“Queria ouvir um pouco o senhor sobre os rumos da política energética nacional”, indagou a Folha de São Paulo ao físico José Goldenberg, 87 anos, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. A entrevista versava sobre a Usina de Belo Monte e foi publicada hoje. O físico respondeu: “Houve uma visão dos anos 1950 da Presidência. É uma ideia nacionalista, de que o sistema tem de ser estatal, de que as empresas estavam ganhando muito dinheiro. É uma visão ao estilo PC do B”. E mais adiante, quanto às “mágoas” das empresas do setor elétrico com o governo federal, cravou: “Tem um pouco do voluntarismo da Dilma… uma visão meio stalinista das coisas”.

Vejamos. Anos 50 se referem à era Vargas. Muitos pretenderam enterrá-la sem consegui-lo. FHC não substituiu, na história nacional, as figuras gigantes de Celso Furtado, dos boêmios cívicos e tantos outros nacionalistas daquele tempo, entre os quais avulta o estadista presidente Getúlio Vargas. Não era ele comunista nem stalinista, ao contrário, mas tinha o senso estratégico nacional.

Nem era o caso de tal enterro, mas de atualização do projeto. A obra da construção nacional está inconclusa, nos termos do tempo presente e exigente de ovo patamar. Isso tem a ver com estratégia de desenvolvimento nacional, um debate nevrálgico. Aliás, a globalização sob a égide norte-americana repôs tais exigências com ainda maior nitidez. Sem um Estado nacional à altura da vocação de um projeto nacional soberano, a nação estaria de mãos atadas para fazer valer seus interesses num mundo de assimetrias de poder tão atordoantes. Sem isso, restará a esta grande nação engatar-se como vagão na locomotiva dos poderosos.

No mínimo, o físico Goldenberg deveria ter percebido que o tema não se presta a representar um senso comum, digo, um pensamento único.

Do mesmo modo quanto ao PCdoB. Posso crer que ele não acompanhe a vida real do mais antigo partido do país em atuação sem interrupções, ao custo de muita luta e sacrifício pela liberdade, progresso social e soberania nacional. Uma pena. No fim dos anos 70 conheci o professor, antes de ser reitor da USP onde estudei, na condição de um democrata. Também porque era pai de um preso político, comunista do PCB, a quem prestei solidariedade e ajuda por razões que não vêm ao caso.

Queria crer, por estas circunstâncias, que o professor tivesse interesse em saber da démarche dessa grande corrente, mesmo discordando dela, o que respeito, como contribuinte destacado pela democracia. E que, sendo democrata como é, compreendesse que esse atributo, desligado de um projeto nacional que integre o povo à nação e alcance-lhes novo patamar civilizatório, é uma ideia manca.

O termo PCdoB, quando usado em termos adjetivos, até mesmo na mídia plutocrática, o é para indicar autenticidade. Aquela de quem reage à apostasia e descaracterização, renova o ideal, mantém sua identidade, coerência, princípios. Essa foi a base para o PCdoB, sem cabotinismo, se destacar como capaz de se renovar permanecendo o mesmo, e conquistar cada vez maior respeito e prestígio pela sua determinação e firmeza, como se viu este ano nas ruas, no movimento social, na sociedade civil e tribunas do Congresso. Uma corrente política respeitada mesmo pelos adversários políticos, no que são retribuídos.

Mas, mais que um termo, o PCdoB é um partido que tem um Programa. Não tem “uma ideia nacionalista, de que o sistema tem de ser estatal, de que as empresas estavam ganhando muito dinheiro”. Aliás, em seu Programa um dos tópicos é precisamente “o esgotamento do nacional-desenvolvimentismo [dos anos 50]”.

Lá se diz: “O PCdoB está convicto de que, no transcorrer das primeiras décadas do século XXI, o Brasil tem condições para se tornar uma das nações mais fortes e influentes do mundo. Um país soberano, democrático, socialmente avançado e integrado com seus vizinhos sul e latino-americanos”. Então tem a ideia, transformada em prática política, de que o Brasil necessita de um novo projeto nacional de desenvolvimento, com aqueles atributos e mais o da sustentabilidade ambiental, que hoje, concretamente, propõe reformas estruturais democratizantes que destravem o processo de afirmação nacional, democrática e popular.

O professor erra formalmente. O PCdoB propõe, nesse projeto, “uma economia mista, heterogênea, com múltiplas formas de propriedade estatal, pública, privada, mista, incluindo vários tipos de empreendimentos, como as cooperativas”. Como se afirma no mesmo Programa: “Poderá contar com a existência de formas de capitalismo de Estado, e com o mercado, regulados pelo novo Poder [político instaurado]. Todavia, progressivamente devem prevalecer as formas de propriedade social sobre os principais meios de produção”.

Nas condições do mundo hoje, da globalização imperialista, do pós-guerra fria, em meio à segunda maior crise capitalista da história, considera que esse projeto tem no fortalecimento republicano do Estado nacional um elemento fundamental para  indução do desenvolvimento, inclusive a partir de empresas estratégicas postas sob o comando dessa perspectiva, num sistema todavia capitalista.

Isso está inserido numa grande e longa transição histórica, na qual o projeto nacional de desenvolvimento representa o caminho para abrir perspectivas a um socialismo renovado, fincado no solo da história política, econômica e social do país, no caráter de nosso povo trabalhador, sem modelos pré-determinados. Socialismo que consideramos um sistema capaz de sustentar a soberania da Nação e a valorização do trabalho e que, por sua vez, não triunfa sem absorver a causa da soberania e da afirmação nacional.

É esse o programa que norteia sua ação. Pode-se concordar ou discordar com o PCdoB, mas a entrevista com o físico Goldenberg, nesse caso, incorreu em dois erros muito frequentes de quem se aventura nesse terreno do alegado anacronismo. Um o de considerar que se critica uma “era” encerrada ou que não pudesse ter ou tenha sido aggiornata. Outro, por extensão, o de se mostrar mal informado sobre tais atualizações, conferindo à crítica vieses ideologizados, com um tom adjetivo e, não raro, panfletário, rebaixando o debate de ideias.

O juízo cristalizado do professor ficou nos anos 50. Há os que cometem o erro do presentismo, que analisam o passado de modo descontextualizado, aplicando os contextos do presente. Ele no caso foi passadista, analisando o presente com os olhos de epígono, obnubilando a dinâmica do pensamento que ele critica. Pior, no caso, e incrível, é que invocou categorias do tempo da guerra fria.

Já nem falo de suas ideias sobre energia – uma dentre muitas em debate dos especialistas – apresentadas com o fervor dos donos da verdade. E em tempo registro que a FAPESP, foi constituída por projeto de um comunista na Assembleia Legislativa de São Paulo. Em época áurea, professor, quando se fortalecia o Estado nacional.

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Vice-presidente nacional do PCdoB