática, e que todos fazem de conta não perceber, é que para um Reitor é praticamente impossível se tornar um ex-reitor na sala de aula, voltar a ser um “simples” professor. O mais comum, portanto, é que o ex-reitor se aposente depois de seu(s) mandato(s) — o que reserva esse cargo, quase sempre, para professores em final de carreira — ou seja cooptado para alguma outra tarefa de gestão dentro do sistema público ou não. Para aqueles que foram bons reitores, a experiência de 4 ou 8 anos de mandato, uma experiência que não tem como não ser marcante, a legislação, da mesma forma que não exigiu nada no início, não prevê nada ao final. Se for assim, por que esta discussão não é enfrentada? A discussão da profissionalização da administração do sistema universitário brasileiro é, dessa forma, por omissão, abominada, relegada.

Isso enquanto todo o resto do mundo, no que se refere à universidade, discute e realiza mudanças no sentido de uma governança profissionalizada, responsabilizada e comprometida com metas e resultados. O grande modelo inspirador é o modelo estadunidense de administração empresarial. Por que o modelo estadunidense é imitado em toda parte? Porque dá resultados! E a força maior desse sistema é a sua diversidade. Nada de homogeneidade de mentira, nada de demagogia tingida de democracia, nada de desperdício de dinheiro público. Que cada instituição arque responsavelmente pelos riscos de suas iniciativas e que o Estado cumpra a sua parte, não modificando unilateralmente, cancelando, renegando acordos firmados e, principalmente, retirando financiamento.

A força que faz o sistema universitário estadunidense funcionar bem é a preocupação (excessiva?) com o conflito de interesses — o board de administração, como regra, é externo. Radicalmente ao contrário do nosso modelo em que o Reitor, impotente, ou superpotente, a depender do ângulo de visão, submete qualquer iniciativa sua ao Conselho Universitário, composto, em sua maioria, por docentes e um percentual menor de estudantes e técnico-administrativos (algumas universidades têm o requinte de ter em seu Conselho Universitário um membro externo! Esse membro externo único logo percebe o papel ridículo que representa e, sabiamente, fica calado e acompanha a maioria, isso quando aceita e, depois, quando frequenta, em sua maioria, as maçantes reuniões).

Países como o Brasil, que seguem o modelo europeu tradicional, hoje representado por França, Espanha e Alemanha[20], dificilmente poderiam mudar tão radicalmente e adotar o modelo estadunidense. Mesmo porque, no discurso que defende o modelo de gestão empresarial estadunidense, um dos lados da moeda fica escondido: a universidade administrada como empresa pode ser funcional, produtiva, mas, ao mesmo tempo, deixa de ser espaço de experimentações e de convergência das insatisfações difusas da sociedade. A utopia, no sentido romântico de mudar o mundo, ali deixa de ter lugar. Claro que tem gente que acha isso bom.  E é claro também que essa insatisfação procurará outro locus e aí, aparentemente, tudo está resolvido. Pode até parecer que seria assim, mas, no caso, foi a instituição que ficou mais pobre, que se tornou menos universidade e se tornou mais, exatamente, empresa.

Não hesito em dizer que, em certo sentido, o sistema estadunidense é o que melhor responde às necessidades “ambientais”: incentivar a diversidade do sistema com vários modelos. O modelo ou modelos vencedores serão aqueles que conseguirão alcançar os objetivos a que se propuserem, desde que esses objetivos estejam em sintonia com aquela missão primeira: contribuir com o desenvolvimento do Brasil.  E, de novo, o papel dos governos — que estariam cumprindo uma política de Estado — para estabelecer ou concordar com objetivos propostos e verificar e avaliar as suas realizações é essencial. E para isso é preciso criar um quadro permanente de acompanhamento dessas metas, objetivos, propostas (por que não aproveitar, para a formação de um quadro permanente na administração pública superior, ex-dirigentes universitários que, comprovadamente, possuem competência e tal preocupação?). Mesmo países com uma situação política e histórica muito mais complicada do que a do Brasil (e o maior exemplo é a Itália), estão tentando e criando uma “diversidade paralela”. Os exemplos italianos são o IIT (Istituto Italiano di Tecnologia di Genova) e o IMT (Istituzioni, Mercati, Tecnologie) Alti Studi di Lucca. Para não dizer, porque da esfera privada, do exemplo da Università commerciale “Luigi Bocconi” di Milano.

O discurso do conflito de interesses é válido e quem o confirma é o primado das boas universidades estadunidenses. O que tem de ideológico nesse discurso é o que quase nunca vem à tona. Se, comprovadamente, o cuidado para afastar conflito de interesses em empresas e universidades administradas como empresas faz bem, por que a mesma discussão não se estabelece em relação à composição do parlamento e às eleições presidenciais estadunidenses e aos seus financiadores? A resposta, de novo, é óbvia: porque nesses casos, e outros casos, o conflito de interesses, ou melhor, os interesses são mais fortes, o bastante para ofuscar a discussão sobre conflito de interesses. Se tivéssemos tempo e inteligência para encontrar a via dimezzo…

Quando a governança que vem do alto não funciona, não tem comando, tudo abaixo dela se deteriora, ganha corpo uma espécie de anarquia que anarquia, a rigor, não é. É outra coisa que mistura corporativismo atávico com oportunismo irresponsável e certeza profunda de impunidade. Só assim se explicam greves de três meses ou mais (sem cortes de salários), invasões selvagens de reitorias, desacato e violência contra professores que, por absurdo, só querem dar aulas e continuar suas pesquisas. Isto tudo coberto com a capa cínica do politicamente correto que, também aqui, parte da mais alta governança e torna-se poder nas falas e atitudes, desde o aluno apenas matriculado, o calouro, até parcelas de técnico-administrativos experientes que já viveram muitas e muitas greves, que já confrontaram muitas e muitas chefias e fizeram valer os seus direitos, ou seja, aquilo que eles próprios estabeleceram como “os seus direitos”. Se o exemplo vem de cima, quem embaixo há de rebelar-se com esse estado de coisas? A experiência daqueles que tentaram reagir deixou grandes exemplos de que é melhor não. Quem rege esse triste espetáculo e a cada ano fornece mais gasolina para um ainda maior “empoderamento” dessas forças é o próprio governo da República pela inércia, pela covardia e, mais ainda, pelos cálculos eleitorais. Cálculos politicamente errados, claro. Que os governos não sabem somar o demonstra o estado de nossas contas públicas. Não sabem somar e nem sabem o que querem de nossas universidades. Nunca quiseram pensar seriamente e responsavelmente sobre o papel da universidade, da pesquisa e da inovação para o desenvolvimento do país. E quando o fizeram foi em eventos que o vento levou… que o novo ministro desconhecia e decidiu partir do zero lançando “novos programas”. No meio disso tudo, para dar vazão a esse descalabro do poder, uma parcela pequena, mas suficientemente ideologizada do corpo docente, usa e abusa de todas as brechas da falta de autoridade para impor o autoritarismo, a ordem unida, a violência ideológica que, fatos já apontam, caminha para a violência física. Isto em um país como o Brasil, com um tanto ainda de mar revolto para navegar.

Podemos observar tudo isso por outro ângulo: pelas publicações oficiais e extraoficiais das universidades. São matérias e matérias aludindo a direitos ou pretensos direitos da comunidade acadêmica, criticando outros poderes ou traços culturais da sociedade em geral (certo que do ponto de vista do politicamente correto). E quem faz isso é uma instituição que não olha e não cuida do próprio umbigo, que tem um grau de organização e funcionamento para lá de ineficiente, o que, no caso, a iguala, em certo sentido, ao péssimo serviço público brasileiro de modo geral. Que tem autonomia financeira praticamente igual a zero para responder às centenas e centenas de questões que a afligem. E que se tivesse, sem regulamentação e responsabilização das autoridades, poderia ser ainda pior.

