Conforme análise acurada do economista marxista britânico Michael Roberts, a situação da economia global pode ser assim resumida: (i) novo impulso especulativo nas bolsas de valores, ao lado do crédito farto e barato; (ii) preços baixos da energia (petróleo);(iii) aumento do endividamento empresarial privado; (iv) desaceleração do crescimento econômico e queda dos investimentos e lucros. “Alguma coisa tem que acabar explodindo”, assevera ele.

No mesmo texto, Roberts informa que, segundo o novo economista-chefe do FMI Maurice Obstfeld, a queda global nos preços de petróleo podem levar a uma onda de calotes no pagamento das dívidas públicas (títulos soberanos) e privadas mundo afora. Assim, estimular a demanda econômica global e reformar o sistema financeiro seriam medidas agora “ainda mais urgentes”. [1]

Ora, no cenário traçado por Roberts deve-se necessariamente acrescer a cíclica volatilidade – nenhuma tendência fixa, por óbvio – nos mercados bursáteis globais como parte integrante das incertezas e fuga de risco que devem intensificar-se na medida em que o quadro internacional tende efetivamente a se agravar.

Assim, noticiou-se nesta quarta-feira: a) para o estrategista da Nomura Securities, do grande truste financeiro japonês (de Nova York), “Há claramente um elemento de ‘risk off’ (fuga de risco) presente nos movimentos do mercado no começo de abril”; b) o que veio acompanhado a notícia de que o PMI da Zona do euro (índice geral de compras para indústria e serviços) ficou estável apesar do anúncio do BCE (Banco Central Europeu) injetar enormes novos estímulos monetários; assim como o PMI da Alemanha (carro-chefe da economia europeia) registrou em março o menor crescimento em oito meses; c) evidente sinal de que pode estar no horizonte nova tormenta financeira é o anúncio do Fed (banco central dos EUA) de que não vai elevar a taxa básica de juros em abril. [2]

Mais ainda. Nesse 07/04/2016 informou-se, em reunião a “porta fechadas”, [3] em Berlim, com Lagarde (FMI), Merkel, Azevedo (OMC), Kim (Banco Mundial), Gurría (OCDE) e Ryder (OIT) concluiu-se que: 1) o crescimento econômico mundial “continua medíocre, frágil e permanecerá abaixo das tendências históricas do pós-guerra, ninguém sabe por quanto tempo”. 2) E que neste 2016 mais 2,3 milhões de trabalhadores serão desempregados, somando “quase” 200 milhões deles.

Mergulho sistêmico da produção industrial

Refletindo o cumulativo processo de desaceleração da economia mundial, em curso, a indústria de transformação mundial [4] no quarto trimestre de 2015 cresceu 1,9% em relação ao mesmo período de 2014, mantendo tendência de desaceleração iniciada no segundo trimestre de 2014 (países desenvolvidos como nos emergentes e em desenvolvimento). As principais razões apontadas: a fraca retomada da demanda e em especial, dos investimentos mundiais. Em comparação a julho-setembro, a fabricação de manufaturas caiu 0,5% em outubro-dezembro de 2015.

Ratificando a desaceleração, relativamente a 2014, “emergentes” e em desenvolvimento obtiveram expansão de 4,6% da indústria de transformação no quarto trimestre de 2015 puxada por China e América Latina. Neste quadrimestre a produção de manufaturas chinesa embora tenha crescido 6,5%, isto representou a menor taxa desde 2005.

Já a indústria de transformação da América Latina assinalou variação negativa de 4% em outubro-dezembro de 2015, frente ao mesmo período de 2014, tendo sido a retração de 2,9% em julho-setembro nesta comparação (exceto o México 2,2%). A produção de manufaturas no Brasil caiu 12,4% neste período, Argentina -0,9%, Chile -1,5%, Colômbia -0,4% e Peru -0,8%. Os principais fatores da queda seriam: a) baixa dos preços das commodities; b) a desaceleração chinesa; c) o arrefecimento das dinâmicas nacionais do crescimento econômico.

