Abertura econômica e crescimento: lições da experiência chinesa
Muito se debate sobre a inserção brasileira em cadeias globais de valor e o grau de abertura da economia para os fluxos internacionais de comércio e de capitais. Toma-se, quase que por pressuposto, que o maior grau de abertura necessariamente resulta em maior crescimento econômico.
O caso chinês é recorrentemente utilizado para ilustrar tal conclusão, atribuindo a consolidação da China como superpotência mundial em menos de trinta anos à abertura do país. No entanto, uma análise mais profunda sobre o processo de abertura de sua economia e o sucesso chinês oferece reflexões alternativas a respeito de uma possível inserção externa virtuosa.
Em primeiro lugar, a abertura econômica chinesa ocorre em meio a um processo mais amplo de transição de uma economia totalmente planificada para uma economia socialista de mercado, com participação crescente, porém paulatina, do mecanismo de preços nas transações econômicas. Ambos os processos são regidos por forte controle estatal.
O processo de abertura econômica que se inicia em 1978 possui um caráter extremamente gradual, experimental e, sob a coordenação estatal, responsivo aos interesses nacionais e às necessidades identificadas ao longo do tempo. Reconhece-se a importância de recursos externos, sobretudo tecnologia e capital, para complementar recursos domésticos na promoção do desenvolvimento industrial.
Até a década de 1990, quando uma nova fase de reformas de transição econômica se estabelece, os movimentos de abertura comercial e investimento externo permanecem limitados. O passo institucional central nessa direção ocorre com a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, após mais de uma década de negociação.
Como resultado, por exemplo, tarifas de importação são reduzidas e investimentos externos no setor de serviços são permitidos, com um impulso à corrente de comércio do país.
Cabe ressaltar, entretanto, que tais investimentos se concentram até aquele momento nos setores industriais, buscando desenvolver capacitações domésticas por meio de transferências de tecnologia e assegurar a competitividade internacional da indústria, fortemente favorecida pela moeda nacional desvalorizada e estável que perdura até 2005. A abertura financeira da economia chinesa é ainda mais lenta, posterior e permanece restrita.
Em segundo lugar, atribuir o dinamismo econômico chinês em sua maior parte aos mercados externos nesse período é desconhecer a complexidade da economia chinesa. Apesar da extrema importância dos fluxos comerciais, sobretudo na década de 2000, que coloca a China como grande exportador e importador mundial, o crescimento econômico do país está fortemente atrelado à dinâmica da demanda doméstica, em especial do investimento.
Ao invés de liderado pelas exportações – afirmação generalizada para toda a economia quando válida particularmente para os setores têxtil e eletrônico –, o crescimento chinês constitui muito mais um caso de crescimento sem restrição externa, baseado no investimento para a diversificação e o crescente encadeamento da produção industrial doméstica.
Em terceiro lugar, a inserção em cadeias globais de valor depende não apenas das políticas governamentais domésticas, mas também das estratégias corporativas de grandes empresas transnacionais. Quando se recomenda uma inserção brasileira mais ativa nessas cadeias, é necessário entender que há uma rede de produção regional articulada e consolidada entre China e outros países do sudeste asiático, o que por um lado coloca barreiras competitivas a novos entrantes em termos globais, mas, por outro, estimula a pensar também sobre alternativas de integração produtiva regional.
Portanto, a experiência chinesa, brevemente relatada aqui, enfatiza o ritmo e a condução do processo de reformas liberalizantes condicionado ao desenvolvimento de um setor industrial doméstico competitivo, o qual é visto como chave do crescimento econômico sustentado.
Também destaca a possível autonomia de política econômica dos países na promoção de um processo de inserção externa compatível às suas necessidades ao longo do tempo. Pondera, ainda, sobre as dimensões e a complexidade de grandes economias cujo dinamismo depende, em larga medida, de sua estrutura interna.
Tais constatações renegam a hipótese reducionista de que o sucesso econômico chinês resulta de sua abertura econômica e de que um amplo e indiscriminado processo de abertura necessariamente conduz o país a uma trajetória sustentada de crescimento, permitindo repensar estratégias de inserção externa para outras economias emergentes.
Roberto Alexandre Zanchetta Borghi
É economista. Doutor pela Universidade de Cambridge, Reino Unido, e autor da tese “Growth trajectories in the globalisation era: a macrosectoral analysis of China and Brazil”
Publicado em Brasil Debate