Espanto que educa: A foto do PMDB que assustou o ministro Barroso
O ministro do STF Luis Roberto Barroso exclamou estupefato: “Meu Deus! Essa é nossa alternativa de Poder?” À sua frente, estava a foto de líderes do PMDB, no ato em que se declararam afastados do Governo Dilma. O grupo, esfuziante na pose fotográfica, estava convencido de que assumiria o controle do país, caso o impeachment sem causa desse certo, pois eles eram a “alternativa de Poder” que emergia. Barroso disse “um desastre”.
O golpe em gestação, que se acoberta em um processo de falso impeachment, está sendo repelido nas ruas, nas universidades, nos tribunais. A própria grande mídia, ante o crescimento da resistência, mostra-se desnorteada, já não sabe mais o que quer. A Folha disse que não deseja o Michel, do PMDB. O Estadão já dissera coisa semelhante. Mas, a direita brasileira está com o plano pronto de tomar de assalto o Poder no Brasil, à margem de eleições, com o PMDB à frente, por ser o partido do vice-presidente. Esse plano está enfraquecido, afunda-se cada vez mais, mas não está derrotado.
O que assustou o ministro Barroso foi ver estampada, numa fotografia, a representação que comanda o atual processo de impeachment inventado no país; um bando de políticos menores, dirigido por alguém que pode ser preso a qualquer instante, réu em processo de corrupção no STF, que ainda insolentemente ocupa a presidência da Câmara, investigado em 13 contas bancárias escondidas no exterior, ele, Eduardo Cunha.
De fato. É assustador imaginar que aquele agrupamento possa chegar ao Governo central do país, pelas artimanhas de um impeachment forjado. E, mais terrível ainda, é verificar que, se isto acontece, tudo será apresentado como fruto de uma luta para tirar corruptos do Governo. Da Presidência, teria sido afastada a presidenta eleita Dilma Rousseff, contra quem não pesa suspeita de crime algum, muito menos de corrupção; e, nessa mesma Presidência, seria empossado, sem ter tido nenhum voto, Michel Temer, cujo perfil Ciro Gomes expressou na advertência que fez: “não se enganem, Cunha não é gente de Michel, Michel é que é gente de Cunha”. O ministro Barroso se espantou com razão, mas a foto do susto reproduz com fidelidade o paradoxo que vivemos.
Tudo começou com o Relatório do TCU que rejeitou as contas de 2014 da presidenta Dilma. Métodos que foram aceitos para presidentes anteriores, FHC e Lula, e para quatorze governadores de estados, foram chamados de “pedaladas fiscais” e recusados nas contas de Dilma . Além disso, uma questão que afetava a Lei de Responsabilidade Fiscal – imposta pelo FMI – foi considerada como desrespeito à Lei Orçamentária, prevista na Constituição. Contrapor-se à LRF é um problema a ser examinado. Desrespeitar a Lei Orçamentária é crime de responsabilidade. No primeiro caso, a pena pode ser advertência, multa ou outra. No segundo, pode ser a perda de mandato, através de impeachment.
Percebe-se quanto o facciosismo político pode interferir nessas questões, especialmente quando um governo de tendência à esquerda está sendo analisado por pessoas de tradição de direita. O autor do Relatório do TCU, por exemplo, foi o Sr. Augusto Nardes, que iniciou sua carreira política como vereador em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, pela ARENA, o partido da ditadura militar. Depois foi para o PDS, sucessor da Arena, e daí para o PPR, facção do mesmo partido comandada por Maluf, que se transformou em PPB, que virou PP, o partido que tem o maior número de envolvidos na Operação Lava Jato. O referido relator é um político de inequívoca coerência direitista.
Mas não é só isso. Em 2004, Nardes se tornou réu no STF, ao ser processado por crime eleitoral, e mais, peculato, por subtrair dinheiro público para si ou outrem, e concussão, por exigir vantagem em decorrência de cargo que ocupava. Recebeu punição alternativa por dois anos. Seu nome voltou a aparecer nas páginas policiais quando foi citado na Operação Zelotes, como envolvido em escândalos com o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf. Foi com essa consistente folha corrida que o Sr. Augusto Nardes fez o Relatório do TCU, que é a base do atual processo de impeachment da presidenta Dilma.
Outros atores destacados da aventura do impeachment da presidenta Dilma vem dessa matriz conservadora, como é o caso de Miguel Reale Jr., que defendeu perante a Comissão do Impeachment a denúncia que ele e outros apresentaram .
O jurista Miguel Reale Jr, tem formação jurídica de berço. Seu pai foi professor de Direito, teve projeção no meio jurídico, foi Reitor da USP. Em 1932 fez parte da Ação Integralista Brasileira, organização de extrema-direita, comandada por Plínio Salgado. Em 1969, serviu à ditadura militar, prestando-se a compor a Comissão de Alto Nível para reescrever a Carta Constitucional de 1967, para o que foi nomeado pelo ditador de plantão, o general Costa e Silva. Seu trabalho redundou na Emenda Constitucional número 1, que deu nova redação à Constituição outorgada de 1967. Esse trabalho foi decisivo para a consolidação a que chegou a ditadura.
Com tal tradição, Miguel Reale Jr. segue as pegadas do pai, no terreno jurídico e nas posturas políticas básicas. Militante histórico do PSDB, terminou sendo ministro da Justiça de FHC. Tendo desaconselhado o PSDB a entrar em determinado momento com pedido de impeachment da presidenta Dilma, por não achar procedente, mudou de idéia em seguida, e foi um dos subscritores do atual pedido de impeachment. Na defesa do impedimento da presidenta, Reale Jr. chamou atenção pela “forçação de barra” que fez em seu discurso: sustentou que o impeachment teria razão de ser porque o Governo continuou em 2015 com as chamadas “pedaladas fiscais”; mas desconsiderou que as contas do Governo referentes a 2015 só serão apresentadas em abril, não tendo sido analisadas ainda pelo TCU, e muito menos pelo Congresso Nacional, a quem compete aceitar ou não o ponto de vista do TCU. Daí porque juristas têm dito que o arrazoado apresentado por Miguel Reale Jr. ataca o “crime futuro presumido”.
A garra com que esse pessoal tem batalhado para chegar à presidência da República, no “tapetão”, não deixa de ser uma versão antípoda da grandiosa campanha que nosso povo fez em 1983/84. Naquela época lutávamos pelas Diretas Já. Agora, eles querem as Indiretas Já.
A foto do susto teve uma consequência positiva: serviu para alertar pessoas de boa fé quão enganadas e usadas estavam sendo pelos defensores desse impeachment sem razão. Mas a foto poderia ser mais assustadora, pois ali faltaram alguns próceres influentes do impeachment, como o Jair Bolsonaro, o Pastor Feliciano, o Paulinho da Força e outros.
Como diz nosso povo: “Deus é mais”!
Haroldo Lima é engenheiro, foi deputado federal pela Bahia e diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bicombustíveis, e é da Direção Nacional do PCdoB.
Publicado no Jornal do Brasil