Comunistas e militares nacionalistas na campanha “O petróleo é nosso!” *
. No entanto, apenas a partir de 1948 ela adquiriu o caráter de uma campanha nacional e de massas que se denominou “O petróleo é nosso!”.
No início daquele ano o governo do general Eurico Gaspar Dutra enviou ao Congresso Nacional um projeto de Estatuto do Petróleo que tinha um caráter entreguista. Abriu-se, então, no parlamento e na sociedade uma disputa acirrada em torno daquele projeto. Para impedir a sua aprovação os vários grupos nacionalistas, entre eles os comunistas, resolveram se unificar e, em abril, criaram o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo (CEDPEN). Seu objetivo era realizar uma “larga campanha de esclarecimento, debate, comícios, caravanas e demais meios constitucionais e democráticos, visando à congregação dos brasileiros que pugnam pela tese nacionalista da exploração das jazidas pelo monopólio estatal”. Foram eleitos presidentes de honra da entidade o ex-presidente da República Artur Bernardes, o general Horta Barbosa, o general Estevão Leitão de Carvalho, o coronel Arthur Carnaúba, o capitão-de-corveta Alfredo de Morais Filho e o presidente da UNE Roberto Gusmão.
Ainda em abril de 1948 realizou-se a “semana do petróleo” e, em junho, o “mês do petróleo”. No dia 24 de setembro teve início a 1ª Convenção Nacional de Defesa do Petróleo. A sessão inaugural, realizada na sede da ABI, foi presidida por três generais nacionalistas: Estevão Leitão de Carvalho, Júlio Horta Barbosa e Raimundo Sampaio. Ao final uma comitiva de aproximadamente 300 pessoas depositou flores aos pés da estátua do Marechal Floriano Peixoto, o consolidador da República. O ato patriótico, encabeçado por oficiais do exército, acabou sendo dissolvido a cacetadas, bombas de gás e a tiros pela Polícia Especial de Dutra. Entre os feridos estavam o ator comunista Modesto de Souza, o deputado nacionalista Euzébio Rocha e o jornalista Gentil Noronha, ferido à bala. O ministro da justiça declarou: “os sucessos da madrugada (…) nos dão o triste testemunho da solércia dos comunistas empenhados na confusão e divisão do povo brasileiro”.
O debate em torno da questão do petróleo começou a adquirir um caráter explosivo. As posições se radicalizavam e a Convenção de Defesa do Petróleo, que teve prosseguimento contra vontade do governo federal, aprovou a tese do monopólio estatal da indústria petrolífera. Iniciou-se a partir de então uma das maiores movimentos de cunho nacionalista da história do Brasil: a Campanha o Petróleo é Nosso! Ela incorporou um amplo leque de forças políticas e sociais: comunistas, socialistas, positivistas, militares, operários, estudantes e donas de casas etc. Um papel destacado teve a União Nacional dos Estudantes (UNE), que incentivou a criação de núcleos de defesa do petróleo nas faculdades brasileiras. O governo entreguista de Dutra não conseguiu aprovar o seu projeto e isto representou uma vitória inicial das forças nacionalistas.
Em julho de 1951, já no governo Vargas, realizou-se na sede da UNE a 2ª Convenção Nacional de Defesa do Petróleo. O evento, novamente, foi atacado pela polícia ocasionando diversos feridos. No final daquele ano a campanha foi retomada após a iniciativa de Vargas de regulamentar definitivamente a questão do petróleo brasileiro, através da criação da Petrobrás.
O nacionalismo não ortodoxo do presidente, considerado entreguista pelos nacionalistas radicais e comunistas, aceitava plenamente estabelecer parcerias com o capital privado e estrangeiro na montagem da infra-estrutura fundamental para a industrialização brasileira, no qual se incluía o petróleo. Segundo o projeto inicial de sua Assessoria Econômica, a Petrobrás devia ser uma empresa mista, ou seja, uma empresa que aceitaria a participação de capital privado, inclusive externo. Ela funcionaria como um holding que articularia a atividade de outras empresas, subsidiárias e associadas, que operariam nas diversas fases da indústria petrolífera.
Existia uma afinidade entre o projeto governamental e os anseios da nossa burguesia industrial, que aceitava a participação do capital internacional na montagem da Petrobrás. Mas, na impossibilidade de investimento externo na montagem de tal empresa, não se mostrava contrária ao investimento exclusivamente ou majoritariamente estatal.
De outro lado, havia as entidades ligadas ao comércio de importação e exportação e mesmo setores industriais, especialmente no Rio de Janeiro, que se colocavam radicalmente contra investimentos públicos na montagem da Petrobrás. Defendia que essa função não caberia ao Estado, pois ele não tinha recursos suficientes e competência para isso. A maioria destas lideranças industriais, chamada de “liberal”, era composta por gerentes de firmas estrangeiras ou diretores de empresas fortemente ligadas aos interesses externos.
