Grave é a situação nacional. Depois de arregimentar forças no Judiciário, no Ministério Público e na Polícia Federal; depois de por a seu serviço a grande mídia brasileira, especializada em massificar falsidades; depois de mostrar na Câmara dos Deputados a trupe reacionária que lhe representa, comandada por um deputado que é réu em processo de corrupção no Supremo Tribunal Federal; depois de enganar setores do centro e independentes com a campanha apresentada hipocritamente como de combate à corrupção; e, finalmente, depois de mobilizar multidões com vastos recursos de origem suspeita, a direita brasileira, a extrema-direita e grupos fascistas, juntos, passaram à ofensiva e preparam um golpe.

O objetivo geral é claro: acabar com esse ciclo iniciado com os governos Lula e que busca um tipo de desenvolvimento no qual o povo sobe na escala social. Elites retrógradas, que sempre saquearam os cofres públicos, que nunca foram investigadas e nunca foram para a cadeia, querem voltar a governar, sem passar por eleição. Se conseguem, criariam uma situação de força na qual dificilmente governos democráticos e populares poderiam sobreviver na América do Sul.

Montaram um plano sinistro que está em curso. Uma maioria eventual, no Parlamento e no Judiciário; com a participação de setores do Executivo que formaram uma espécie de Governo paralelo, autônomo e independente; uma grande mídia que se transformou em partido político especializado em desconstruir lideranças, partidos rivais e valores éticos; tudo isso imporia um falso impeachment, no qual a presidenta seria afastada sem ter cometido crime de responsabilidade, portanto à margem da lei, através de um golpe. Na presidência da República seriam aboletados Temer ou Cunha, cuja relação de compadrio foi assim definida por Ciro Gomes: “Temer é o homem do Cunha, e não o inverso”, e Cunha é o homem que pode ser preso a qualquer instante, por corrupção.

A política no Brasil chegou a esse paradoxo: pessoas envolvidas em graves suspeitas de malversação de dinheiro público encabeçam um golpe para tirar do Governo uma pessoa contra a qual, depois de inúmeras investigações, não paira nenhuma suspeita.

Mas não é fácil derrotar uma causa justa. E a resistência cresce, se alimenta de vontade, não de mentiras, os falsários são desmascarados, as mistificações desvendadas, as máscaras arrebatadas.

No atual momento da luta, o golpe se realimenta, mas o que crescem são os sinais da resistência. Num rápido passar de olhos podemos ver:

1) As manifestações contra o golpe de sexta-feira, 18 de março.

Poucos imaginavam que depois de tanto massacre midiático e judicial contra Lula, Dilma e as forças progressistas, ainda fosse possível mobilizar tanta gente contra o golpe,  em todos os estados do País e no Distrito Federal. Se as forças golpistas fizeram algumas mobilizações maiores, no domingo, dia 13, isto resulta da contra-propaganda avassaladora que há tempo a grande mídia faz irresponsavelmente contra o Governo e seus apoiadores.

2)Uma diferença essencial entre as duas mobilizações: a pró-impeachment, do dia 13, e a contrária a ele, do dia 18.

Nenhuma entidade nacional representativa de trabalhadores, ou de estudantes ou de intelectuais fez-se presente nas passeatas do dia 13, da turma pró-impeachment. Em contraposição, as mais prestigiadas e tradicionais entidades nacionais, mormente as de trabalhadores, conhecidas pelas batalhas democráticas que já travaram no passado, estiveram na linha de frente das jornadas contra o golpe, de sexta-feira, 18 de março, a exemplo das CUT, CTB, CONTAG, UNE, UBES, CONAM, etc.

3)A rebelião de advogados e juristas contrária à posição da OAB.

Depois das duas manifestações referidas, a Ordem dos Advogados do Brasil, entidade de prestígio nacional pelas lutas democráticas que apoiou no passado, se pronunciou a favor do impeachment-golpe. Mas, incontinenti, advogados em todas as partes do Brasil começaram a se rebelar contra essa insólita posição da Ordem, vindo a público declarar que não a acatam. Assembléias tem ocorrido em diversos locais.

4)A decidida posição da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

A CNBB, desde o período da ditadura militar, nunca faltou ao povo na defesa de seus direitos. Divulgou nota posicionando-se contra o impeachment-golpe. Um seu porta-voz, o bispo de Crateus, Dom Ailton Menegussi, disse à Nação:

“nenhum bispo do Brasil concorda com a corrupção”; “as investigações devem ser feitas, as denúncias apuradas, e os culpados punidos”; “mas, não sejamos bobos: tem corrupto em tudo quanto é partido”; “a corrupção não foi inventada de 15 anos para cá”; “agora é que está se permitindo que as coisas apareçam”; “tem muita gente aí, pousando de santinho, mas que nunca pensou em pobre”.

E enfático:

“a CNBB não aceita que partido politico nenhum se aproveite desta crise para dar golpe no país”.

É a Igreja do Brasil nos tempos de Francisco.

5) A Nação começa a descobrir quem é o juiz Sérgio Moro.

O juiz Sérgio Moro  passava a imagem de um magistrado independente, que se colocara à frente de um cruzada contra a corrupção. Grangeou apoio ao ajudar a desvendar desmedido esquema corrupto que atuava dentro e fora da Petrobras e ao recuperar dinheiro desviado.

Lamentavelmente, entretanto, coisas estranhas foram aparecendo no comportamento do juiz. Prendia muito, mas só prendia gente do lado do Governo. Informações sigilosas “vazavam” a toda hora, mas só vazavam de um lado.  Usava métodos que se assemelhavam às torturas da época da ditadura, deixando prisioneiros mofando na cadeia, às vezes com noticias sobre a hipótese de familiares serem presos,  a não ser que houvesse delação. Isto, apesar da lei estabelecer que esse tipo de “coperação” deve ser “voluntária”.

