Os massacres balísticos desfechados no Afeganistão (2001) e no Iraque (1990, 2003) pelo bloco imperialista hegemônico tiveram custo muito alto e resultados não garantidos para os agressores. A chamada “primavera árabe”, expressão que hoje soa como uma ironia macabra, propiciou-lhes a ocasião de retomar, em 2011, a tenebrosa tentativa de recolonização do Médio Oriente, lançando contra a Líbia de Khadafi uma “blitzkrieg” que arruinou a infra-estrutura econômica do país e destruiu sua organização administrativa. Desta vez a relação custo/benefício foi melhor para os assaltantes, principalmente para o consórcio franco-britânico Sarkozy/Cameron, que se encarregou do massacre balístico. As consequências perversas dessa bestial destruição não se limitaram aos mortos e mutilados, às ruinas e ao cruel desamparo em que foram lançados os sobreviventes das cidades e áreas alvejadas pelos “bombardeios humanitários” despejados pelos valentões da Otan. Estimulado pelo desmantelamento do Estado líbio, que deixou as fronteiras do país praticamente sem controle policial e administrativo, um imenso fluxo de imigrantes dos países pobres do norte da África dirigiu-se ao litoral mediterrâneo para tentar a perigosa e muitas vezes letal travessia rumo à Europa rica.

Consta que a desgraça da Líbia foi extremamente benéfica para Sarkozy, que devia uma fortuna a Khadafi. Derrubando-o e assassinando-o, a tropa de choque colonialista proporcionou um grande alívio financeiro ao então presidente da França. Embora protegido pelo silêncio cúmplice dos donos da notícia (da Agência France Presse ao Le Monde), Sarkozy tem sido denunciado por grupos de informação independentes (ver em especial o artigo de Edwy Plenel “Kadhafi : la vérité qu’ils veulent étouffer” no “site” Mediapart, datado de 17 de novembro de 2014), que exibem fortes indícios de que Khadafi foi eliminado não por ser um ditador, um tirano, como rosnam os “poodles” da mediática pro-imperialista, mas por ter financiado a campanha presidencial de Sarkozy em 2007. Matar um credor é um método eficiente para não pagar dívidas. 

Em março de 2011, enquanto a dupla Sarkozy/Cameron, com o beneplácito de Obama, bombardeava pesadamente a Líbia, bandos de pistoleiros profissionais, apresentados simpaticamente pelos jornais e TVs do bloco hegemônico como membros de um recém criado “Exército Sírio Livre” (ESL), desfecharam um levante visando a derrubar o presidente Bashar al-Assad. Começava mais uma primavera de sangue. O ódio dos colonialistas e de seus satélites feudal-petroleiros a Assad provém de motivos substancialmente semelhantes aos que inspiraram o aniquilamento balístico do Iraque em 2003 e da Líbia em 2011. Os três países eram governados por regimes laicos, oriundos da luta anti-imperialista das nações árabes, embora em nenhum deles houvesse uma “democracy” no sentido ocidental do termo. Mantinham, dentro dos limites das fortes pressões impostas pelo imperialismo, uma política externa independente, sustentando a resistência palestina ao facho-sionismo. Eram fortes exportadores de petróleo de muito boa qualidade. Os três, enfim enfrentavam uma oposição heterogênea, em que pontificavam provocadores diretamente a soldo dos “serviços especiais” (CIA e sucursais europeias), liberais de direita pro-imperialistas e fundamentalistas islâmicos de extrema-direita.

Desde o início da desestabilização da Síria, os poucos observadores que se recusaram a uivar com a matilha colonialista avisavam que, à parte alguns figurões liberais engravatados posando nas chancelarias ocidentais, o grosso da tropa do ESL era composto de poucos sírios e de muitos fanáticos wahhabistas, seita sunita fundada por Ibn Abdelwahhab, reformador fundamentalista estreitamente ligado aos emires que fundaram o reino feudal da Arábia Saudita, com o beneplácito do Império britânico. Nos vídeos que exibem as mortíferas operações do ESL, fartamente divulgados pela CNN, BBC e Al Jazeera (emissora do emir de Qatar), ouvia-se sempre, quando a fuzilaria se interrompia, o brado “Allah akbar” (=Deus é o maior). Enquanto esses brados religiosos rituais comemoraram ataques contra as forças do governo sírio, eles foram alegremente acolhidos pelos papagaios do cartel mediático imperialista.

Os governos do “Ocidente” só se comoveram quando os terroristas sunitas, armados, equipados e exportados pela Arábia Saudita e Qatar, com apoio do solerte  Erdogan da Turquia, após se implantarem no caótico Iraque, arrasado dez anos antes pelo genocida Bush, passaram a desenvolver seus próprios planos, fundando um Estado teocrático islâmico e exibindo imagens de execuções em massa, inclusive de prisioneiros ocidentais. Os donos da Otan deixaram então de fornecer bombas aos “rebeldes” e passaram a bombardeá-los. Mas não renunciaram ao objetivo principal: como haviam feito com Saddam Hussein e Khadafi, assassinando Assad queriam dar um grande passo adiante na recolonização do Médio Oriente.

Mesmo perante a chacina do Charlie Hebdo, no dia 11 de janeiro de 2015 em Paris, os governantes ocidentais recusaram-se a reconhecer que o regime pluriconfessional da Síria era a única muralha efetiva contra os serial-killers do obscurantismo wahhabista. Foi somente onze meses depois, reagindo ao morticínio da noite de 13 para 14 de novembro em Paris, que o governo francês decidiu anunciar uma mudança estratégica, abandonando o objetivo prioritário de derrubar Assad e buscando aproximação com as posições sustentadas por Putin: o inimigo a aniquilar é o “califado” sunita (ou Daesh, conforme seu acrônimo árabe). Obama, porém confirmando seu título de “king of drones”, continua com a estupidamente falaciosa tentativa de derrubar Assad, mas também conter as serpentes que a CIA e o Pentágono durante anos ajudaram a proliferar.