Em sua quadragésima segunda edição, o Festival Sesc Melhores Filmes é um privilégio dos cinéfilos paulistanos de reverem seus filmes favoritos do ano anterior, ou assistirem àqueles trabalhos perdidos em meio à enxurrada de filmes do circuito. Entre os documentários mais belos e relevantes de 2015, estão “Nostalgia da Luz”, “Cássia”, “O Olmo e a Gaivota”, “Yorimatã”, “Tomie Ohtake”, “Orestes”, “O Sal da Terra”, “Últimas Conversas”, “Homem Comum”, “Chico, Artista Brasileiro”. Junto com esses trabalhos excepcionais figura “Osvaldão”, reunindo os cacos de imagem e testemunho; um relato épico sobre um homem raro que a história oficial se esforçou para apagar qualquer vestígio e o cinema transforma num monumento vivo.

Templo dos grandes filmes, sobre temas fundamentais da humanidade, o CineSesc impressiona com seu “bar fumoir”, de onde se pode assistir ao filme tomando um drink, e sua tela gigante, onde Osvaldão sorri, com seu olhar charmoso e gestos tranquilos de quem sabe o que veio fazer neste mundo. Mesmo diante de uma plateia cativa do festival, os autores do filme não se furtaram ao anseio de expor sua opinião estendendo uma faixa “Osvaldão presente. Golpe nunca mais!”, no que foram calorosamente aplaudidos.

A produtora Renata e a diretora Ana Petta, sua irmã, contaram do enfrentamento à ditadura feito por seu pai, e de como Osvaldão é assunto em casa desde a infância, quando se tornou um herói para elas. André Michilles também observou a atualidade do filme, ao falar tão abertamente do golpismo das oligarquias brasileiras dos anos 1960, como se falasse das manifestações reacionárias que tomam a Avenida Paulista, a poucos metros daquele cinema, em pleno século XXI.

Uma das primeiras cenas do filme menciona um “golpe disfarçado de legalidade”, numa época em que ainda parecia natural afastar um Governo da República, quando não estivesse agradando certos setores. O paralelo com a crise política da atualidade é surpreendente, pra quem não está preparado, e causa desconforto em quem ainda não havia percebido que os “tempos do atraso” não estão tão distantes assim. E a sensação de desconforto continua na saída da sessão, quando o ar ainda está rarefeito na sala, com os relatos da caçada e fuzilamento do guerrilheiro Osvaldão pelos militares. Uma caçada de meses por milhares de soldados a um único homem, que, por isso mesmo, foi vitorioso, mesmo na derrota.

Saímos da hora e meia de Osvaldão na noite quente da Rua Augusta, enquanto o noticiário nas telas de bares e lanchonetes anunciam, continuamente, uma iminente tentativa de derrubada de uma governante, sem respeito à constitucionalidade. O mormaço da noite faz-nos apressar o passo ladeira acima, rumo à Av. Paulista, com vontade de fazer um gesto heroico e solitário qualquer, na esperança de encontrar quem nos replique o gesto.

Na próxima quinta-feira, 21 de abril, o CineSesc liga, novamente, seus projetores para o gigantismo de Osvaldão. Qualquer que seja o resultado do confronto parlamentar, neste domingo, a sessão de cinema será carregada de dramaticidade e atualidade. Algo que somente filmes que falam da coisa certa, na hora certa, são capazes de provocar.