Paul Krugman: O fator Bernie Sanders
Pessoalmente, estou farto de toda essa discussão em torno de Bernie Sanders e Hillary Clinton, mas um dos meus lemas como colunista sempre foi: “Se não agrada, escreva”.
Se eu quiser realmente evitar um tópico porque torna minha vida desconfortável e, tudo indica, levará a mais uma onda de e-mails furibundos, essa é provavelmente uma boa indicação de que o assunto é importante. Há um outro aspecto dessa discussão que deve ser ventilada e diz respeito a incentivos e motivos.
Os partidários de Bernie Sanders são bons em acusar os outros de má fé. De modo geral, a campanha do candidato, Feeling the Bern*, parece muitas vezes acusar quem não o endossa de corrupção. O que pensar desse tipo de coisa?
Em primeiro lugar, sim, a corrupção ? inclusive a corrupção de supostos experts ? acontece de fato. Costuma ser um problema muito maior na direita simplesmente porque há mais dinheiro envolvido e muito menos escrúpulos.
Já faz algum tempo que venho dizendo que há três tipos de economistas: profissionais liberais, profissionais conservadores e conservadores profissionais.
O lugar para um quarto tipo está praticamente vazio devido à falta de fundos. Contudo, seria ingenuidade achar que a manutenção do acesso aos serviços de consultaria corporativa e coisas parecidas não tenha efeito algum sobre a discussão das políticas a serem adotadas.
No entanto, também é ingênuo, e destrutivo, supor que isso é tudo o que há. Não é preciso ser mercenário a soldo de uma empresa qualquer e nem trapaceiro para deixar perplexa Hillary Clinton quando a campanha do Partido Democrata subscreve projeções econômicas que são ainda mais excêntricas do que as fantasias republicanas que eram ridicularizadas outro dia.
Tenho certeza absoluta de que ninguém quer se meter nessa fria que é avaliar os argumentos dos outros com base apenas na sua conveniência política achando que quem discorda de você não pode estar falando sério. Isso é o que fazem os burocratas da direita, e você não quer imitá-los.
Também é importante entender que a ambição pessoal distorce a análise, mas esse não é um fenômeno específico de insiders bem relacionados. É claro que muito dinheiro ou a perspectiva de ter muita influência são forças corruptoras muito mais poderosas do que aquilo que vou descrever em seguida. Contudo, elas não são as únicas fontes de impureza.
Imagine um economista com um certo público mas que, por algum motivo, não pertence à “nomenklatura” dos experts em formulação de políticas normalmente chamados para aconselhar autoridades ou para fazer discursos em congressos sobre finanças.
Talvez isso deva ao fato de que esse economista tem opiniões consideradas heterodoxas demais. Ou talvez ele seja honesto demais em relação à corrupção dos poderosos.
Ou talvez ainda os círculos dos insiders não achem que ele tenha bons insights ou mesmo que seja um técnico competente ? o que, por sua vez, talvez seja uma enorme injustiça, ou pode até ser verdade. Seja qual for o motivo, ele é, ou se sente, alguém que observa as coisas do lado de fora, um outsider.
Imagine agora que o nosso economista outsider se depare com uma situação em que outro observador externo, desta vez um político outsider, tenha alguma chance de conseguir uma vitória inesperada.
É de se esperar que nosso economista outsider tenha todo incentivo pessoal para lançar sua sorte junto com a do político outsider ? mesmo que as chances de vitória do político sejam relativamente pequenas, e mesmo que sua campanha traga consigo a possibilidade de um desastre, já que não está preparada para os desafios do mundo lá fora.
O problema é que se o político outsider sair vitorioso, isso dará ao economista outsider um assento à mesa, que do contrário não teria.
Segue-se também que esse outsider tem todo incentivo para difamar e manchar a reputação dos insiders que não se acham no mesmo grupo daquele que os desafiou, mesmo que isso signifique alienar os progressistas cujo apoio ele poderia usar posteriormente (afinal de contas, ninguém quer ver seu herói recorrer a figuras tradicionais, se eleito).
Não estou querendo dizer que os outsiders são mais corruptos do que os insiders, nem que as pessoas se deixam guiar exclusivamente pelos seus interesses pessoais.
É justamente contra isso que estou me posicionando aqui! Em outras palavras, não se deve presumir que alguém seja puro simplesmente porque hoje não tem muito poder ou acesso ao poder ? precisamente porque essa falta pode ter um efeito distorcivo.
O que deveríamos fazer o tempo é perguntar a nós mesmos não apenas no que cremos, mas por quê.
*Feeling the Bern: trocadilho em inglês com feel the burn, isto é, “sinta queimar”, sensação de queimação nos músculos que tem a pessoa depois de se exercitar por bastante tempo.
*TRADUÇÃO: A.G.Mendes
Fonte: Diário do Comércio