Para ele, a ausência de tomada de posição sobre algumas questões em pauta no contexto internacional contribuíram para a construção de convergência entre os diversos grupos e movimentos participantes, porém, ao longo dos anos, resultou no esvaziamento do evento como propulsor de ideias anti-globalizantes e anti-capitalistas.

Para ele, “é preciso que seja criada uma estrutura paralela” que tenha o papel de tomar tais posições e, assim, fortalecer o caráter do Fórum como espaço de debate sobre alternativas ao capitalismo. Boaventura destacou, ainda, que também faltou maior articulação entre as diversas organizações que compõem o evento.

Crise do capitalismo

O sociólogo explicou também que nos últimos anos, devido à crise econômica do capitalismo mundial, a Europa acabou tendo de experimentar o amargo remédio do FMI. Tal receituário era, até então, defendido para os países em desenvolvimento. Porém, bastou sua aplicação nos países europeus para que se comprovasse a gravidade de suas propostas para os povos. Trata-se, segundo ele, de uma “verdadeira “pilhagem”, da retirada de direitos no contexto de um “capitalismo cada vez mais arrogante”.

Sobre os governos da América Latina e em especial o brasileiro, Boaventura enfatizou: “sou absolutamente solidário com o governo brasileiro neste momento, contra o golpe. Sabemos de que lado estamos”. Porém, criticou a perda de algumas oportunidades de mudar as estruturas sociais com mais profundidade. “O boom das commodities — em especial o petróleo — não foi aproveitado como deveria por estes países para aprofundar o seu desenvolvimento”, constatou. Além disso, Boaventura colocou a necessidade de se adotar medidas como a tributação maior sobre os mais ricos como fator de redução das desigualdades.

De acordo com Boaventura, a ascensão das forças populares e de esquerda na América Latina resultou numa forma de reação revanchista e agressiva por parte das elites. Neste sentido, destacou estar havendo um processo de “degradação das relações políticas”, cujo exemplo mais recente e acabado é a eleição de Macri na Argentina, um nome advindo diretamente do setor empresarial e comprometido com uma visão neoliberal e regressiva. Ou seja, os setores dominantes passam a buscar entre os seus nomes que possam ser alçados à condição política, nomes estes umbilicalmente comprometidos com a ideologia dominante.

Boaventura também alertou para um fenômeno que se tornou mais claro nos últimos anos: os movimentos de rua de direita. “A esquerda descobriu que não tem o monopólio das ruas. E a direita parece aprender melhor com os nossos erros do que nós mesmos”. Para ele, essa tática obedece a uma concepção maior de um “fascismo a conta gota”.

Busca pelo futuro

Ao fazer o mesmo balanço dos últimos 15 anos do FSM, a presidenta do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), Socorro Gomes destacou, ao Vermelho, aspectos importantes que caracterizaram o evento desde a sua criação. “O FSM é marcado por ampla diversidade cultural e política. Mas há três pontos, para além deste aspecto, que considero muito importantes: a posição contrária à guerra e pela paz; sua essência anticapitalista, contrária a este sistema deletério e destruidor e a sua afirmação na busca pelo futuro, uma mensagem positiva de que outro mundo é possível. Isso continua atual”.

Para ela, as articulações do Fórum levaram a muitos êxitos. “Vários países saíram do mapa da fome da ONU, o analfabetismo foi erradicado em nações como a Venezuela do comandante Hugo Chávez, Evo Morales implementou grandes avanços na Bolívia. E o Brasil conseguiu, com os governos Lula e Dilma, retirar milhões de pessoas da linha da pobreza”.

Socorro, no entanto, enfatizou que “os problemas ainda são muitos e se olharmos para o mundo, veremos que há uma grave crise civilizacional, que pode ser constatada, por exemplo, na grande migração que está acontecendo para a Europa, o que também demonstra o fracasso das políticas de guerra contra os países e de golpes para a derrubada de presidentes, promovidas pelos EUA e Otan, e que são cinicamente chamadas de operações humanitárias em defesa da democracia.

Essas políticas de cunho imperialista e contrárias à auto-determinação dos povos resultaram, conforme explicou, na fuga em massa de milhões de pessoas em vários países. “E quando essas pessoas conseguem chegar à Europa, encontram a truculência das potências europeias e da Otan, aquelas mesmas que promoveram a destruição de seus países, provocaram o terrorismo e o caos”.

Para Socorro, portanto, permanece no cerne do Fórum “a necessidade de dar continuidade e avançar na luta pela paz e contra as guerras. E paz não rima com opressão, com injustiça, com a falta de direitos dos povos, e nem com a falta de soberania”.

A mesa de debates contou ainda com a participação de Maren Mantovani (StopWall), que abordou a gravidade dos problemas impostos por Israel aos palestinos; Leo Gabriel, jornalista da Áustria; Cristina Reynold (AIH/Argentina), Caroline Borges (Reaja/Brasil), Claudir Nespolo, da CUT e Ruth Coelho, da Força Sindical.

Publicado no Portal Vermelho