— É esta a região, é este o clima,

é êste o solo desolado e triste

que pelo Céu havemos de trocar,

deixando pela erma escuridão

todo o esplendor da luz celestial?

— diz o Arcanjo vencido – Sendo assim
já que Deus se tornou o soberano
e pode pela fôrça que possui
dispor de tudo como bem quiser,
quanto mais longe dêle nós todos,
pois não é com a razão que êle se impõe,
subordinando todos os iguais
e sim pelo poder da violência.

 

Adeus  felizes campos onde moram
tôda a alegria e tôda a paz! Adeus!
Salve mansão de horror! Inferno salve!
Recebe nesta negra profundeza
teu novo possuidor que traz consigo
um espírito livre que jamais
nem o tempo e o lugar podem mudar.
Sei que o espírito vive por si mesmo,
e êle pode fazer do Céu o Inferno
e do Inferno fazer o próprio Céu!

 

Que me importa o lugar se eu o mesmo,
igual àquele que só nos venceu
porque dispõe do raio e do trovão!
Êle o Inferno não fez para invejá-lo.
Não quererá daqui nos expulsar.
Reinaremos então com segurança.
É uma  nobre ambição querer reinar.
E sabemos demais que é preferível
reinar no Inferno a ser no Céu escravos!

 

E de nossos amigos que lutaram
conosco lado a lado partilhando
dessa nossa derrota, que faremos?
Poderemos deixá-los destruídos
no lago noturnal do esquecimento?
Devemos lhes pedir pata ficar,
para mais uma vez unido as fôrças,
pois nada temos a perder no Inferno,
ver se podemos recobrar o Céu!

 

Poemas da Liberdade
Uma antologia poética de Dante a Brecht
Edmundo Moniz
Civilização Brasileira
1967

Publicado originalmente em Paradise Lost, em 1667.