A Fiesp era a principal entidade a falar pelos interesses da burguesia industrial e defendia a constituição da Petrobrás nos moldes apresentados por Vargas. Segundo Antonieta Leopoldi, o que explicaria ainda a persistência de certo viés nacionalista nas diretivas daquela entidade patronal paulista era “a presença significativa de grandes empresas de capital local em São Paulo, tornando a federação das indústrias paulistas menos vulnerável à ação e ao pensamento das empresas estrangeiras”. O que já não ocorria no Rio de Janeiro.
O projeto criando a Petrobrás, como empresa de economia mista, foi enviado ao Congresso Nacional em dezembro de 1951. A burguesia industrial paulista aprovou. Contudo, o projeto de Vargas seria alvo de um duro ataque dos setores antiimperialistas. O núcleo central da campanha pelo monopólio estatal do petróleo estava nas Forças Armadas, especialmente na sua oficialidade nacionalista, e nos comunistas.
O CEDPEN, com forte influência destes setores, denunciou o projeto como a “oportunidade esperada pelos trustes estrangeiros — especialmente a Standard Oil — para penetrarem no domínio da exploração e da industrialização do petróleo nacional”. O Clube Militar, ainda nas mãos dos nacionalistas, qualificou o projeto como “profundamente nocivo à soberania nacional e à segurança militar de nossa Pátria”. O movimento em defesa do monopólio estatal adquiriu um caráter de massas, envolvendo particularmente as classes médias urbanas e em menor medida a classe operária, mobilizada pelo Partido Comunista do Brasil.
O deputado Euzébio Rocha apresentou um substituto excluindo o capital privado da exploração do petróleo nacional. Para espanto geral a própria UDN aderiu à idéia do monopólio estatal do petróleo e apresentou outro substituto ainda mais radical. Esta mudança de posição possivelmente estivesse ligada a uma tentativa de não se isolar dos setores das forças armadas e das classes médias urbanas, simpáticas às teses monopolistas. E, também, criar maiores dificuldades para o presidente Vargas.
Em julho de 1952 organizou-se a 3ª Convenção Nacional de Defesa do Petróleo, da qual participaram mais de 600 delegados de 17 Estados e do Distrito Federal. Eram representantes de entidades estudantis, associações profissionais e núcleos regionais de defesa do petróleo. A participação militar foi destacada. A Convenção denunciou o projeto varguista de criação da Petrobrás como “impatriótico e de índole entreguista”. A UNE realizou atividades em todas as faculdades do país e a campanha ganhou às ruas.
Em novembro o PC do Brasil manifestou-se novamente em defesa do monopólio estatal. A pressão nacionalista fez o governo recuar e estabelecer o monopólio sem a participação do capital estrangeiro, mas manteve o caráter misto, admitindo a presença do capital privado nacional. O recuo do governo isolou os nacionalistas radicais, entre os quais se incluíam os comunistas. O projeto foi aprovado na Câmara em setembro de 1952.
No Senado, onde as forças favoráveis à abertura da exploração do petróleo às empresas estrangeiras eram maioria, o projeto foi alterado favoravelmente aos trustes estadunidenses. Durante a tramitação do projeto as frações comerciais da burguesia aumentaram sua pressão contra a aprovação do monopólio estatal. As associações comerciais de todo o país, dirigidas pela Confederação Nacional do Comércio, inundaram o Congresso com telegramas contra o projeto aprovado na Câmara. O jornal O Estado de S. Paulo, porta-voz desses setores antinacionais, afirmou em editorial: “Caminhamos para o estabelecimento de uma exploração estatal com exclusão absoluta de capitais particulares, máxime estrangeiros, quando somente com as pesquisas do precioso líquido absorveriam todos os recursos de forma tal que a economia do País seria profundamente perturbada, cessando (…) quase todas as atividades produtoras de tudo quanto é indispensável à nossa existência”.
No entanto, as emendas entreguistas do Senado foram derrubadas na Câmara dos Deputados e o projeto estabelecendo o monopólio estatal foi aprovado em julho de 1953. Finalmente, no dia 3 de outubro, a lei foi assinada. Esta foi a maior vitória das forças nacionalistas coligadas e uma derrota estratégica ao imperialismo norte-americano no Brasil; e desde então ele sonha com uma revanche. Mas, o povo brasileiro saberá preservar a sua vitória.
* Artigo originalmente publicado no Portal Vermelho em 02 de outubro de 2003
** Augusto C. Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira: encontros e desencontros e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos publicados pela Editora Anita Garibaldi.