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    África

    A canção do bongô

    Esta é a canção do bongô:   – Aqui o que mais fino for, responde, se o chamo eu. Uns dizem: agora mesmo, outros gritam: já me vou.   Porém, meu repique bronco e minha profunda voz chamam o negro e o branco que dançam o mesmo Son*, pele parda e alma negra, mais de […]

    Esta é a canção do bongô:

     

    – Aqui o que mais fino for,

    responde, se o chamo eu.

    Uns dizem: agora mesmo,

    outros gritam: já me vou.

     

    Porém, meu repique bronco

    e minha profunda voz

    chamam o negro e o branco

    que dançam o mesmo Son*,

    pele parda e alma negra,

    mais de sangue que de sol,

    quem por fora não é noite,

    por dentro já escureceu.

    Aqui o que mais fino for,

    responde, se o chamo eu.

     

    Que nesta terra, mulata

    de africano e de espanhol

    (Santa Bárbara de um lado,

    e de outro lado, Changô)

    sempre falta algum avô,

    quando não sobra algum Dom,

    e há títulos em Castela

    com parentes em Bondô**:

    vale mais calar-se, amigos,

    e não tocar na questão,

    porque viemos de longe

    e andamos de dois em dois.

    Aqui o que mais fino for,

    responde, se o chamo eu.

     

    Quem chegue a insultar-me existe,

    Não, porém, de coração;   

    e até quem me cuspa em público,

    quando a sós já me beijou…

    A esse eu digo:

                – Compadre,

    já me pedirás perdão,

    já comerás meu feijão [ajiaco***],

    já me darás a razão,

    já golpearás meu tambor,

    já dançarás ao meu canto,

    já passearemos de braço,

    já estarás onde estou eu:

    já virás de baixo acima,

    que aqui o mais alto sou eu!

     

    *Estilo musical considerado a quintessência original cubana, nascente no final do século XIX, tendo florecido no século XX; um híbrido de percussão Bantu-Africana – bongos, maracas – com guitarras e melodias espanholas, combinadas com a estrutura da canção africana “chamar-e-responder”; precursor da moderna “Salsa”.

    **Bondó – típico nome de província africana, encontrado no Congo, na Costa do Marfim, no Quênia, no Mali e em Uganda.

    ***Ajiaco – uma reconfortante sopa cubana consistente de frango, porco, banana da terra, batatas doces, taro, pimenta preta e suco de limão. A tradução preferiu traduzir ajiaco por feijões para universalizar.

     

    Livro: Antologia Poética

    Autor: Nicolás Guillén

    Seleção e Adaptação: Ary de Andrade

    Editora: Leitura