Foi-se percebendo que o juiz Sérgio Moro tinha um objetivo político, o de desestabilizar o governo constitucional da Dilma e prender o Lula. E o juiz, encantado com os elogios que a Globo lhe fazia, foi metendo os pés pelas mãos. Aceitou receber prêmio da Rede Globo, pousou para foto ao lado da turma dos Marinho, da Globo, e tocou a fazer palestras em ambiente de oposição política, como a Lide Paraná, coordenada pelo pré-candidato do PSDB à prefeitura paulistana, João Dória.

O político francês do século XIX, Guizot, já dissera: “Quando a política penetra no recinto dos tribunais a Justiça se retira pela porta dos fundos.” E o nosso brasileiro Rui Barbosa sentenciava: “O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde.”

7)  A exacerbação do Juiz generaliza os protestos.

E de repente Moro, que ia debutando na política dessa forma desengonçada, “pisou feio na bola”. Praticou gesto abertamente ilegal: quebrou o sigilo de escutas telefônicas que mandara fazer do ex-presidente Lula, quando este conversou com a presidenta da República, que tem foro privilegiado. A sua atitude foi reprovada formalmente pelo Ministro Teori Zavascki, numa verdadeira reprimenda jurídica.

Enquanto a lei manda que “a gravação que não interessar à prova será inutilizada”, Moro, colocando-se acima da lei, mandou divulgar conversas pessoais entre Lula e Dilma, que não esclareciam nada do que se estava investigando, com o único objetivo de insuflar a população.

A Folha de São Paulo publicou bom editorial (surpreendentemente) onde assevera: “Moro despiu-se da Toga”. E outro artigo onde diz temer que “o Sr. Moro tenha deixado sua função de juiz…   para se tornar um mero incitador da derrubada de  um governo.” E completa: “Passam-se os dias e fica cada dia mais claro que a comoção criada pela Lava Jato tem como alvo único o governo federal.”   (Vladimir Safatle, FSP 18/03/16).

8) Não é de hoje que o juiz Sérgio Moro é criticado pelo STF.

Mas se o juiz Sérgio Moro está sendo desmascarado mais recentemente como juiz-político, suas tropelias já vem sendo admoestadas há mais tempo pelo STF. Críticas fortes ele recebeu durante o julgamento do Habeas Corpus 95518 PR, em 28/05/2013.

Na época, o ministro Celso de Mello disse que

“a conduta do juiz federal ( Sérgio Moro) ao longo do procedimento penal violou o direito fundamental, de todo cidadão, de ser julgado com imparcialidade”;

E o ministro Gilmar Mendes, foi quem lhe fez algumas das mais duras críticas:

“não me parece razoável admitir que, em causas que versem sobre crimes não violentos, por mais graves e repugnantes que sejam, se justifiquem repetidos decretos de prisão, salvo, evidentemente, circunstâncias extraordinárias, pois reiteradamente esta Corte tem assentado o caráter excepcional da prisão antecipada”;

“Contra ‘bandidos’ o Estado e seus agentes atuam como se bandidos fossem, à margem da lei, fazendo mossa da Constituição. E tudo com a participação do juiz, (Sérgio Moro ) ante a crença generalizada de que qualquer violência é legítima se praticada em decorrência de uma ordem judicial. Juízes que se pretendem versados na teoria e na prática do combate ao crime, juízes que arrogam a si a responsabilidade por operações policiais transformam a Constituição em um punhado de palavras bonitas rabiscadas em um pedaço de papel sem utilidade prática, como diz Ferrajoli”;

E de forma contundente:

“Já tive a oportunidade de me manifestar acerca de situações em que se vislumbra resistência ou inconformismo do magistrado, ( Sérgio Moro) quando contrariado por uma decisão de instância superior. Em atuação de inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito, o juiz ( Sérgio Moro) arroga-se de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional”. (grifos meus)

Quem estava, sinceramente, batendo palmas para o juiz Sérgio Moro, vai ficar com as mãos no ar.

8) Episódios valorosos que iluminam o caminho.

Aconteceu em Belo Horizonte, no sábado, 19 de março, um dia depois das grandes manifestações anti-golpistas havidas em todo o país. O teatro Sesc Palladium apresentava um musical em torno das composições do Chico Buarque. No intervalo, o diretor Cláudio Botelho deitou falação, insultando Lula e Dilma. Não teve outra. A platéia prorrompeu em gritos de “não vai ter golpe” e o espetáculo foi interrompido.

Em seguida, aconteceu o gesto irretocável: Chico Buarque proibiu o uso de suas composições naquela peça.

Dois exemplos a serem seguidos: o da platéia que foi assistir a um musical e não a uma pregação golpista e se rebelou na hora; e o do Chico Buarque que não titubeou em retirar o prestígio de suas músicas das mãos de um diretor golpista.

9)Uma frente política ampla vai tomando corpo no país.

Em uma batalha do tipo que travam as forças democráticas hoje no Brasil, é imprescindível a criação de uma frente política ampla, que aglutine setores de diversas tendências, unidos na defesa da legalidade constitucional. Neste sentido, há que se saudar a criação da Frente Brasil Popular, prestigiar sua força unificadora dos diferentes movimentos e cuidar de sua ampliação.

Essa frente foi vitoriosa na preparação das jornadas de 18 de março, mas deve intensificar suas ações pondo em tensão todas as forças que lutam contra a ruptura constitucional do país, passo fundamental para a retomada do desenvolvimento de nosso país.

 

Haroldo Lima – engenheiro, foi deputado federal

e é membro do Comitê Central do Partido Comunista do

Brasil.