A rua, à frente, teve o trânsito interrompido e quem ficou de fora pôde assistir às apresentações, falas e performances artísticas em uma projeção na parede. Eram atores, músicos, cineastas, poetas e gente de todo tipo em uma só voz: “Não vai ter golpe”. 

O teatro, comandado pelo dramaturgo Zé Celso Martinez Côrrea, é um espaço de propagação e resistência artística da cidade. Fundado em 1958, conviveu com diversos problemas com a ditadura militar e a especulação imobiliária, que tenta cercar o edifício de Lina Bo Bardi com um shopping center. Mas o espaço resiste com sua arquitetura peculiar.

“O Oficina foi palco de várias arbitrariedades e censuras. Não há lugar mais simbólico para ocorrer este ato de artistas em prol da democracia”, disse Rudifran Pompeu, presidente da Cooperativa Paulista de Teatro.

A manifestação fugiu do script tradicional de longas falas e discursos políticos e teve ares de espetáculo teatral, com música e dança. O bloco afro Ilú Obá de Min, composto de uma bateria de mulheres, estremeceu as arquibancadas do teatro.

Participaram do ato os atores Sérgio Mamberti, Pascoal da Conceição, Celso Frateschi, Renato Borghi, o cantor Chico César, as cineastas Tata Amaral e Anna Muylaert.

No chão do teatro, Zé Celso, Renato Borghi e Sérgio Mamberti representaram a geração que viveu o golpe de 1964 e seguiu fazendo a sua arte de resistência. Celso Frateschi e Dulce Muniz simbolizavam o teatro que foi para as ruas na década seguinte, inspirados pelo Teatro de Arena e pelo Centro Popular de Cultura, levaram essa arte militante para as ruas. 

Surgidos após a democratização, grupos como o Núcleo Bartolomeu e a Companhia Livre, da diretora Cibele Forjaz, também marcaram presença. Na rua, representando a nova geração do teatro da Grande São Paulo, chegaram os alunos da Escola Livre, de Santo André, no ABC.

Diferentes gerações da vida artística da cidade de São Paulo cantaram, dançaram, recitaram poesias e apresentaram cenas curtas para exaltar a diversidade e dizer não ao golpe.

Artistas cantaram “venci a maldade como um caracol”. O mestre de cerimônias, que pintou o corpo com tinta vermelha, puxou palavras de ordem, como “xô, olho gordo!”, “a cultura vai dar o golpe” e “nenhuma cor será sequestrada”.

Além de apresentações artísticas, os discursos deram o tom combativo da noite. Zé Celso foi incisivo ao afirmar que “quem merece o impeachment é aquele Congresso de gângsteres, que não permite a Dilma governar “.

“A presidente é vítima de um golpe desde o dia em que foi eleita [em 2014]”, afirmou Zé Celso, que levará o espetáculo “Pra Dar um Fim no Juízo de Deus”, de Antonin Artaud, para Brasília na semana para a qual está prevista a votação do impeachment, no meio de abril.

Ele também repetiu a antiga reclamação contra a sanha imobiliária contra o Oficina. “O grande inimigo do teatro de rua é o setor imobiliário. Além da gente, são 22 teatros de rua só em São Paulo na mesma situação”, alertou, referindo-se a espaços culturais que enfrentam alugueres altíssimos, entre outros problemas.

Ao menos três entidades estudantis estiveram presentes: a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes) e a União dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UEE-SP). A representante da UNE, Patrícia de Matos, discursou.

Os estudantes anunciaram que vão sair em caravana por escolas públicas e universidades do estado para discutir a qualidade da educação.

“Em meus 22 anos, me sinto fazendo história hoje com tantos grupos, coletivos e expressões artísticas no Oficina. Nos juntamos por muitas coisas, mas principalmente para dizer que não vai ter golpe”.

Os estudantes também anunciaram que vão sair em caravana por escolas públicas e universidades do estado para discutir a qualidade da educação, lembraram que lutam pelos que morreram em quase um século de movimento estudantil e conclamaram, em coro: “No meu país eu boto fé porque ele é governado por mulher”.

Para a cineasta Tata Amaral, o Brasil está vivendo um momento de mudanças. “Devemos sair daqui sendo pontinhos de luzes e transformação. A crise nem sempre é negativa. Pode trazer o totalitarismo ou a conquista de mais direitos. Não vai ter golpe. Vai ter mais cinema, mais teatro e mais cultura”, disse.

O ator Sérgio Mamberti lembrou que estava presente na primeira noite de funcionamento do Oficina, há 58 anos, e que acompanhou de perto como o local sempre foi um espaço democrático e de excelência artística. Ele também brincou, lembrando do Doutor Vitor, seu célebre personagem do programa infanto-juvenil “Castelo Rá-Tim-Bum”: “Não vai ter golpe, raios e trovões!”.

Um dos momentos mais tocantes foi quando o diretor de teatro argentino radicado no Brasil Ilo Klugi se disse comovido por estar vivendo aquele momento. Aos 85 anos, boa parte dedicados ao teatro infanto-juvenil, Klugi afirmou: “Estou muito, muito emocionado. Há anos eu não estava à frente de jovens tão combativos”.

“Eu luto há muito tempo pela educação de crianças e jovens. A arte é a própria liberdade. Eu saí pelo mundo procurando me conhecer e ajudar no desenvolvimento de outras pessoas. Apesar do momento político doer um pouco, me sinto emocionado. Vocês estão procurando uma vida mais digna para todos nós”.

A diretora de cinema Anna Muylaert e a atriz Camila Márdila, a Jéssica do filme “Que Horas Ela Volta?”, discursaram aos presentes, no meio da rua, em frente ao teatro. A diretora voltou a defender a legalidade do mandato da Dilma e criticou a cobertura política da grande imprensa.

“Os meios de comunicação deveriam fazer jornalismo e estão fazendo ficção. Nós das artes então devemos falar a verdade. A grande vingança contra a mentira é a verdade. Hoje, há menos telespectadores e mais cidadãos. Vamos continuar porque o País é nosso”, afirmou.

Já Morgado exaltou a força da militância nas ruas e em atos como o do Oficina. “Se o golpe está fraquejando é porque estamos todos presentes. E pode ser a faísca de uma mudança positiva muito maior”, disse.

A noite terminou com o rapper Renegado e o pessoal da Liga do Funk, que cantou letras contra o golpe e o machismo.

O ator Dorberto Carvalho, da Cooperativa Paulista de Teatro, resumiu o tom do evento: “Arte é diversidade. Devemos lutar para vivermos em um lugar onde há direitos para todos: negros, periféricos, mulheres, LGBTs. Uma sociedade plural é mais legal”.

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi alvo de diversas críticas, não só pelo envolvimento em escândalos de corrupção e manobras como o impeachment sem embasamento jurídico, mas também por liderar o movimento em defesa de uma pauta contrárias aos direitos humanos, principalmente das mulheres e da população LGBT. Para terminar o ato, foi cantada uma versão bossa-nova do grito de guerra “Não vai ter golpe!”, uma forma de pedir resistência aos movimentos contrários à permanência da presidenta Dilma Rousseff, mas sem estimular o ódio e a violência entre os favoráveis e os contrários ao golpe, hoje presentes não só nas redes, mas também nas ruas.