Repito: o mundo todo discute a governança das universidades, estudos comparativos sobre os diversos modelos existem em grande quantidade e qualidade. Todos os estudos apontam que as reformas dos vários sistemas de governançasão no sentido de adotar o modelo estadunidense, que combina a governançaexterna com a interna, que procura afastar ao máximo o conflito de interesses. Quando se olha para a universidade pública brasileira, será que os vários governos não se dão conta de que também nós devemos fazer essa discussão e implementar mudanças na nossa forma de governança?  A discussão sobre autonomia, que sim, essa é feita, partindo principalmente dos reitores que querem mais autonomia, deveria vir acompanhada da discussão sobre a governança. Ou a fazemos, ou mais fundo no atraso mergulhamos.

Federalizar todo o sistema e, depois, onde for o caso, reconverter
Todos esses gaps no nosso sistema universitário se reproduzem no nosso ensino fundamental e médio. As reformas, no ensino fundamental ou médio, são feitas, ou não são feitas, como se fossem mundos distintos. Ao mesmo tempo em que aumentamos fortemente a possibilidade de acesso ao ensino superior, por meio de novas vagas no sistema público e o financiamento altamente subsidiado para acesso ao ensino superior privado, por meio do Prouni e Fies, o ensino médio não sofreu nenhuma reforma ou incentivo realmente qualificantes. Dessa forma, o paradoxo está criado: hoje temos mais vagas no ensino superior do que demanda qualificada advinda do ensino médio. Tendo, inclusive, uma ociosidade de vagas, pouco comentada, nos cursos de baixa demanda, mesmo nas universidades públicas. Fato que se traduz, em última análise, em desperdício e em sobreposição de competências. Uma política cega como essa é fruto da ignorância ou do oportunismo? Certamente que do oportunismo. O alarme do ensino médio soou faz tempo e todo mundo ouviu. Alguns, na posição de mando, fizeram de conta que não era com eles. Outra falta de razoabilidade são as universidades criadas por Estados e até por Municípios. Os Municípios e Estados não cumprem os seus deveres constitucionais de cuidarem, respectivamente, da escola fundamental e da escola média, e se consideram em condições de criar universidades. Afora São Paulo (outras exceções existirão), com as suas universidades regionais que disputam e estão à frente de qualquer outra universidade federal ou privada — isto dada a riqueza e a clarividência inicial da burguesia paulistana —, quase todos os outros Estados se meteram nesse “negócio” por puro oportunismo, buscando o holofote da mídia e, ao final, o mal de todos os males do sistema, o estelionato eleitoral. No geral, são universidades abaixo da média que, ao mesmo tempo em que exigem recursos vultosos desses Estados e Municípios, retiram recursos que, constitucionalmente, deveriam ser aplicados no ensino fundamental ou no ensino médio. Dessa forma, temos o pior dos dois mundos: nem um ensino fundamental/médio de qualidade e universidades municipais/estaduais de péssima qualidade. E o Estado brasileiro, que a tudo deveria supervisionar, faz de conta que não é com ele, mas a sua nudez é flagrante, e sua irresponsabilidade também.

A solução não é nova: federalizar todo o sistema educacional brasileiro, da creche à universidade. Retirando dos Estados e dos Municípios as responsabilidades e as verbas para a educação. Contemporaneamente, depois de mapeada e estudada a situação de cada município, reconverter as universidades estaduais, onde fosse o caso, em escolas de referência do ensino médio e onde a sobreposição estivesse grande, fechar o que fosse necessário ou, o que seria ainda mais interessante, oferecer para a iniciativa privada. Isto valeria inclusive para os campi hoje existentes se sobrepondo a Institutos Federais e vice-versa. O país aparenta oferecer muito, mas oferece de menos, se pensarmos em termos de qualidade. Uma área sacrificada como historicamente sempre foi a educação não pode esbanjar mau serviço, desperdiçar dinheiro público por conta da baixa política e das disputas regionais, municipais e federal. Concentrar para fazer melhor deveria ser o lema de um projeto público responsável (como “Integrar para não entregar” já foi um lema que unificou o Brasil). Por outro lado, a sobreposição de universidades e escolas públicas com universidades e escolas particulares de capital privado − que poderiam vir a ser, em parte, subvencionadas com dinheiro público, conforme parâmetros rigorosos de qualidade − seria uma possibilidade em aberto, a depender de uma legislação inteligente e a serviço do bem público.

Não se pode realizar uma reforma dessa monta sem estabelecer uma carreira docente e de pessoal de apoio também federal e bem estruturada. Sem a mentira da homogeneidade do sistema (que, de fato, em praticamente todos os casos, é só isonomia de salário). Definindo as missões de cada etapa da formação escolar, em sintonia com a formação do professorado para a etapa de ensino no qual irá atuar. A carreira deveria ser flexível o bastante para permitir que um docente que não se encontrasse bem no papel de professor pudesse, por meio de solicitação formal do interessado ou por iniciativa da direção escolar, depois de avaliações negativas repetidas do docente, passar para a carreira de apoio. O inverso, de pessoal de apoio para professor, somente via concurso público, como, aliás, já é hoje. A carga horária docente da carreira que vai até o ensino médio teria que ser menor, com mais tempo para a preparação cultural e específica do docente (educação continuada), mas a exigência, por meio de avaliações de resultados, da qualidade das aulas seria maior.

A melhor escola do mundo é impotente perante a concorrência do lixo midiático
A respeitabilidade e a autoridade social do docente na comunidade precisam ser resgatadas e somente a educação pode reeducar o docente e a comunidade. Para isso, todos os meios de comunicação teriam que convergir; educar não é só papel da escola. Passa-se mais tempo na vida exposto às mídias em geral do que na escola; portanto, o papel educativo das mídias é fundamental. Tudo ao contrário do que é hoje. As mídias, com raríssimas exceções, deseducam, propagam a violência e a intolerância. A melhor escola do mundo é impotente, diante do lixo que é servido aos brasileiros pelos seus canais de difusão de notícias e entretenimento, todos de concessão pública.  É dever do poder público intervir e regular os serviços de mídia, por meio de um conselho social composto por cidadãos de diversos perfis e competências. Níveis mínimos de programação de qualidade devem e podem ser exigidos. Isto também é conquista da cidadania. O contrário é a barbárie, que é o que assistimos hoje.

