O Brasil e as encruzilhadas da conjuntura internacional
A conjuntura internacional contemporânea tem sido atravessada por encruzilhadas de grandes proporções. Pelo menos quatro delas se impõem ao Brasil de forma desafiadora. Como diria Losurdo (2015), são as formas que assumem as lutas de classes em escala global, atravessando o sistema internacional.
A primeira encruzilhada é a persistência e os efeitos da crise financeira internacional desencadeada em 2008 a partir do sistema imobiliário estadunidense (subprime). Diferentemente da sua congênere da década de 1930, que fortaleceu projetos intervencionistas de toda ordem, a crise atual aprofundou as políticas liberalizantes, como ilustram a emblemática crise grega e as políticas da Troika.
Além da amplicação das desigualdades e o esgarçamento do tecido social, a economia mundial tem perdido o vigor, diminuindo os laços de cooperação, integração e oportunidades para o Brasil. Mas pior, o cenário de crise econômica global se entrelaça às ameaças de escaladas militares. É nítido, por exemplo, a tentativa dos EUA de implementar a estratégia de dominação de espectro total, voltado a conter a ascensão dos emergentes, notadamente Rússia e China, como destaca Bandeira (2013). Da mesma forma, interessa engolfá-los em guerras regionais, como Ucrânia e os países do Mar do Sul da China, respectivamente, e de isolar e coagir países não subordinados a seus interesses, como Venezuela, Bolívia, Síria, Coreia do Norte, Palestina, etc.
Aliás, a proclamada Guerra ao Terror alimenta um ciclo vicioso: discursam contra o terrorismo islâmico, financiam grupos integristas eufemisticamente chamados de ‘moderados’ contra governos não-alinhados (Iraque, Síria e Líbia), fragmentam e destroem países até então estáveis, fomentando a imigração em massa, a xenofobia, a islamofobia e, por sua vez, retroalimentam novas intervenções contra grupos terroristas e Estados falidos. Segundo a Agência da ONU para Refugiados , quase 80% das cerca de um milhão de pessoas que entraram na Europa foram de países destruídos pela própria atuação ocidental, sendo 50% sírio, 20% afegão e 7% iraquianos!
A segunda encruzilhada para o Brasil é a ofensiva neoconservadora na América Latina. Durante os anos 1990 o continente foi palco de políticas neoliberais que destruíram os projetos de desenvolvimento nacionais e ampliaram as desigualdades sociais. Os governos de Fujimori, Collor-FHC, Menen, Gortari, Lozada, entre outros, fizeram a região ter uma inserção subordinada na globalização. Como diz Chang (2004), as políticas liberalizantes tiverem o claro objetivo de ‘chutar a escada’ que poderia levar tais países ao desenvolvimento. Os efeitos trágicos de tais políticas contribuíram para que houvesse a reorganização das forças progressistas e a emergência de governos de centro-esquerda em todo o subcontinente na virada do século XX-XXI. Chavéz-Maduro, Lula-Dilma, Néstor-Cristina Kirchner, Tabaré-Mujica, Evo Morales, Rafael Correa, sobretudo, lideraram a retomada de políticas distributivas e de intervenção estatal em favor do desenvolvimento regional.
Os projetos de integração regionais se ampliaram e se aprofundaram, do Mercosul, passando pela UNASUL e até a CELAC. O que assistimos atualmente é uma retomada das forças conservadoras, seja com as vitórias da oposição venezuelana nas eleições legislativas, de Macri na Argentina e, especialmente, a tentativa de paralisar o país líder, o Brasil, com sucessivos movimentos golpistas desde a reeleição de Dilma. O resultado é que os três países que lideraram a integração regional (Brasil, Venezuela e Argentina) se veem ou manietados por movimentos golpistas ou claramente orientados a retomar o alinhamento com os países do Norte baseados em políticas de abertura comercial.
A terceira encruzilhada relaciona-se com o drástico recuo dos preços do petróleo – que alcançou nesse início de 2016 cerca de 27 dólares. Entre seus desdobramentos, deve-se destacar o forte golpe em economias como Rússia, Irã, Venezuela, cujos interesses políticos, não por acaso, desafiam as pretensões dos EUA e/ou da Arábia Saudita. Os preços da commodity podem ainda motivar escaladas militares entre Irã e Arábia Saudita, líderes da dinâmica geopolítica do Oriente Médio.
No caso do Brasil, a queda no preço do petróleo, associada aos interesses políticos que movem a Operação Lava Jato, golpeiam pesadamente a Petrobrás e toda sua cadeia de engenharia e tecnologias nacionais, dados os custos diferenciados dos recursos fósseis do Pré-Sal. Evidentemente que a combinação da paralisia político-institucional, combinada com a interrupção da atuação do setor petrolífero e de construção civil, bem como dos mecanismos de financiamento públicos (BNDES), limitam profundamente a capacidade de atuação internacional do Brasil.
A quarta e última encruzilhada se refere ao deslocamento do eixo econômico para a Bacia do Pacífico, com epicentro na economia chinesa, país artífice de um redesenho geoeconômico global. No âmbito financeiro, pela construção de importantes mecanismos alternativos ao Sistema Bretton Woods, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura e o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS. No âmbito regional, o governo chinês alavanca a integração da Eurásia a partir da Nova Rota da Seda. No âmbito político, o país assumiu a liderança dos principais blocos da região, como a Organização para a Cooperação de Xangai e/ou ASEAN 1. No âmbito econômico, a China já tem quase 106 das 500 maiores empresas da Fortune em 2015; 11 dos 30 maiores portos; e, junto com o Brasil, Índia e Rússia e os Tigres lidera as maiores reservas financeiras do mundo.
Interpretar os movimentos contraditórios é crucial para a formulação política dos movimentos progressistas. O Brasil está distante do novo epicentro da economia internacional, mas tanto pela polarização da riqueza (PIKETTY, 2014), quanto pela reversão da grande divergência (NAYYAR, 2014), mas em consonância com o movimento dos emergentes (BRICS) em favor de outro ordenamento mundial. Mais do que resistir aos intentos golpistas, o país precisa relançar o desenvolvimento nacional e a integração regional, num subcontinente em que os ânimos políticos estão exaltados. Enfim, ser um país emergente de primeira grandeza implica ter clareza das encruzilhadas que o aguardam em meio a movimentos tectônicos da ordem internacional.?
Diego Pautasso é graduado em geografia, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente é professor de Relações Internacionais da UNISINOS. Autor do livro China e Rússia no Pós Guerra Fria (Curitiba: Juruá, 2011).
Bibliografia
BANDEIRA, Luiz. A segunda guerra fria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
CHANG, Há-joon. Chutando a Escada. São Paulo: UNESP, 2004.
LOSURDO, Domenico. A Luta de Classes. São Pualo: Boitempo, 2015.
NAYYAR, Deepak. A corrida pelo crescimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014.
PIKETTY, Thomaz. O capital no século XXI. São Paulo: Intrínseca, 2014