O Senado argentino ratificou um acordo entre as partes e assim virou a página do presente litígio.
É uma excelente notícia para um pequeno grupo de investidores, mas é também um anúncio terrível para o resto do mundo, especialmente para os países que enfrentarão a sua própria crise da dívida no futuro.

No final de 2001, a Argentina incumpriu pagamentos de 132 mil milhões de dólares em empréstimos, enquanto passava por uma depressão económica desastrosa. O produto interno bruto caiu 28%, 57,5% dos argentinos viviam na pobreza e a taxa de desemprego subiu para mais de 20%, do que resultaram distúrbios e confrontos que provocaram 39 mortes.

Incapaz de pagar aos seus credores, a Argentina reestruturou a sua dívida em duas rondas de negociações. O pacote descontou dois terços do valor dos títulos, mas criou um mecanismo para fazer pagamentos adicionais quando a economia recuperasse, o que já aconteceu. A maioria dos detentores de títulos, 93%, concordou com o negócio.
Entre a pequena minoria que rejeitou o acordo estavam muitos investidores que compraram títulos com um desconto enorme, já muito depois da cessação de pagamentos do país e até mesmo após a primeira ronda de reestruturação. Esses investidores adquiriram o nome de fundos-abutre por comprarem a dívida num momento de grande dificuldade e muitas vezes assistidos por advogados e grupos de pressão que forçaram os acordos.

Entre as empresas envolvidas estão alguns dos mais conhecidos fundos-abutre, como NML Capital – uma subsidiária da Elliott Management, um fundo de investimento co-dirigido por Paul Singer, que é um dos principais contribuintes para o Partido Republicano – assim como Aurelius Capital e Dart Management. NML Capital, que tinha a maior reclamação no caso da Argentina, foi o principal litigante no julgamento de um grupo de portadores de títulos em tribunais federais norte-americanos, em Nova York.

Durante muito tempo, a Argentina recusou-se a pagar. Os fundos tentaram todos os tipos de manobras para alterar a decisão do país, incluindo a detenção temporária da fragata Libertad, o navio-chefe da Marinha Argentina, num porto do Gana.

Em 2012, uma decisão do juiz de Nova York, Thomas Griesa, fez pender a balança a favor dos fundos-abutre, ao tomar a decisão de que a Argentina devia pagar o valor total dos fundos de obrigações, o que lhe custaria 4,65 mil milhões de dólares. NML Capital, por exemplo, poderia obter um retorno total de 1.500% do seu investimento inicial, de acordo com nossos cálculos, devido aos baixos preços que pagaram pela dívida e a uma taxa de “compensação” de juros de 9% segundo as leis de Nova York.

A sentença do juiz Griesa entrou em vigor em 2014 e definiu uma condição mais: emitiu uma ordem que impedia que a Argentina pagasse aos credores que haviam aceite o acordo até ao cancelamento das dívidas dos fundos-abutre na íntegra.

Nesta quinta-feira, a Argentina finalmente aceitou um acordo que se aproxima dos termos estabelecidos por Griesa. NML Capital receberá cerca de metade do total do acordado – 2,28 mil milhões de dólares pelo seu investimento de cerca de 177 milhões, um rendimento total de 1.180% (note-se que a nação Argentina também pagou as taxas legais dos fundos-abutre).

Esta solução é um precedente perigoso para o sistema financeiro internacional, uma vez que pode incentivar outros fundos a que sejam relutantes em negociar e, assim, consigam que as reestruturações da dívida sejam praticamente impossíveis. Por que aceitar menos se podem esperar e obter retornos exorbitantes por um pequeno investimento?

A Argentina foi um caso especial. Lutou de forma agressiva para conseguir os melhores termos com os primeiros credores e preparou terreno para uma recuperação espetacular: de 2003 a 2008, até que a crise financeira global se intrometeu nos seus planos, o país cresceu a uma média de 8 por cento ao ano e o desemprego, que ultrapassava 20%, caiu para 7,8%. No final, os credores que aceitaram a reestruturação inicial obtiveram o valor principal do total e até 40% mais.
A maioria dos países sentem-se intimidados pelos seus credores e aceitam o que eles exigem, o que tem muitas vezes consequências devastadoras. De acordo com os nossos dados, desde 1980, 52% das reestruturações soberanas com credores privados tiveram que adicionar uma outra reestruturação ou caíram em incumprimento da dívida nos cinco anos seguintes.

A Grécia é o exemplo mais recente; reestruturou a sua dívida em 2012 e, poucos anos mais tarde, teve uma necessidade urgente de voltar a negociar.
Muitas vezes ouvimos o termo “risco moral” quando se estudam os países que enfrentam uma dívida esmagadora, como a Grécia ou a Argentina. O risco moral refere-se à ideia de que permitir aos países (ou empresas ou indivíduos) a oportunidade de renegociar e reduzir as suas dívidas só reforça o comportamento esbanjador que os endividou antes. É melhor do que o devedor enfrente a desaprovação e as suas consequências adversas. No entanto, o acordo da Argentina inverte o risco moral, ao recompensar os investidores por fazerem pequenas apostas e colher grandes recompensas.

O Reino Unido e a Bélgica declararam ilegais certos tipos de fundos-abutre. Em Setembro passado, as Nações Unidas aprovaram por esmagadora maioria, os nove princípios que devem orientar a reestruturação da dívida soberana. Durante a discussão, um embaixador pediu desculpas aos abutres – ele referia-se às aves – pelo uso do termo.
Apenas seis países votaram contra, mas como são as principais jurisdições para os empréstimos soberanos (incluindo os EUA), estes princípios não serão muito eficazes.
Muitos países têm leis de falência ou bancarrota. No entanto, não existe um quadro equivalente para a falência soberana. A ONU tomou a iniciativa para preencher esse vazio e, como o demonstra o caso da Argentina, esta proposta é mais importante do que nunca.

Economista norte-americano, Prémio Nobel da Economia.

Este texto foi publicado em: http://lahaine.org/eY0C

Tradução de Guilherme A. Coelho

Fonte: Resistir.info