A falácia da adoção da língua inglesa como sinônimo imediato de internacionalização
Os fatos vão se sucedendo e notícias muito bem plantadas vão assumindo ares de verdade, passam a ser inquestionáveis, mesmo que para a sua afirmação não tenha ocorrido discussão de mérito aprofundada nenhuma. É o caso, por exemplo, da adoção da língua inglesa como sinônimo imediato de internacionalização com sinal positivo[21]. No momento em que ensaio essas linhas, no Brasil se comemora, com editorial no principal jornal de massas, que se passa por esclarecido e tudo o mais, a adoção de língua inglesa em algumas disciplinas da USP[22]. Por enquanto, para disciplinas optativas. Mas a comemoração aponta o próximo passo: cursos inteiros ministrados em língua inglesa (como alguma instituição privada já o faz). Os motivos para tanta euforia são singelos: a língua inglesa seria a língua franca da ciência e o seu uso atrai o estudante internacional. Agora, então, a USP, de fato, poderá subir mais em rankings internacionais que valorizam o número de estrangeiros em uma instituição de ensino superior. A equação é simples: mais estudantes internacionais em uma instituição seria igual a uma maior qualidade da didática e da pesquisa da instituição em consideração. Os indicadores são frios, a leitura dos indicadores é que deveria ser inteligente. Números são só números até serem interpretados. Sou obrigado a dizer essas banalidades aqui porque mesmo as banalidades vão sendo “comidas” pelo turbilhão de “desinformação democrática” que tomou conta do mundo. A qualidade não se mede. Por ser essa uma impossibilidade intrínseca a qualquer matéria, procura-se saber da qualidade de determinada coisa, objeto, instituição etc., por meio de outros fatores, entre esses, os famosos indicadores. Os indicadores quantitativos, por definição, devem ser verificáveis e auditáveis. E, de fato, é assim (a não ser em situações “extremas” em que, por exemplo, instituições alugam bibliotecas para que, no momento de verificação do seu acervo bibliográfico, a biblioteca alugada dê uma boa resposta. E isto será um indicador, se ninguém for, e quase ninguém vai, atrás de verificar após ler o indicador. Números de doutores “arranjados” e muitas outras coisas transformam-se em indicadores, tutto in buona pace di tutti). Não quero com isso “desqualificar” os indicadores, eles são essenciais e uma maneira conhecida e possível de se aproximar da “qualidade” de determinada coisa. Desde que lidos, repito, por cérebros capazes de fazer sinapses, de ligar, de transformar a informação binária (0, 1) em outro produto, no 3, por exemplo.

Somente em condições excepcionais a língua inglesa, como língua de disciplinas em países que não são de língua inglesa, deveria ser considerada um fator de qualidade (e isso o indicador não conseguirá mostrar). Em todos os casos não excepcionais, é colonialismo travestido de coisa inteligente. É averiguação de transação econômica, de entrada de divisas em determinado país/universidade, e não fator de qualidade. É um dado quantitativo econômico, e só. Se uma instituição recebe um nome importante para ministrar uma conferência (e para as conferências já é assim) e esse grande nome não fala português, a conferência é proferida em inglês ou em outra língua, às vezes com tradução, às vezes não. O único motivo válido para um curso, uma disciplina ser ministrado em língua inglesa, seria a ocasião de ter um grande professor que não tem tempo ou não lhe interessa aprender o português, mas que, tudo somado, seria importante para o país do ponto de vista do avanço do conhecimento. A audiência, nesses casos excepcionais, se vira como pode, isto é o de menos. O importante aqui é aferrar esse conhecimento, introduzi-lo na discussão que se faz no Brasil (ou em qualquer outro país). Para atrair estudantes estrangeiros que viriam ao Brasil, essas disciplinas em língua inglesa (e daqui a pouco cursos inteiros) são um atraso sob todos os pontos de vista. O que um aluno estrangeiro, de língua inglesa − ou pior ainda, de língua inglesa como língua estrangeira: um italiano, um russo, um francês, um boliviano, um chinês — poderia levar do (ou deixar no) Brasil em termos de conhecimento, de “rede”, se frequenta um curso em língua inglesa e quando sai da sala de aula depara-se com um país que fala português brasileiro? O que o indicador mascara é que a internacionalização só é um valor positivo se possibilita ao estudante, ao professor em mobilidade, criar rede. Rede afetiva, rede de pesquisa, rede cultural. Se um estudante vem ao Brasil para uma permanência média ou longa e não tem a obrigação de aprender o português brasileiro, pois frequentará um curso em inglês — que, como dito, poderá inclusive não ser a sua língua materna — ele viverá em uma bolha no Brasil. A bolha da sala de aula que, diariamente, será de 4, 6 horas? E depois das aulas, e nos fins de semana e feriados? Ou ele ficará sozinho, ou formará grupo com outros estrangeiros na mesma situação que ele. Em país estrangeiro, a atração entre estrangeiros é natural e, mais ainda, a atração entre compatriotas. Grupos sólidos de conterrâneos se formam nessas ocasiões e propiciam amizades/parcerias duradouras. A única forma de integrar um estrangeiro é através da língua – os romanos já sabiam disso e nós, neolatinos, somos frutos dessa estratégia – e mesmo que esse estrangeiro saiba a língua, a integração não é fácil e precisa ser trabalhada pela instituição que o acolhe, como já referido. Logo, a pergunta a ser feita é qual a finalidade da internacionalização? A outra pergunta é por que a presença de alunos estrangeiros rende pontos nos rankings de avaliação das instituições universitárias?

A finalidade teórica e justa da internacionalização é possibilitar a troca de conhecimento, é criar redes solidárias de pesquisa, é permitir que avanços científicos sejam alcançados por meio de parcerias entre mundos, pontos de vista diferentes, em suma, é a repetição da velha máxima de que a diversidade é rica e produtiva. Efeito colateral previsto da internacionalização é reforçar os laços de amizade entre os povos. O programa de mobilidade europeu Erasmus provavelmente foi o principal fator para o Nobel da Paz que a União Europeia recebeu. Prova eloquente do potencial benéfico da internacionalização como garantidor da paz, da criação de uma comunidade internacional baseada no conhecimento e no respeito pela diversidade linguística, cultural e de costumes.

Esse ser isolado dentro da bolha do inglês, o que entenderá do Brasil? Quais laços fortes estabelecerá com a cultura brasileira e com a nossa universidade/diversidade? Que redes construirá fora do âmbito da sua sala de aula em inglês? Será um agente da paz e do respeito à autonomia entre os povos? Que Brasil ele verá, conhecerá, usando os óculos da língua inglesa? Por outro lado, do ponto de vista dos rankings, a quantidade de estrangeiros em determinada instituição rende pontos porque os rankings têm a cabeça em universidades estadunidenses e europeias que cobram mensalidades ou, em todo caso, têm consciência de que mobilidade é igual a giro econômico, de um modo ou de outro. Dinheiro, em uma palavra. Mais estudantes estrangeiros, mais divisas estrangeiras, mais circulação, não sempre de conhecimento, mas de moedas. Essa circulação de moeda estrangeira irá beneficiar, também, todo o entorno da universidade: apartamentos, quartos, restaurantes, livrarias, bares, turismo, Internet e tudo o mais que circunda o estudante estrangeiro. Nesse caso, o país de acolhimento recebe muito e dá muito pouco. Depois de, digamos, um ano, o estudante deixará alguma coisa no Brasil: dinheiro (muito menos do que o estudante estrangeiro deixará nos Estados Unidos ou na Europa). E o que levará para sempre que não poderia ter assistido por meio de uma aula na Internet, em inglês? O indicador da presença de estrangeiros em uma determinada universidade foi pensado com a mão na calculadora, mas não resistirá aos ventos da qualidade.

E não falamos da pobreza que é o tal do basic english, a língua franca da circulação internacional. Raciocínios complexos com um vocabulário de 300, no melhor dos casos, 800 palavras? Alguém acredita sinceramente nisto à parte a parte interessada?