A “vertigem” chinesa

Ocorre que a China – enfatize-se vez por todas – vem reafirmando, sob vários ângulos, seu reposicionamento geopolítico mundial. Conforme estudo de Chandrasekhar e Gosh, com base nos dados do World Economic Outlook do FMI (outubro de 2015), houve queda expressiva na participação das economias desenvolvidas, de 83% para 60% do PIB global nos últimos 30 anos. O período de 2002 a 2013 abarcou uma queda de 80% para 62%. A ascensão historicamente vertiginosa da China significou o crescimento de sua participação de 3% para 15% no PIB mundial, isto representando 87% da queda de presença dos países referidos entre os anos 1980 e 2015. [5]

No plano imediato, simultaneamente ao processo de desaceleração de sua economia, que sabidamente retifica sua estratégia de desenvolvimento, a China bateu fulminante recorde em fusões e aquisições no primeiro trimestre deste ano. Segundo o Financial Times, as compras por empesas chinesas de estrangeiras somaram US$ 101 bilhões, quase 15% do total dessas. ChenChina, Dalian Wanda e Abang Insurance destacaram-se no movimento que somou US$ 682 bilhões no mundo inteiro nesses três meses. Em contraposição, para fontes do FT “impressiona ver a queda de atividade nos EUA”. [6]

Capitalismo neoliberal “drogado”

Na direção do assinalado acima por Roberts, o oligopólio financeiro JP Morgan calcula que a taxa de investimento de capital cresceu a menos de 1% ao ano, em termos mundiais, no primeiro trimestre deste ano.  Ano passado, o investimento das empresas caíra 2,1% no último trimestre de 2015, a primeira queda trimestral em mais de três anos.

Evidente que a situação da economia mundial continua sendo marcada nitidamente por um longo processo de estagnação – depressão para inúmeros pesquisadores – do centro capitalista, desde 2013 agora afetando duramente as economias periféricas e não possuidoras de moeda conversível.

Provavelmente, a melhor definição para o atual estágio da crise gestada em 2007-8 foi explicitada pelo banqueiro Dick Fischer (09/03/2016), nada menos que antigo presidente do Fed (banco central dos EUA), de Dallas: “Nós injetamos cocaína e heroína no sistema” para criar um efeito riqueza e “agora estamos a mantê-lo com Ritalina” (medicamento para tratar déficit de atenção, também antidepressivo). [7]

Fisher, reconhece assim – cinicamente – que o tratamento para a economia com cocaína e heroína não funcionou “apesar do seu êxito em elevar preços de ativos”.   O ex-diretor do banco central dos Estados Unidos confirmou – e repetiu – então o que outros economistas e organismos multilaterais do mainstream: “O Fed é uma arma gigante à qual já não restam munições”.  

Sim: Fischer representa bem a gangue de bandidos e loucos que tomaram de assalto o capitalismo “drogado” do far west americano!

 

NOTAS

[1] Ver em: http://www.sinpermiso.info/textos/el-dinero-barato-los-precios-del-petroleo-bajos-y-la-deuda-de-las-empresas

[2] Em: “Incertezas voltam a incomodar mercados”, José de Castro, Valor Econômico, 06/04/2016.

[3] Em: “Líderes globais têm visão pessimista para os próximos anos”, Assis Moreira, Valor Econômico, 07/04/2016.

[4] Dados e informações do IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), em “Produção da Indústria de Transformação Mundial no Último Trimestre de 2105: Tombo na América do Sul”, 25 de Março de 2016 – nº 725.

[5] Dados em: “Assim é (se lhe parece)!, L. Belluzzo e G. Galípolo, Valor Econômico, 05/04/2016.

[6] Ver: “Fatia da China em fusões e aquisições globais é recorde”, Valor Econômico, 1/04/2016.

[7] Ver: orig: http://www.zerohedge.com/news/2016-03-09/former-fed-president-we-injected-cocaine-and-heroin-system-create-wealth-effect