Negociações comerciais EUA-Europa (TTIP) e implicações para o Brasil
Na última segunda-feira, o Greenpeace Holanda vazou cerca de 250 páginas do texto da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos (TTIP) que vem sendo negociado em segredo pelos EUA e pela União Europeia. Junto à Parceria Transpacífica (TPP) e ao Acordo sobre comércio de serviços (TiSA), o TTIP faz parte de uma leva de novos acordos comerciais, denunciados por movimentos sociais por ampliarem o poder das grandes corporações e restringirem o espaço de formulação de políticas públicas, por meio da harmonização de regras internacionais mais rígidas de proteção a investimentos e à propriedade intelectual e de liberalização do setor de serviços.
Há pouco mais de uma semana, Obama esteve na Alemanha, acompanhado de uma grande delegação de empresários, na Feira de Hannover. O principal ponto do encontro com a chanceler Angela Merkel e de toda a agenda no país foi a negociação do TTIP, com o anúncio da intenção de se concluirem as negociações até o final este ano. Na ocasião, dezenas de milhares de pessoas se manifestaram contra o acordo, que vem enfrentando cada vez mais resistência nos países europeus.
Vale lembrar que estas negociações têm ocorrido em absoluto sigilo, inclusive com ameaça de processo criminal contra quem divulgar o seu conteúdo. O vazamento dos documentos promete fortalecer os movimentos de resistência, na medida em que comprova as suspeitas que vinham sendo anunciadas. Em linhas gerais, o texto do acordo mostra que o TTIP coloca os direitos das grandes corporações no centro da formulação de políticas públicas de saúde, segurança alimentar, proteção ambiental, entre outras. De forma mais específica, o texto vazado indica pressões dos EUA para modificar regulamentos da União Europeia em diversas áreas, como a proibição de testes com animais na indústria de cosméticos e a proibição do uso de certos pesticidas na UE, em resposta a demandas de multinacionais como a Monsanto. O acordo também prevê a submissão de eventuais controvérsias entre investidores e Estados a painéis de arbitragem internacional (instrumento que tem sido bastante usado pela multinacionais para processar Estados e impedir quaisquer mudanças legais que sejam consideradas prejudiciais aos investimentos).
Segundo análises iniciais, os documentos vazados mostram que as divergências entre EUA e UE são maiores do que se imaginava. Os primeiros efeitos do vazamento já se fazem sentir: nesta terça-feira, o Presidente francês François Hollande afirmou que “não aceitará questionamentos sobre princípios essenciais da política agrícola do país, da cultura e sobre a reciprocidade no mercado de compras governamentais” e que no atual formato a França diria não ao TTIP. Autoridade alemãs também têm se manifestado de forma mais cautelosa e apontado a intransigência dos EUA nas negociações.
Embora o TTIP inclua apenas os EUA e os países da União Europeia, o vazamento de parte significativa das negociações (e a divulgação oficial do conteúdo do TPP há poucos meses) ilumina a política atual dos EUA para o comércio e investimentos globais. A agenda internacional do golpe em curso no Brasil parece justamente apostar na inserção do país neste novo quadro normativo internacional liderado pelos EUA, em detrimento das políticas de integração regional e da diplomacia sul-sul. Contudo, há espaço para que tensões a estes projetos cresçam em âmbito internacional, visto que é improvável que a Parceria Trans-Pacífica seja ratificada em pleno ano eleitoral pelo Congresso dos EUA e que as divergências com a Europa, bem como o aumento da resistência popular, dificultem a conclusão da Parceria Transatlântica em 2016. Além disso, o próprio futuro destes acordos dependerá em grande medida do resultado das eleições presidenciais nos EUA em novembro.