Queimar, pular etapas pode ser sinal de inteligência, mas nem sempre. Dois exemplos estúpidos: como a escola fundamental e média não conseguem cumprir o seu programa, transfere-se essa missão para a universidade (as famosas cotas não fazem outra coisa, apesar de toda a discurseira ideológica); no lugar de um ensino de línguas sério nas séries elementares, que acolha o fato da preponderância do inglês no presente momento histórico, a escapada pela solução mágica: disciplinas e cursos universitários em inglês. Percebo a necessidade de esclarecer melhor essa questão. Estudar, falar, ler, compreender e escrever em língua inglesa, hoje, é fator de sobrevivência, e isto é ainda mais verdade em ambiente universitário e de conhecimento. Países que, por meio de seus sistemas de ensino regular, deram vida a uma população bilíngue (sendo, no geral, o inglês a língua estrangeira adotada), estão um passo (ou mil passos) à frente de países com pouco domínio de língua inglesa. Urge, portanto, sanar urgentemente esse atraso. A solução fácil de introduzir cursos em língua inglesa nas universidades é mentirosa, enganosa e economicamente desvantajosa, pois não leva em conta múltiplos fatores. Qual nível de inglês será o exigido para esse professor que começará amanhã a dar aulas em inglês? Qual a relação quantitativa, em uma sala de aula, entre alunos de língua inglesa (mesmo que de basic english) e alunos nativos? Por exemplo, em uma sala de aula de neurociência em que o professor é brasileiro, mas domina muito bem o inglês (ele estudou em um país de língua inglesa e foi obrigado a aprender o inglês, aliás, ele teve que superar o Toefl ou o Ielts), pois bem, esse professor, indiscutivelmente preparado, tem em sala de aula dois alunos chineses, ou italianos, para os quais foi exigido o mesmo conhecimento mínimo de inglês dos estudantes brasileiros do Ciência sem Fronteiras, isto é, 42 pontos no Toefl, de um máximo de 120. O restante da sala, cerca de 43 alunos, são de brasileiros que não fizeram o Toefl, mas que, se fizessem, muito provavelmente não alcançariam os 42 pontos do aluno sem fronteiras. Qual a qualidade desse curso? Qual o custo desse curso? Esse professor estaria falando para quem? Para os dois chineses (ou italianos) ou para os 43 brasileiros?

Simulações como essa, com outras variáveis, podem ser feitas em grande número. Algumas soluções adotadas são salas de aulas só para estrangeiros, em que as aulas são ministradas em língua inglesa. Além da evidente guetização de tal medida e, portanto, a perda de um aspecto fundamental da internacionalização da universidade, caberia ainda perguntar, de novo, qual o nível de inglês usado nessa sala de aula, tanto por parte do professor (no melhor dos casos, o professor é importado, o que é um dado positivo e resolve um dos lados da classe), quanto dos alunos? (No mais fantasioso dos casos, esses alunos teriam todos eles o inglês como língua materna ou todos eles 100 pontos de Toefl). Quem faz essas perguntas quando o que está em jogo é dinheiro e o ranking das agências de classificação?

Para encerrar, Sr. Ministro: era para ontem a universalização do ensino de inglês em nossas escolas do ensino fundamental e médio. O acesso à universidade deveria pressupor o conhecimento da língua inglesa, assim como o básico de informática e de cultura histórica. E de português brasileiro![23] Em uma sala de aula bilíngue o uso, a transição de uma língua para outra se faz pela exigência da matéria, não por decisão de agências internacionais de classificação.

Por que a teimosia em fuçar na lama?
Parte dos problemas que abordei aqui, principalmente aqueles que dizem respeito à internacionalização de centros de excelência, a atratividade do sistema de pesquisa nacional de cérebros estrangeiros, a flexibilidade na contratação do talento, a dotação orçamentária, a desburocratização dos meios e procedimentos para o pesquisador se instalar e circular, a questão do visto e o apoio, inclusive, à família do pesquisador etc., encontra-se já em um documento de 2011 do Ministero dell’Istruzione, dell’Università e della Ricerca − Comitato di Esperti per la Politica della Ricerca[24] da Itália. É uma receita pronta e acabada, vazada em linguagem técnica e objetiva. Receitas como essa existem em profusão e podem ser interessantes pontos de partida, desde que não sejam adotadas mecanicamente, ou seja, desconsiderando a história e a realidade local e internacional.

A pergunta, infelizmente retórica, é por que justamente países que mais precisam de um sistema de Educação Superior vigoroso, que responda às necessidades nacionais, teimam em fuçar na lama.

Recuperar o plano estratégico de Vannevar Bush
Convidado por Paolo Flores d’Arcais, diretor da Revista MicroMega, para se imaginar ministro da Universidade e da Pesquisa da Itália e elaborar um programa para esse ministério, Pietro Greco, depois de uma longa introdução, diz: (cito traduzindo):

“Não é preciso inventar nada. Basta recuperar o programa estratégico de Vannevar Bush, que obteve sucesso. E não só nos Estados Unidos. Ei-lo.

Um plano em quinze pontos
              
Repetindo quase literalmente as palavras de Bush. A corrida para o futuro começou há tempos. Nós precisamos acordar para isso. E decidir o papel que o nosso país deve ter na nova ordem mundial. Se quisermos sair do declínio e ter um papel de primeiro plano – como nos compete, como nos é possível – temos que apostar na ciência, que já por muitos decênios é ‘a’ alavanca para o desenvolvimento econômico, além de que para o bem-estar sanitário e a segurança militar das nações.

Nós não temos um programa nacional de desenvolvimento científico. No nosso país, a ciência ficou confinada aos bastidores, quando deveria ser levada ao centro do palco, porque dela dependem as nossas esperanças para o futuro.

Não podemos esperar que esta falha, que esta lacuna, seja preenchida pela indústria privada. A indústria se ocupa de outras coisas. O impulso para a pesquisa pode vir somente do governo. É o Estado que deve investir muito mais e melhor se quisermos vencer o desafio do futuro.

Eis aqui, ponto por ponto, o que e como fazer.

1)                  O país precisa de inovação continuada. A inovação continuada é necessária não somente em política, mas também no campo econômico. Uma das nossas esperanças é ter um regime de pleno emprego e um nível de vida mais alto graças à produção de novos bens e de novos serviços.

2)                  Temos que mudar a especialização produtiva do país. Para obter o pleno emprego e competir com os países mais avançados do mundo, é necessário apostar em indústrias de alta tecnologia e em empresas de serviços de alta qualidade: capazes, exatamente, de inovação continuada. Isto porque não obteremos nada permanecendo imóveis, continuando a fabricar os mesmos artigos. Não avançaremos no comércio internacional se não oferecermos produtos novos, mais atrativos e menos custosos. Não distribuiremos salários de maneira suficiente para sustentar a demanda interna se não produzirmos bens e serviços originais.

3)                  A ciência é a alavanca necessária para a transformação da nossa especialização produtiva. De onde, objetivamente, podem chegar os novos produtos? Como podemos produzir manufaturados melhores e serviços de qualidade com custos menores? A resposta é óbvia. Para fazer funcionar os mecanismos da empresa pública e privada, são necessários novos conhecimentos científicos. De nossa capacidade de utilizar o saber científico, que produz continuamente novos conhecimentos, dependerá em larga medida o futuro da nossa nação.

4)                  A história, sobretudo a recente, demonstrou que a ciência assume esta tarefa. Frequentemente esquecemos os milhões em salários que são pagos a cada final de mês, graças a novos produtos e novas indústrias que abriram vagas a um número enorme de pessoas. Em cada um dos setores da vida nacional, a ciência já deu prova daquilo que pode fazer para a sociedade. Isto vale sobretudo para a economia. Se continuarmos a estudar as leis naturais, aplicando o nosso saber para fins práticos, poderemos criar novas indústrias e desenvolver aquelas velhas.

