Meu colega sempre dizia da inteligência e sabedoria do pai, que ele era muito quieto e que, de quebra, gostava imensamente de cozinhar. Claro que aceitei o convite. No outro dia, meu colega me perguntou se eu gostava de “paella”, comida espanhola. Disse a ele, que só conhecia por ouvir falar e nem sabia dos ingredientes. Ele me disse que seu pai iria preparar para todos, uma imensa paella no domingo. Ainda me adiantou que paella era uma comida de certa forma parecida com feijoada, só que usavam arroz, ao invés de feijão preto e que, além de carnes, continha também peixes e crustáceos; os chamados frutos do mar. Eu lhe perguntei se também tinha camarões; ele afirmou positivamente. Disse a ele que qualquer comida que tinha camarão só podia ser boa. E assim foi…

Domingo, dez e meia da manhã, lá estava eu na casa dos Kimura, em Taboão da Serra (à época eu morava na periferia de Osasco).

O velho Kimura era um homem simpático, generoso e sorridente. Tratava a todos os convidados que iam chegando com muita afeição.

Perguntava: – você é convidado de quem?

Feito isso, sorria e agradecia pela presença. Eu estava lá, de certo modo constrangido em meio a mais cinco convidados, pois meu colega, o filho do velho Kimura havia ido buscar encomenda no mercado Central de São Paulo e não havia voltado; portanto eu não conhecia nenhuma daquelas pessoas e nem elas a mim. O velho Kimura nos convidou a todos a passarmos para o quintal, onde num grande fogão à lenha, ele cozinhava num enorme tacho uma comida amarelada e muito, muito cheirosa. Convidou-nos a conhecer sua coleção de orquídeas e alguns bonsais, dos quais se orgulhava: coisa da tradição japonesa. Achei tudo fascinante! Nesse instante, ouviu-se um barulho absurdamente alto lá fora.

-Que será?; dissemos em coro!

O velho Kimura nos disse que era apenas um caminhão passando na rua de terra da casa onde morava, onde defronte havia uma valeta e o barulho demonstrava que o mesmo estava vazio!

Pensei de mim para comigo e imagino que o restante dos convidados deviam ter pensado a mesma coisa: como podia ele saber que o caminhão estava vazio?

Não resisti e fui até a rua defronte á casa dos Kimura, onde ainda vi o caminhão que fez o enorme barulho seguir vagarosamente, poucos metros adiante. Constatei de que ele estava realmente vazio! Observei também, inclusive, que meu colega acabava de chegar. Quando voltei ao local do fogão, disse isso ao velho Kimura e ele, no alto de sua sabedoria, me disse:

– Quando um veículo está vazio ele faz muito barulho, faria um pouco menos se houvesse algo dentro dele!

Calei-me ante o provérbio!

Devo dizer que o almoço foi extraordinário e a função foi até altas horas da noite, com direito a música ao vivo, bolo e tudo o mais. Jamais esquecerei o velho Kimura, embora tenha sido a primeira e última vez que o vi.

Hoje, perdi-me de meu colega de trabalho daqueles tempos: (nunca mais o vi depois que sai daquele emprego); contingências da vida!

Agora, entre o outono e o inverno da vida, percebo que assim como os veículos, também as pessoas vazias fazem muito mais barulho que aquelas que têm algo em seu interior.

– O velho Kimura era mesmo um sábio!

 

 

Publicado originalmente em: 11/05/2010

Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS