Em editorial publicado no Granma sobre a deslocação de Barack Obama a Havana, nos próximos dias 20 a 22 de Março – somente a segunda que um chefe de estado norte-americano realiza à ilha, e a primeira desde o triunfo da Revolução Socialista, a 1 de Janeiro de 1959 –, sublinha-se que tal «insere-se no processo que começou a 17 de Dezembro de 2014», quando o presidentes de Cuba, Raúl Castro, e dos EUA, Barack Obama, «anunciaram a decisão de restabelecer as relações diplomáticas, interrompidas pelos EUA há quase 54 anos».
A visita de Obama, sublinha o Órgão Central do Partido Comunista de Cuba (PCC), «faz parte do complexo processo para a normalização dos vínculos bilaterais que mal se iniciou e tem avançado sobre o único terreno possível e justo: o respeito, a igualdade, a reciprocidade e o reconhecimento da legitimidade do nosso governo».

No texto, realça-se que o actual contexto só é possível em «resultado da heróica resistência do povo cubano e da sua lealdade aos princípios, à defesa da independência e soberania nacionais». Valores, acrescenta-se, que «nunca foram negociados em mais de 50 anos», o que conduziu «o actual governo dos EUA admitir os danos severos que o bloqueio tem causado à nossa população, e a reconhecer o fracasso da política de hostilidade aberta contra a Revolução».

«Nem a força, nem a coacção económica, nem o isolamento conseguiram impor a Cuba uma condição contrária às suas aspirações, forjadas em quase século e meio de luta heróica [pela emancipação social e nacional]», nota-se também no artigo antes de se salientar que «o actual processo dos EUA foi possível, também, graças à inquebrável solidariedade internacional, especialmente dos governos e povos latino-americanos e caribenhos, que colocaram os EUA numa situação de isolamento insustentável».

Caminho a aprofundar

Na sequência dos anúncios de Dezembro de 2014, foram dados passos concretos para a melhoria das relações bilaterais. A 20 de Julho do ano passado, foram restabelecidos oficialmente os laços diplomáticos. Os presidentes de ambos os países já se encontraram por duas vezes, e altos funcionários de Havana e Washington reuniram e avançaram em matérias de interesse comum, abrindo caminho à discussão de temas sobre as quais os países mantêm diferentes concepções, resume-se no Granma, que garante que Barack Obama é «bem-vindo pelo governo de Cuba e pelo seu povo».

Obama terá oportunidade de «apreciar directamente uma nação empenhada no seu desenvolvimento económico e social, na melhoria do bem-estar dos seus cidadãos», e ver que «este povo desfruta de direitos» e «pode exibir conquistas que constituem uma utopia em muitos países do mundo, apesar das limitações derivadas da sua condição de país bloqueado e subdesenvolvido, o que fez com que merecesse reconhecimento e respeito internacionais».

Obama terá a oportunidade, igualmente, salienta-se no referido editorial, de se deparar «com um país que contribui activamente para a paz e a estabilidade regional e mundial, que compartilha com outros povos não o que lhe sobra, mas os modestos recursos com que conta, convertendo a solidariedade num elemento essencial da sua razão de ser e do bem-estar da humanidade».

Barack Obama «será recebido por um povo revolucionário, com uma profunda cultura política», e por «uma nação que assume com serenidade e determinação a etapa actual nas relações com os Estados Unidos, que reconhece as oportunidades e também os problemas não resolvidos entre ambos países», afirma-se-se no diário.
«Para chegar à normalização – nota-se –, falta percorrer um longo e complexo caminho, que exigirá a solução de assuntos essenciais que se foram acumulando», com destaque para o levantamento incondicional do bloqueio económico, comercial e financeiro, responsável por «privações ao povo cubano» e «principal obstáculo ao desenvolvimento da economia do nosso país». O que foi, aliás reconhecido por Barack Obama, que nesse sentido tem apelado ao Congresso, fazendo eco do sentimento maioritário entre o povo norte-americano e das 24 resoluções aprovadas na Assembleia Geral das Nações Unidas pelo fim do bloqueio, recorda-se.

Opções irrevogáveis

Entre outras, são igualmente questões sem as quais não é possível normalizar as relações entre Cuba e os EUA, a ocupação norte-americana da base de Guantanamo, os programas de ingerência e as agressões, e a «pretensão de fabricar uma oposição política interna».

Medidas e orientações políticas que os EUA devem abandonar e combater sem com isso pretenderem algo em troca, designadamente quanto ao «compromisso de Cuba com os seus ideais revolucionários e anti-imperialistas», ou em relação à «solidariedade com a República Bolivariana da Venezuela, o governo liderado pelo presidente Nicolás Maduro e com o povo bolivariano e chavista, que luta por seguir seu próprio caminho e enfrenta tentativas sistemáticas de desestabilização e sanções unilaterais», alerta-se no Órgão Central do PCC.

 

Derrota da reacção

Reagindo à visita de Barack Obama a Cuba, a Associação de Amizade Portugal-Cuba (AAPC) notou que esta «representa, objectivamente, um dado positivo e um passo de esperança no fim de uma guerra económica, política e militar dos EUA contra Cuba», e «debilita as agendas reaccionárias e contra-revolucionárias de grupos interessados na manutenção do bloqueio e das medidas de ingerência e desestabilizarão que contra este País e povo são dirigidas».

Em comunicado, a AAPC alerta para «a campanha mediática» promovida pelos agentes reaccionários, e considera que a visita é «uma vitória do povo cubano, da sua persistência, coragem e coerência», e que «o êxito do processo diplomático em curso depende fundamentalmente dos Estados Unidos».

Acordo com a UE

A semana passada, Cuba e a União Europeia iniciaram a fase de consultas internas de um Acordo que projecta relações bilaterais baseadas no respeito, reciprocidade e benefício mútuo. O documento, subscrito dia 11 de Março na sede do governo cubano, decorre das negociações iniciadas em Abril de 2014, destacaram ambas as delegações, e constituirá a base para o desenvolvimento do potencial que representam os vínculos entre Cuba e aquele bloco político.

A Alta Representante da UE para os Assuntos Externos e Política de Segurança, Federica Mogherini, considerou que o Acordo permite abandonar a posição comum adoptada em 1996 por Bruxelas face a Cuba.

O ministro dos Negócios Estrangeiro de Cuba, Bruno Rodríguez, por seu lado, considerou que o processo de conversações com a UE foi «dinâmico, rigoroso, mas não isento de complexidades», tendo no entanto prevalecido a vontade de avançar positivamente.

Fonte: Jornal Avante