5)                  Para o desenvolvimento do país, precisa-se de um fluxo constante e substancial de novos conhecimentos científicos, em um jogo de equipe, que envolva toda a nação. Os progressos da ciência, se endereçados a fins práticos, determinam mais postos de trabalho, salários mais altos, carga horária menor, cultura abundante, tempo livre para estudar e a possibilidade de viver sem a carga de trabalhos pesados que já há tanto tempo afligem o homem comum. Os progressos da ciência nos propiciarão um nível de vida mais alto e a prevenção ou a cura de diversas doenças. Para atingir tais objetivos, o fluxo do conhecimento deve ser continuado e substancial. É preciso, ainda, uma relação cooperativa entre ciência e sociedade. Porque a ciência, sozinha, não é a panaceia para todos os males, individuais, sociais e econômicos.

6)                  É preciso reconhecer a importância, decisiva, da pesquisa de base. A pesquisa de base avança sem preocupar-se dos objetivos concretos. Avança somente sobre a onda da curiosidade dos pesquisadores. Produz uma compreensão geral da natureza e das suas leis. Não fornece uma resposta específica e exaustiva para cada problema singular. Mas os conhecimentos novos e fundamentais que gera alimentam a pesquisa aplicada e o desenvolvimento tecnológico. Portanto, as universidades e os institutos de pesquisa, públicos e privados, que se empenham na pesquisa de base, são também as principais fontes do saber e do conhecimento. Desde que sejam sãos e vigorosos e desde que os seus cientistas sejam livres de perseguir a verdade onde ela os conduza, um fluxo de conhecimentos científicos continuará a chegar a quem, no Estado, na indústria ou em qualquer outro lugar, será capaz de aplicar esses conhecimentos a objetivos concretos.

7)                  Um país líder em economia não pode, certamente, depender do exterior para o conhecimento científico de base. Uma das nossas esperanças é chegar a um regime de pleno emprego. Para chegar a esse escopo, devemos fazer um apelo a todas as energias criativas e produtivas do povo. Para obter mais vagas de trabalho, é necessário fabricar bens e serviços melhores e mais econômicos. São necessárias empresas inovativas e vitais. Tudo isto, porém, não nasce do nada, mas se desenvolve a partir de novos princípios e novas concepções que, por sua vez, proveem da pesquisa de base. A pesquisa de base é um capital científico do qual não podemos mais depender do exterior. É evidente que uma mais ampla e melhor pesquisa científica estará entre os elementos fundamentais que permitirão chegar a um regime de pleno emprego.

8)                  A indústria privada não consegue manter a pesquisa de base. A história econômica demonstra essa afirmação. Por exemplo, mesmo nos Estados Unidos, a indústria contribui somente de forma limitada ao financiamento da pesquisa de base. E isto é demonstrado também pela análise teórica: na indústria existe sempre a pressão dos objetivos imediatos, da manutenção de critérios predeterminados e das exigências comerciais. É raro que uma descoberta científica de importância fundamental surja de condições normais de um laboratório industrial. À parte algumas notáveis exceções, as universidades e as instituições públicas de pesquisa permanecem sendo as mais generosas ofertantes daquela liberdade e daquela serenidade que são indispensáveis para as descobertas científicas.

9)                  Para o desenvolvimento econômico de um país fundado sobre o conhecimento é necessário, portanto, que o Estado exerça um protagonismo inteligente.  Visto que é necessária e visto que os fundos privados não a mantêm, a pesquisa de base deverá ser potenciada com o uso de fundos públicos. Mas atenção, não basta um genérico fluxo de investimentos estatais para a pesquisa. O fluxo deve ser inteligente e bem direcionado. Deve ser endereçado para os locais onde se faz a melhor pesquisa curiosity-driven. Somente as universidades (faço eu, Anselmo, uma intromissão: o conceito de universidade foi tão alargado que hoje qualquer açougue recebe esse nome. Já a Magna Charta Universitatum, citada neste trabalho, estabelecia um conceito sobre que tipo de instituição poderia ser considerada uma universidade, o que, ao final, virou letra morta. Sabedor disso tudo, Pietro Greco/Vannevar Bush, na sequência, esclarece para onde deveriam ser enviados os fundos públicos. No caso pátrio, nenhum governo teve coragem de enfrentar essa discussão que, diga-se logo, não é pacifica e nem imutável, mas, para o bem do desenvolvimento nacional, de tempos em tempos precisaria não só entrar na pauta como ser constantemente atualizada) e alguns institutos de pesquisa se dedicam quase que exclusivamente à expansão das fronteiras cognoscitivas. É, portanto, para universidades e centros de pesquisa dedicados exclusivamente à pesquisa conduzida pela curiosidade que devem ser endereçados os fundos públicos para ativar o primum movens de toda a cadeia da inovação: a pesquisa de base. O Estado deve financiar a pesquisa de base e toda a correia de transmissão, incluindo a pesquisa aplicada, a qual leva os novos conhecimentos até o portão das indústrias.

10)              O desenvolvimento tecnológico deve ser todo (ou quase) por conta das empresas. Mas naquele portão, no portão do desenvolvimento tecnológico e do lançamento no mercado de novos produtos, o Estado deve deter-se. Ali termina a sua obrigação. O Estado não deve financiar o desenvolvimento tecnológico e a comercialização de novos produtos. A não ser em alguns setores estratégicos, sobre os quais tenho a presunção de poder indicar daqui a pouco.

11)              É preciso um programa nacional. Para modificar a especialização do sistema país alavancado pela ciência, é necessário que o país se dê uma “política de pesquisa” e que o nosso governo elabore um programa orgânico de ação que seja prioritário na agenda do país. Nós não temos um programa nacional voltado para o desenvolvimento científico. Não existe, no plano governativo, uma figura que tenha a incumbência de formular ou atuar uma política científica nacional que seja também uma política econômica nacional. Não existem, no parlamento, comitês permanentes dedicados a este dever fundamental. A ciência ficou relegada. Não basta o Ministério da Universidade e da Pesquisa para fazer tudo isso. A ciência deve ser colocada no centro das atenções porque, repito, nela estão muitas de nossas esperanças para o futuro.

12)              Aumentar o capital científico. Aumentando o capital humano. A nova ‘política de pesquisa’ do Estado deve ter como objetivo aumentar o capital científico do país. Mas como podemos aumentar o capital científico? Em primeiro lugar, é preciso um grande número de homens e mulheres de ciência para produzir novos conhecimentos e aplicá-los a objetivos práticos. O capital científico é constituído sobretudo de capital humano e aumenta, se cresce o capital humano. De modo claro: o país precisa de mais cientistas e de mais técnicos (isto é, de mais graduados). Porque a rapidez ou a morosidade de qualquer progresso em ciência depende do número de profissionais altamente qualificados que trabalham na fronteira do conhecimento. E, logo, o verdadeiro limite à produtividade e ao desenvolvimento, no campo do saber científico e de sua aplicação, é o número de experts que temos a disposição. É necessário mais cientistas e técnicos. E, obviamente, universidades e centros em condições de fazê-los trabalhar sempre melhor. Para funcionar eficazmente como centros de pesquisa de base essas instituições devem ser fortes e sadias; devem atrair os nossos melhores cientistas como professores e pesquisadores efetivos, oferecendo a eles oportunidades elevadas e atribuições suficientemente remuneradas, de forma que estejam em condições de disputar, com a indústria e com o governo, os melhores talentos científicos do país. Naturalmente, o fluxo, alto e constante, de recursos públicos não deve, de modo nenhum, coibir a autonomia dos cientistas. A liberdade de pesquisa deve ser salvaguardada.

13)              Só o mérito. A seleção dos cientistas e dos técnicos fundada somente no mérito é questão decisiva: porque a responsabilidade da criação do novo saber científico recai sobre um pequeno grupo de homens e mulheres que estão em condições de compreender as leis fundamentais da natureza e as técnicas da pesquisa científica.

14)              Remover as barreiras. Para mobilizar os melhores cientistas que o país pode oferecer, urge que o universo da seleção seja o mais amplo possível. Inclua todos, de modo que todos os mais capazes possam submeter-se ao exame. Mas existem barreiras sociais que impedem aos “competentes mas pobres” de concorrer. A educação superior, nesse país é cada vez mais destinada a quem tem a possibilidade econômica de acessá-la. Se as pessoas que detêm o dinheiro coincidissem exatamente com aquelas que têm talento, não desperdiçaríamos a nossa educação com quem não a merece, nem perderíamos o grande talento de quem não tem dinheiro para frequentar a universidade. Em todo segmento da população existem indivíduos dotados, mas, salvo raras exceções, quem não tem condições de acessar a educação superior é obrigado a renunciar a ela. Dessa forma, termina por se tornar inaproveitada a maior reserva de uma nação: a inteligência de seus cidadãos. Temos que derrubar estas barreiras e oferecer aos homens e mulheres de todo tipo e condições a oportunidade de melhorar a si mesmo. Para desenvolver o talento dos jovens italianos, o governo deveria reservar um número razoável de bolsas de estudos e subsídios para a pesquisa.Temos que favorecer o ingresso da maior parte dos jovens nas universidades. Temos que ter mais jovens graduados e mais pesquisadores.

15)              Uma agência nacional para a pesquisa. Sugiro que seja instituída uma nova agência, com o dever de superintender todos esses objetivos, que seria um órgão independente, com a missão exclusiva de sustentar a pesquisa de base e a formação científica avançada. Quero ser claro. O Ministério da Universidade e da Pesquisa deve ser abolido. As competências devem passar para a presidência do Conselho, o qual deve avocar para si o governo de toda a pesquisa, mesmo dos institutos e dos centros de pesquisa controlados por outros ministérios. Ao presidente do Conselho (na Itália, o primeiro ministro) o dever de governar a alta formação e a ciência (quem sabe coadjuvado por um alto conselheiro colocado à frente de um “gabinete de direção sobre universidade e pesquisa”). À parte, e de maneira autônoma, deve ser criada uma agência única que financie toda a pesquisa científica pública: aquela das universidades e aquela dos outros institutos. Em ambos os casos, o gabinete e a agência deveriam ter três grandes articulações ou, como amam dizer aqueles que amam o inglês, três hubs: um para a pesquisa fundamental e aplicada no campo das ciências matemáticas, físicas e químicas (instituição de referência o Consiglio Nazionale delle Ricerche – CNR); um para a pesquisa no campo da biomedicina e das neurociências (instituição de referência o Istituto Superiore di Sanità – ISS) e o terço no campo do ambiente (instituição de referência o Istituto Superiore per la Protezione e la Ricerca Ambientale – ISPRA). Os institutos de referência não deveriam absorver os outros institutos (a autonomia e a diversidade são recursos), mas simplesmente coordenar as atividades científicas de todos para maximizar as sinergias e minimizar as sobreposições inúteis.”[25]

[1] Cito traduzindo: “É evidente o efeito distorcido que a introdução do critério  de valorização dos artigos em revistas de faixa A, causou sobre as escolhas editoriais futuras e sobre o planejamento da pesquisa a ser realizada sobretudo nos jovens pesquisadores (um desastre, por assim dizer, anunciado e antecipado pelo que já tinha acontecido nas áreas científicas), provocando uma série de comportamentos oportunistas tristemente conhecidos em outros sistemas de pesquisa, como, por exemplo, o fatiamento (salami-slicing) e o abandono de gêneros mais complexos e de maior respiro como a monografia ou o ensaio. Por que dedicar dois, três, quatro anos trabalhando sobre uma monografia de pesquisa, quando um artigo que pede muito menos tempo para a sua elaboração serve do mesmo jeito para que se avance na carreira? E por que arriscar enfrentar um tema considerado inovativo demais ou de nicho quando, dedicando-se a um estudo mainstream, a publicação em uma revista de faixa A é quase certa? E, dessa forma, se pode imediatamente colher as citações úteis e fazer subir o índice ‘h’. Vocês querem que esses indicadores, já em uso nas ciências duras, sejam exportados para o âmbito  humanístico?
E assim o humanista começa, perigosamente, a se assemelhar ao seu colega cientista.” Ver: Galimberti, Paola. La saggezza della folla. In: Banfi, Antonio; Franzini, Elio; Galimberti, Paola. Non sparate sull’umanista: o desafio da avaliação. Milano: Guerini e Associati, pp. 134-5, 2014. Opúsculo fundamental para compreender o estado da arte na avaliação das ciências humanas, principalmente o artigo citado de Paola Galimberti.

[2] Nunc vino pellite curas. Orazio − Odi, I,7,31. “Afastai, agora, com o vinho, vossas preocupações.”

[3] Barbujani, Guido. L’invenzione delle razze. Milano: Bompiani, 2013.

[4] Disponível em: . Acesso em 08 de setembro 2015.

[5] Disponível em: . Acesso em 08 de setembro 2015.

[6] Para ilustrar a questão, assistam esses dois pequenos vídeos com Fatou Diome. Disponível em: . Acesso em 08 de setembro de 2015.
Se sonega assim, de maneira “sabida”. Olhem, entre outras, essa frase de Contardo Galligaris: “Conversando com vizinhos venezianos que habitualmente execram os imigrantes chineses, haitianos etc., o que surpreende é uma generosidade quase sem reservas”. Ele, na Venezia do prefeito Luigi Brugnaro, eleito por uma lista cívica de centro-direita, e no Vêneto do governador Luca Zaia, Lega Nord, deve ter vizinhos muito especiais, porque a maioria dos venezianos e dos vênetos, que votaram nesses dois, estão longe de ter essa “generosidade quase sem reserva”. O nome disso é desfaçatez. Disponível em: . Acesso em 10 de setembro de 2015.

[7]Disponível em: . Acesso em 08 de setembro 2015.

[8] Disponível em: . Acesso em 08 de setembro 2015.

[9] O The European Higher Education Area in 2015: Bologna Process. Implementation Report, diz, em linguagem protocolar, algumas das questões que levanto. Quando as experimentamos na pele, elas são mais ásperas:

“Obstacles to staff mobility
The 2012 Implementation Report identified three main categories of obstacles perceived to be preventing staff from being mobile, namely language knowledge, legal issues and personal situation (European Commission/EACEA/Eurydice, Eurostat and Eurostudent 2012, p. 171). Language knowledge was clearly identified as the most important obstacle for both incoming and outward staff mobility.
For the current report, countries were asked to rank obstacles for incoming and outgoing staff mobility separately. As in most countries there are no surveys, studies or evaluations on obstacles to staff mobility, answers are based on countries’ perceptions.
Lack of funding now seems to be the most important obstacle particularly for outgoing mobility, followed by administrative burden, language issues and lack of motivation among personnel. Other obstacles such as recognition and legal issues, immigration restrictions or incompatibility of pension and/or social security systems were also cited, but they are deemed to be slightly less important according to countries’ perceptions. Regarding the two last topics, immigration restrictions seem to be a concern more often for non-EU countries, while the incompatibility of pension and/or social security systems appears to be mainly a preoccupation within EU countries.
Countries also report on other obstacles for outgoing staff mobility, in particular the difficulty for staff to find time to fit a mobility period into their work programme, or the difficulty of identifying human resources to cover duties when staff go abroad.
With regard to incoming staff mobility, two types of obstacles dominate in countries’ answers: the first is related to language issues and the second to lack of funding. The lack of assistance and support services for matters such as housing, schooling for children, employment for a spouse or partner are also among the reported obstacles for incoming staff mobility.
Measures to remove obstacles to staff mobility
Around half of the EHEA countries reported having measures for tackling obstacles to staff mobility, for both incoming and outward staff mobility. Distinctions between categories of staff are rarely made, but measures targeting the mobility of teaching and research staff seem to dominate. The most often cited measures are the provision of grant schemes/financial incentives, the provision of language training for both incoming and outgoing mobility, measures to ease visa and immigration procedures and the promotion of mobility opportunities/provision of counselling services. Measures to facilitate recognition procedures were less often mentioned, while very few countries mentioned measures for assisting accompanying family members. Among this group, the Slovenian government aims to introduce supplementary support mechanisms for foreign experts such as assistance with childcare or accommodation.
Facilitating the granting of visas is crucial for staff mobility (as well as student mobility) and some countries have made progress. A European initiative adopted in 2013, the European Scientific Visa, is also worth mentioning as a recent development. It applies in all Schengen states, and aims to facilitate visa procedures for researchers intending to reside in EU countries. This initiative paves the way for further advancements in optimizing mobility flows.
With regard to the promotion of mobility opportunities, the United Kingdom (England, Wales and Northern Ireland) combines diverse means, such as a dedicated campaign and website, specific promotion events, posters and leaflets and targeted emails. Previously mobile staff are also used as ambassadors. In Luxembourg, efforts are made to provide better information on the benefits of mobility.
The provision of a unique website which provides information about all international mobility schemes for staff is also a way to respond to the lack of information. In the previous report, countries reported that the provision of information for employees interested to make use of opportunities to work abroad was generally insufficient (European Commission/EACEA/Eurydice, Eurostat and Eurostudent 2012, p. 172). This situation has not changed much since then. Indeed, the information about staff mobility opportunities seems to be either non-existent or scattered in different websites. Some countries have one or several websites, but they do not cover all opportunities (incoming and outgoing mobility, all types of staff).” pp. 262-3
Disponível em: . Acesso em 08 de setembro 2015.

[10] Disponível em: . Acessoem 08 de setembro 2015.
E ainda o artigo de Roberto Saviano em que, entre outras coisas, diz: La corruzione più grave non è quella del disonesto che vuole rubare: la vergogna è quella dell’onesto che − se vuole un documento, se vuole un legittimo diritto, se vuole fare impresa o attività − deve ricorrere appunto alla corruzione per ottenere ciò che gli spetta. A sud i diritti si comprano da sempre: e Lei non può non ricordarlo. Disponívelem: . Acesso em 08 de setembro de 2015.

[11] Um libelo contundente contra a avaliação, mas que, ao mesmo tempo, não coloca nada no lugar, ver: Pinto, Valeria. Valutare e punire. Napoli: Cronopio, 2014.
E ainda:
Miccoli, Paolo; Fabris, Adriano. Valutare la ricerca? Capire, applicare, difendersi. Pisa: ETS, 2012.   Perfetti, Ombretta. Impact factor, h-index e la valutazione della ricerca. Roma: Il Pensiero Scientifico, 2013.

[12] Cito traduzindo: “No Ocidente a ciência se identifica, em época moderna, sempre mais com um processo de pesquisa da verdade dos fatos.
Nesse sentido, foi introduzida em algum momento uma distinção fundamental: aquela entre ciências da natureza e ciências humanas. Se a ciência se identifica com a pesquisa da verdade, é bastante compreensível que coloque o problema do seu modo de operar tanto no campo dos conhecimentos naturalísticos como das ciências humanas, chamadas também, às vezes, de ciências históricas ou sociais. Na verdade, porém, a divergência entre o caminho das ciências da natureza e o das ciências humanas tornou-se sempre mais pronunciada, com grande pesar das pessoas que possuem uma inclinação filosófica, mas igualmente com grande proveito das ciências naturais que alcançaram sucessos sempre mais esclarecedores e metas sempre mais ousadas.
Todos têm conhecimento desses sucessos recentes, de tal modo que, frequentemente, é de ciências da natureza que se fala quando se fala simplesmente de ciência. Graças, certamente, à fundamental  contribuição da matemática, a física, a química e a biologia, e também a geologia e a astronomia, para não falar da informática, explodiram nos últimos decênios, em virtude, entre outras coisas, do contínuo aumento do número de pesquisadores engajados em tais tarefas. Mesmo no léxico do homem comum, a palavra ciência foi adquirindo um significado sempre mais preciso e específico.
Quando se fala de ciência sem outra especificação, entende-se hoje quase sempre aquele complexo de coisas e de pessoas que se dedicam em tempo integral na grande pesquisa científica, a qual caminha levada por um número expressivo de pesquisadores especializados que trabalham em grandes estruturas dedicadas, com a ajuda de adequados, e caríssimos, equipamentos de vanguarda. De tudo isto, se espera um contínuo avanço dos conhecimentos científicos nos vários campos, incluída aí, e cada vez mais no papel de protagonista, a biomedicina de vanguarda.
O que é hoje a ciência? Podemos defini-la como um “empreendimento coletivo e progressivo voltada a colher os aspectos reproduzíveis de um número sempre maior de fenômenos naturais e a comunicá-los através do tempo e do espaço de forma sinóptica e internamente não contraditória, de modo a colocar qualquer pessoa em condição de fazer previsões fundamentadas e de projetar e implementar ‘máquinas’ que funcionem, sejam elas de natureza material ou mental.” Ver: Boncinelli, Edoardo. I connotati della scienza. Rivista MicroMega, Roma, n. 5, p. 128, 2015.

[13] Vi esse artigo já muito depois de ter escrito o que escrevi, mas sei que uma forma do conhecimento avançar é via autoridade. O que muita gente não quer saber é que a intuição cumpre um papel muito mais vigoroso do que a autoridade para o avanço do conhecimento e da ciência propriamente dita. Eu, particularmente, confio mais na intuição (e estou em boa companhia). Então, para quem precisa de autoridade, leia esse artigo sobre a ligação entre gênio e desajustamento e, se for o caso, aprofunde. Disponível em: . Acesso em 08 de setembro de 2015.
E sobre intuição, do Diretor do Max Planck Institute for Human Development, de Berlim, ver:  Gigerenzer, Gerd. Imparare a rischiare – come prendere decisioni giuste. Milano: Raffaello Cortina, 2015.

[14] Como acontece sempre na história, algumas palavras adquirem certas acepções, sempre motivadas por algum tipo de interesse que, a partir de determinado ponto de vista, podem soar inadequadas, e, por isso, o falante, o escritor cauto, acaba por evitá-las. Ócio é uma dessas palavras, mas o mais curioso é que a sua negação, isto é, o negócio, adquiriu uma vida fastuosa. O melhor exemplo é “o homem de negócio”. O homem que nega o ócio. Esse é sempre visto com bons olhos por gente sem memória histórica, um tipo de Alzheimer ensinado nas más escolas e, principalmente, nas mídias. Mas tudo tem verso e reverso. Carlo Rovelli, um dos mais proeminentes físicos da atualidade − um italiano entre outros que faz parte dos “cérebros em circulação”, ou da “fuga de cérebros”  − é um tipo fora dos padrões do bom comportamento. Sobre o ócio, ele diz: “Da ragazzo, Albert Einstein ha trascorso un anno a bighellonare oziosamente. Se non si perde tempo non si arriva da nessuna parte, cosa che i genitori degli adolescenti purtroppo dimenticano spesso. Era a Pavia. Aveva raggiunto la famiglia dopo aver abbandonato gli studi in Germania, dove non sopportava il rigore del liceo. Era l’inizio del secolo e in Italia l’inizio della rivoluzione industriale. Il padre, ingegnere, installava le prime centrali elettriche in pianura padana. Albert leggeva Kant e seguiva a tempo perso lezioni all’Università di Pavia: per divertimento, senza essere iscritto né fare esami. È così che si diventa scienziati sul serio”. Ver: Rovelli, Carlo. Settebrevi lezionidi física. Milano: Adelphi, 2014, p. 13.
Tornou-se assaz costumeiro, não traduzir citações quando feitas em inglês, afinal parte-se do pressuposto que todos entendem essa língua. Mesmo quando não é assim. Como não parto do princípio de que todos sabem ou deveriam saber o italiano − e porque gosto desta passagem − traduzo:
“Ainda rapaz, Albert Einstein transcorreu um ano a vagar ociosamente. Se não se perde tempo, não se chega a lugar nenhum. Coisa que os pais de adolescentes, infelizmente, esquecem com frequência. Ele estava em Pavia. Tinha vindo ao encontro da família depois de ter abandonado os estudos na Alemanha, onde não suportava o rigor liceal. Era o início do século e na Itália o início da revolução industrial. O pai, engenheiro, instalava as primeiras centrais elétricas no Vale do Pó. Albert lia Kant e seguia, como tempo perdido, aulas na Universidade de Pavia: por diversão, sem estar matriculado e sem fazer provas. É assim que se torna cientista de verdade.”

[15] Nada mais exemplar para nos contar, por dentro, essa história do que o livro do ganhador do prêmio Nobel de 1962 em medicina e fisiologia: James D. Watson. La doppia elica. Milano: Garzanti, 2013.  As opiniões, preconceituosas, do cidadão James D. Watson não invalidam o trabalho do cientista James D. Watson.

[16] Para conhecer aspectos da universidade pública italiana a partir da visão de 7 professores que atuaram e adquiriram respeitabilidade nos EUA, mas que acabaram voltando para a universidade italiana, gente que conhece, na prática, os dois sistemas, ver: Semplici, Stefano (org.). Italia no, Italia forse – Perché i talenti fuggono e qualche volta ritornano. Brescia: La Scuola, 2014.
E ainda:
Capano, Giliberto; Meloni, Marco. Il costo dell’ignoranza – L’Università italiana e la sfida Europa 2020. Bologna/Roma: Il Mulino/AREL, 2013.
Vittorio, Nicola; Cerri, Giampaolo. 30 anni di dottorato di ricerca – l’ora del 2+3. Roma: Exorma, 2013.
Para acompanhamento constante, um site de posição transparente:
Disponível em: . Acesso em 08 de setembro 2015.
Um site com outro tipo de posição:
Disponível em: . Acesso em 08 de setembro 2015.
Um site plural, com a visão do mundo universitário:
Disponível em: . Acesso em 08 de setembro 2015.

[17] Em entrevista a Pietro Greco feita por Carlo Bernardini, cujo título já diz tudo, “Il declino dell’Italia che disprezza la scienza”, a primeira pergunta de Pietro Greco é já um resumo da situação geral: “Da quasi trent’anni l’Italia è in una condizione di declino relativo: la ricchezza del nostro paese è cresciuta meno che nel resto d’Europa e in gran parte del mondo intero. Dopo il 2008 il declino italiano è diventato assoluto: il prodotto interno lordo italiano è diminuito addirittura del 10 per cento. Ma, cosa ancor più grave, il paese intero appare sempre più incapace di reagire. Questa crisi ha radici profonde. E molti, tra cui noi due, pensano che esse affondino in quella che potremmo definire ‘la questione scientifica’. Siamo l’unico paese sia tra quelli di antica industrializzazione sia tra quelli a economia emergente (ma ormai emersa) che seguono un ‘modello di sviluppo senza ricerca’. Il nostro sistema produttivo ha una forte vocazione per le tecnologie con poco o nessun valore di conoscenza aggiunto, mentre i mercati internazionali sono dominati proprio dai beni e dai servizi ad alto tasso di conoscenza aggiunta. La domanda è: qual è l’origine di questa anomalia italiana? La domanda ammette molte risposte, naturalmente. Non c’è una causa unica. Ma, a mio avviso, la causa di gran lunga principale risiede nella natura della nostra borghesia, incapace, salvo eccezioni, di interpretare la modernità e sempre alla ricerca di soluzioni gattopardesche, in politica come in economia.”  Ver: “Il declino dell’Italia che disprezza la scienza – Carlo Bernandini in conversazione con Pietro Greco”, in Rivista MicroMega 5/2015. Roma, 2015, p. 61.

[18] Rara exceção na crítica ao sistema universitário brasileiro é o artigo de Ivan Domingues: “A universidade e o mundo contemporâneo”, in Fórum de estudos contemporâneos – Coletânea de conferências. Belo Horizonte: Imprensa Universitária UFMG, 2013, p. 105-127.

[19] Também aqui escrevi antes de descobrir, com alegria, que a discussão começa a ser feita no Brasil. Disponível em: . Acesso em 08 de setembro 2015.

[20] Para um bom quadro dos modelos de governançadas universidades no mundo, ver: Capano, Giliberto; Tognon, Giuseppe (orgs.). La crisi del potere accademico in Italia.  Bologna: Il Mulino, 2008. Em especial, o artigo: “Come si governano le università degli altri: una prospettiva comparata”, de Lorenzo Marrucci.
E ainda: . Acesso em 08 de setembro 2015.

[21] Na Itália, apesar da moda se alargar, uma discussão qualificada está se fazendo. Ver: Maraschio, Nicoletta; De Martino, Domenica (orgs). Fuori l’italiano dall’università? – Inglese, internazionalizzazione, politica linguistica. Roma: Accademia della Crusca/Laterza, 2013.

[22] Disponível em: . Acesso em 08 de setembro 2015.

[23] Somente ouvidos corrompidos por um mal obscuro, não levariam em conta a fala do prof. Ataliba T. De Castilho: “Refletir sobre a língua materna é o primeiro passo para a formação da mentalidade científica. É também um grande passo para a formação de uma cidadania ativa, participadora, indispensável às sociedades democráticas.” Disponível em:
. Acesso em 08 de setembro 2015.

[24] Disponível em: . Acesso em 08 de setembro 2015.

[25] Greco, Pietro. Un programma di governo per la scienza. Rivista MicroMega, n. 5, Roma, pp. 85-90, 2015. Para ler − no original e com uma esclarecedora apresentação de Carlos Henrique de Brito Cruz − esta “receita” de Vannevar Bush que, sem dúvida, é a mais famosa, a mais importante e a mais decisiva, ela está disponível em:
. Acesso em  08 de setembro 2015.

Publicado na revista Ensino Superior da Unicamp: https://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/artigos/sistema-universitario-de-assistencia-social-e-maquina-de-enxugar-gelo